Você está no seu plantão no pronto socorro, e chega um paciente para ser avaliado.
Você mede a sua pressão e encontra o valor de 190 x 120 mmHg. E agora? O que fazer com esse paciente? Como vamos controlar essa pressão? Como descobrir o que causou esse resultado? Qual pressão alvo devemos objetivar?
Primeiro, mantenha a calma! E vem com o Jaleko que a gente te ensina como realizar o manejo de uma crise hipertensiva.
O que é uma crise hipertensiva?
Antes de aprender a tratar, vamos definir o que é uma crise hipertensiva e como nós podemos classificá-la. Uma crise hipertensiva é definida por aumento súbito da pressão arterial para valores acima de 180 mmHg, na pressão sistólica, e/ou 120 mmHg, na diastólica.
Pode ser classificada em emergência hipertensiva, ou urgência hipertensiva. A diferença primordial é a presença de lesão em órgão alvo, na emergência, que está ausente na urgência.
Em outras palavras, a emergência hipertensiva é aquela que vem acompanhada de um outro problema agudo, diretamente relacionado aquele pico de pressão, enquanto a urgência seria, a princípio, o pico hipertensivo “puro”.
Como iniciar a investigação?
Sabendo da diferença entre urgência e emergência, o foco inicial da investigação desse paciente deve ser em torno da pergunta: ele tem mais alguma coisa? O que o levou a sair de casa e procurar o pronto socorro?
É possível que um paciente que já é hipertenso meça sua pressão em casa e encontre valores muito altos. Nesse caso, ele provavelmente foi orientado por cardiologista a procurar a emergência imediatamente, pois não é seguro tentar manejar esse paciente em casa.
Mas, muitas vezes, esse paciente também tem alguma queixa específica. Pode ser uma dor no peito, dispneia, cefaleia, sinal neurológico focal, entre outros.
O relato desses sinais pode nos sugerir uma localização para o problema, o que nos orienta na investigação adicional de um infarto agudo do miocárdio, dissecção de Aorta, edema agudo de pulmão, hemorragia intracraniana, AVC isquêmico, dentre outras doenças que podem ser causas ou consequências da crise hipertensiva.
O que perguntar, na prática?
- “O senhor(a) tem pressão alta?”
O primeiro passo na anamnese é perguntar se o paciente é hipertenso. Pode parecer óbvio, mas devemos lembrar que a hipertensão é uma doença silenciosa, que se mantém totalmente imperceptível, até que aconteça alguma consequência, de modo geral.
No caso de ele ser hipertenso, deve-se inquirir sobre o uso de medicamentos anti-hipertensivos, pois a má adesão e aderência ao tratamento anti-hipertensivo é uma das principais causas de descontrole pressórico.
Fique atento também aos pacientes que vão negar a hipertensão pois ela está controlada com remédios. O fato de o tratamento com anti-hipertensivos ser eficaz não significa a cura do problema, mas sim o controle de uma condição crônica.
Caso o paciente seja hipertenso crônico, mas mantenha níveis elevados apesar do tratamento adequado, deve-se pensar em causas de hipertensão secundária, como feocromocitoma, hipertensão renovascular e hiperaldosteronismo.
- “O senhor(a) sente alguma coisa?”
O passo seguinte seria, justamente, a busca por lesões de órgão-alvo.
É importante perguntar se há dor torácica ou dispneia. Caso positivo, deve-se seguir a propedêutica de investigação da dor torácica.
- Se for dor em aperto, no precórdio, desencadeada por esforço, irradiando para membro superior é muito sugestiva de infarto agudo do miocárdio.
- Se a dor for de muito forte intensidade, irradiando para o dorso, deve-se pensar em dissecção Aórtica.
- Se houver dispneia e dor ventilatório-dependente, pensar em tromboembolismo pulmonar.
- E por aí vai. Lembrando que nem sempre essas doenças vão se manifestar de forma tão clássica, sendo necessária complementação com dados do exame físico e de exames complementares.
Além da dor, é importante perguntar por sinais neurológicos focais, como fraqueza, fala arrastada, alterações visuais ou dormências, e queda do nível de consciência.
Neste caso, são muito úteis as informações de um acompanhante, pois pode dar um relato mais fidedigno, dependendo das condições do paciente.
Aqui, a preocupação é com um possível AVC isquêmico ou uma hemorragia intracraniana, como hemorragia subaracnoidea ou intraparenquimatosa.
Outra possibilidade é a encefalopatia hipertensiva. Mais uma vez, são fundamentais os dados do exame físico e de exames complementares.
- “O senhor(a) usa algum medicamento, droga ou erva medicinal?”
A interrupção do uso de álcool pode causar delirium tremens, que pode vir acompanhado de uma crise hipertensiva.
O uso de alguns antipsicóticos pode causar síndrome neuroléptica maligna, que também cursa com hipertensão, assim como na síndrome serotoninérgica, que pode ser causada por alguns antidepressivos.
Neste ponto, dependendo do caso, também podem entrar drogas recreativas, como cocaína, anfetaminas e maconha, pois algumas estão associadas a picos hipertensivos por diferentes mecanismos com elevado potencial de gravidade.
- “O senhor(a) ronca ou acorda durante a noite?”
Pode parecer bobeira, mas a síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) está muito associada à hipertensão.
O mecanismo proposto seria a ativação simpática desencadeada pelos episódios apneicos. Apesar de a associação causal não ser bem estabelecida, é interessante estar atento a essa possibilidade, já que é uma condição não rara na população.
- “O senhor(a) está passando por algum tipo de estresse emocional?”
A chamada pseudocrise hipertensiva é extremamente comum no dia a dia e pode ser desencadeada por uma situação de estresse por dificuldade financeira, luto, problemas familiares ou sociais.
A crise de ansiedade pode mimetizar muito facilmente diversas doenças graves, como IAM ou AVC, pois leva a um estímulo adrenérgico intenso.
O que procurar no exame físico?
Acompanhando a anamnese direcionada, o exame físico bem feito é fundamental na investigação da crise hipertensiva.
O primeiro passo, obviamente, é a confirmação da hipertensão por meio de nova aferição, caso a pressão tenha sido referida pelo paciente como alta na sua casa.
A atenção à técnica adequada e as condições ideais para essa medição, sempre que possível, é fundamental.
No exame cardiovascular, deve-se pesquisar a presença de sopros, como poderia acontecer na dissecção aórtica, normalmente diastólico de regurgitação.
Palpação dos pulsos, para avaliar sua simetria, também por conta da dissecção aórtica.
Pesquisa de turgência jugular patológica ou edema, que podem ocorrer numa situação de descompensação da insuficiência cardíaca.
No exame de tórax, pesquisar por diminuição dos murmúrios vesiculares, que pode acontecer no caso de TEP; ou por estertores, que podem acontecer por congestão, no caso de uma insuficiência cardíaca.
No exame de abdome, a presença de um sopro abdominal pode sugerir hipertensão renovascular ou dissecção de Aorta.
No exame neurológico, a pesquisa de déficits focais e avaliação do nível de consciência, conforme dito anteriormente.
Náuseas e vômitos podem sugerir hipertensão intracraniana, decorrente de uma hemorragia intracraniana ou processo expansivo.
A fundoscopia é muito útil, pois pode também detectar sinais de hipertensão intracraniana, como o edema de papila, ou sinais de retinopatia hipertensiva, que pode decorrer de uma hipertensão maligna.
E se a paciente for gestante?
Na paciente gestante, a crise hipertensiva toma um outro tom, pois pode se tratar tanto de uma doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), quanto de uma hipertensão prévia mal controlada, ou mesmo de pré-eclâmpsia, que pode evoluir para eclâmpsia, caso venha acompanhada de convulsões, configurando uma emergência obstétrica.
Outras situações, como o Descolamento Prematuro de Placenta podem ser consequências da pré-eclâmpsia ou da hipertensão crônica não controlada.
Quais exames complementares devo pedir?
Após uma anamnese detalhada e um exame físico direcionado bem executado, pode haver necessidade de exames complementares para confirmar ou destacar suas suspeitas.
Caso o paciente esteja apenas hipertenso, sem uma aparente causa ou consequência secundária, os exames não são necessários, mas, sempre que houver suspeita, vale a pena investigar.
Pensando nas principais causas cardiovasculares citadas, é interessante solicitar radiografia de tórax para avaliar o grau de uma insuficiência cardíaca, dissecção Aórtica ou TEP.
Lembrando que o diagnóstico de TEP é clínico, de modo que o Rx não deve atrasar seu tratamento. Eletrocardiograma e enzimas cardíacas, para avaliar isquemia miocárdica.
À procura de uma justificativa para os sintomas neurológicos, solicitar uma tomografia computadorizada de crânio, ou mesmo ressonância magnética de crânio pode confirmar um caso de AVC ou hemorragia, ou mesmo um processo expansivo.
Na investigação de hipertensão secundária, é importante avaliar a bioquímica sérica, como creatinina, sódio, potássio e ácido úrico, além de exames de urina, como EAS e a pesquisa por microalbuminúria.
Interna ou libera?
Uma vez identificada a crise hipertensiva e realizada toda a propedêutica necessária à sua correta classificação, deve-se, primeiro, perguntar: esse paciente vai ser internado ou vai para casa, para acompanhamento ambulatorial?
A internação é necessária nos casos de emergência hipertensiva, para correto manejo do AVC, IAM, dissecção Aórtica etc.
O acompanhamento ambulatorial é indicado para aqueles sem lesões de órgão alvo que acabaram de descobrir a hipertensão, ou mesmo que já vinham em tratamento da HAS, após prescrição ou ajuste da medicação anti-hipertensiva.
Como realizar o controle da crise hipertensiva?
Finalmente, está na hora de medicar o paciente a fim de controlar seus níveis pressóricos.
Neste momento, é muito importante entender que os seus alvos não serão os mesmos de um paciente em acompanhamento para hipertensão crônica, pois a queda abrupta da pressão pode ser muito prejudicial.
No caso da urgência hipertensiva, o alvo será a redução da PA para níveis em torno de 160 x 100 mmHg no prazo de 24 a 48 horas, com uso de anti-hipertensivos orais.
O paciente deve ser mantido sob observação durante esse tempo.
Já no caso da emergência hipertensiva, além do tratamento específico da lesão de órgão alvo, a redução da PA deve ser de 20 a 25% dos valores na admissão nas primeiras 3 horas, com uso de anti-hipertensivos parenterais e o alvo costuma ser de 160 x 110 ou 100 mmHg em 6 a 12 horas. O paciente só será liberado com medicação oral após o alvo ser atingido.
No caso de um AVC hemorrágico, a pressão só deve ser diminuída se for maior que 180×105 mmHg (PAM maior que 130 mmHg) e, no caso de AVC isquêmico, se maior que 220 x 120 mmHg ou 185 x 110 mmHg, apenas se candidato a tratamento com trombolítico.
O racional por trás dessas exceções é a necessidade de se manter uma Pressão de Perfusão Cerebral (PPC) adequada.
Lembrando que PPC = PAM – PIC (pressão intracraniana).
Por outro lado, na dissecção aórtica aguda, a PA sistólica deve ser reduzida para o mínimo possível, assim como a FC, com alvos menores que 120 mmHg e menos de 60 bpm, respectivamente.
O que é justificado pela necessidade de se conter o sangramento enquanto se espera a abordagem definitiva.
Quais drogas usar?
Para as urgências hipertensivas, podem ser usados anti-hipertensivos orais, sendo os principais Captopril, Clonidina, Nifedipino e Hidralazina.
Para as emergências hipertensivas, devem ser usadas drogas parenterais, a fim de obter maior controle e maior efetividade.
Podem ser usados Nitroprussiato de Sódio, Nitroglicerina, Metoprolol, Hidralazina e Esmolol.
E como manejar a Pseudocrise hipertensiva?
A pseudocrise hipertensiva é um diagnóstico de exclusão, mas é a principal causa de aumento da PA nos atendimentos de emergência.
Nesse caso, devem ser identificados os fatores desencadeantes e prescritos sintomáticos adequados a cada situação.
No caso de ansiedade, podem ser usados Clonazepam ou Diazepam.
No caso de dor ou cefaleia, não associados a uma lesão de órgão alvo, Dipirona ou Paracetamol.
No caso de um hipertenso crônico com baixa adesão, deve-se encaminhar o paciente para acompanhamento ambulatorial e prescrever os anti-hipertensivos orais para uso crônico, de acordo com a necessidade.
A orientação é fundamental nesses casos.
Conclusão
Saber lidar com uma crise hipertensiva na emergência é fundamental para todo médico, pois é uma situação extremamente comum e pode ser a oportunidade de identificar uma causa subjacente ou consequência até então oculta.
Saber fazer as perguntas certas, realizar o exame físico adequado, solicitar os exames corretos e instituir a terapêutica precisa podem ser a diferença entre a resolução do problema do seu paciente ou a sua sentença a uma complicação mais grave, ou até ao óbito.