As 3 principais causas de sangramento vaginal na segunda metade da gestação são Placenta Prévia, Descolamento Prematuro de Placenta e Ruptura Uterina. Enquanto a Placenta Prévia pode se manifestar apenas com discreto sangramento sem outros sintomas ou consequências hemodinâmicas para a mãe ou o feto (apesar de poder ser bem grave também), o descolamento prematuro de placenta (DPP) costuma ser um quadro mais pronunciado, com graves repercussões hemodinâmicas na mãe e alto risco de morte fetal, sendo a principal causa de óbito perinatal. Vamos aprender, então, como manejar essa emergência obstétrica?
O que é o DPP?
O DPP é definido como a separação da placenta da parede uterina antes do parto que acontece, normalmente, após as 20 semanas de gestação. Ocorre em 1 a 2% das gestações e corresponde a cerca de 30% das hemorragias do 3° trimestre.
A separação pode ser parcial ou total, e é classificada em 3 graus, de acordo com a classificação de Sher:
- Grau 1: Sangramento discreto sem hipertonia, sem repercussões hemodinâmicas e sem coagulopatias. Vitalidade fetal preservada. Diagnóstico normalmente no pós-parto.
- Grau 2: Sangramento moderado, contrações tetânicas, taquicardia materna e alterações posturais da PA. Alterações iniciais da coagulação, com queda do fibrinogênio. Batimentos cardíacos fetais (BCF) presentes, porém com comprometimento da vitalidade fetal.
- Grau
3: Sangramento importante com hipertonia
uterina e hipotensão materna. Óbito fetal.
- 3a: Sem coagulopatia instalada
- 3b: Com coagulopatia instalada
É importante se atentar para a possibilidade de sangramento oculto, associado à hipertonia uterina, pois pode ocorrer instabilidade hemodinâmica mesmo sem exteriorização do sangramento.
O DPP está relacionado a maior incidência de hemorragia, anemia, coagulopatia, hemotransfusões, cesáreas, histerectomia e ate morte materna. Além das complicações maternas, as complicações perinatais incluem prematuridade, restrição do crescimento fetal, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal e óbito perinatal.
Mas o que causa o DPP?
Quando pensamos nas causas e fatores de risco para o DPP, precisamos fazer distinção entre os mecanismos traumáticos e não traumáticos para essa emergência.
A principal causa de DPP traumático é o acidente automobilístico. Nessa situação, o descolamento pode ocorrer por desaceleração ou por trauma direto ao abdome. Esse diagnóstico pode passar despercebido, caso não seja praticada a monitorização do feto na gestante vítima de trauma.
A principal causa do DPP não traumático é a hipertensão, e tanto a pré-eclâmpsia, quanto a hipertensão crônica, são fatores de risco importantes para o DPP. É importante ressaltar que, mesmo que a gestante não esteja hipertensa na chegada à emergência, a etiologia hipertensiva não pode ser descartada, já que ela pode já estar chocada.
Os outros fatores de risco para o DPP, além da hipertensão e do acidente automobilístico, são a rotura prematura de membranas ovulares (RPMO), cesariana prévia, tabagismo, idade materna avançada, uso de drogas lícitas e ilícitas, trauma abdominal direto (incluindo violência física), polidrâmnio e gestação gemelar (por conta da sobredistensão uterina), DPP em gestação anterior e amniocentese ou cordocentese.
Como identificar o DPP?
O quadro clínico do DPP é de dor abdominal abrupta, podendo ou não estar presente o sangramento vaginal. A dor varia de intensidade e está associada a hipertonia uterina. Caso a gestante já esteja em trabalho de parto, uma queixa típica é a persistência da dor entre as contrações.
É importante estar atento para o fato de o sangramento visível não representar a perda sanguínea real, pois o sangramento pode se manifestar através de hemorragia exteriorizada, hemoâmnio ou sangramento retroplacentário, sendo oculto em 20% dos casos. Pode se formar um coágulo retroplacentário com infiltração do miométrio, o que configura o Útero de Couvelaire, que cursa com déficit contrátil e configura importante causa de hemorragia pós-parto. O sangramento decorrente do coágulo retroplacentário é caracteristicamente escuro.
No exame físico, é importante avaliar os sinais vitais, atentando-se à condição hemodinâmica da paciente e realizando as manobras de ressuscitação volêmica, se necessário. Alterações posturais da pressão arterial e taquicardia podem ser indicativos de instabilidade circulatória. O choque hipovolêmico se instala após perda de 30% da volemia.
No exame obstétrico, é importante avaliar a presença de hipertonia uterina, por meio da palpação abdominal, assim como medir a altura do fundo do útero e auscultar os batimentos cardíacos fetais, monitorando a vitalidade do feto de maneira contínua.
O diagnóstico é, essencialmente, clínico. E a ultrassonografia, que exerce papel fundamental na Placenta Prévia, tem papel limitado no DPP, uma vez que o coágulo retroplacentário pode não ser visível. O USG pode ser realizado em casos em que há estabilidade hemodinâmica materna e vitalidade fetal preservada. E os achados incluem coágulo retroplacentário, espessamento da placenta e borda “rasgada” da placenta (sem continuidade).
O diagnóstico diferencial com o sangramento da Placenta Prévia pode ser realizado na medida em que, no DPP, ocorrem, caracteristicamente, dor abdominal, que pode ser intensa, hipertonia uterina e sangramento escuro, enquanto na Placenta Prévia, o sangramento pode ser indolor, não vem acompanhado de aumento do tônus uterino e é normalmente vermelho vivo.
Mas e agora, o que fazer no caso de DPP?
A conduta diante do quadro de DPP varia de acordo com o seu grau, de acordo com a classificação de Sher. O DPP grau 1 é um diagnóstico pós-parto, sem repercussões maternas ou fetais.
No DPP grau 2, o parto deve ser realizado e a via vaginal é a via de escolha, desde que a gestante já esteja em franco trabalho de parto, apresente estabilidade hemodinâmica e a vitalidade fetal esteja preservada. A amniotomia é uma estratégia para diminuir a pressão intrauterina e, com isso, diminuir o sangramento da placenta, devendo ser realizada assim que possível. A condição hemodinâmica materna deve ser avaliada continuamente, por meio da diurese e do hematócrito, principalmente, e as medidas de ressuscitação, com reposição volêmica e de sangue e derivados, devem ser feitas sempre que necessário. Se o parto não for iminente, ou houver instabilidade materna ou sofrimento fetal, deve ser realizada a cesárea.
No DPP grau 3, o feto já está morto. Portanto, a via vaginal é aconselhável. Os cuidados com a hemodinâmica materna usados no DPP grau 2 devem ser realizados aqui da mesma forma. O uso de ocitocina deve ser avaliado cuidadosamente, mas pode ser necessário, pois o útero pode se tornar hipotônico, apesar da hipertonia ser o padrão mais comum. Antes da cesárea, no contexto de DPP, se possível, deve ser realizada hemotransfusão e transfusão de plaquetas, e plasma fresco congelado, diante da possibilidade de coagulopatias.
O fluxograma abaixo, adaptado do Manual Técnico para Gestação de Alto Risco do Ministério da Saúde, 5ª edição, resume as condutas diante dos 3 tipos de DPP:
Conclusão
O Descolamento Prematuro de Placenta é uma das principais emergências obstétricas e configura uma das maiores causas de morte perinatal. Portanto, precisa ser prontamente identificado e conduzido de forma adequada, para garantir maiores chances de salvar a mãe e o feto. Atenção à gestante com mais de 20 semanas e quadro de dor abdominal, sangramento escuro e hipertonia uterina. E esteja pronto para avaliar continuamente sua condição hemodinâmica e a vitalidade do feto. Lembrando sempre que o sangramento pode estar oculto, o que não exclui o diagnóstico de DPP, nem muito menos a possibilidade de evoluir para o choque hipovolêmico.
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