Por que entender o processo de necrose por liquefação? O nome talvez não seja tão atraente, mas acredite, é muito importante. E essa importância se dá, pois algumas patologias muito importantes cursam com esse tipo de morte. Por exemplo, o acidente vascular encefálico isquêmico e abcessos bacterianos. Então, vale a pena gastar seus próximos minutos lendo a respeito do tema, e entendendo qual a fisiopatologia do processo.
Nem sempre as células podem decidir como será a sua morte, e quando essa decisão não é possível, elas passam pelo processo de necrose, um processo de morte celular que ocorre de forma acidental e passiva.
Essa célula morre, pois, ela já tentou se adaptar, mas as tentativas foram falhas. E ela chega então à um estado irreversível, onde ela não consegue mais se adaptar ou retornar a homeostasia.
A necrose é um processo que ocorre sem gasto energético (uma vez que a produção de ATP – “a moeda energética” – está comprometida); seguidamente, há perda da estabilidade da membrana (por deficiência da bomba Na/K/ATPase); extravasamento do conteúdo celular; e perda da compartimentalização citoplasmática. Além disso, o núcleo sofre três processos em sequência: picnose (o núcleo reduz o tamanho e a cromatina é condensada); cariorrexia (o núcleo é fragmentado e a cromatina está irregular); e cariólise (perda do núcleo e dissolução da cromatina).
Quanto à causa e forma de ocorrer, ela pode ser classificada em alguns tipos. E falaremos, hoje, da necrose de liquefação.
Liquefazer é passar do estado gasoso ou sólido para o estado líquido. E é justamente isso o que acontece nesse tipo de necrose.
A necrose por liquefação pode ser chamada também de necrose coliquativa. Ocorre por digestão enzimática do tecido, seja pelo próprio organismo ou por microrganismos, ou outras células não pertencentes àquele tecido. Mas, independente da forma, há uma digestão desse tecido.
Há dois subtipos de necrose de liquefação: por autólise e por heterólise.
A necrose de liquefação por autólise, como o próprio nome sugere, do grego “autos”, que quer dizer próprio, por si mesmo, e “lise”. que quer dizer quebra, destruição. O processo é mediado por substâncias, essencialmente enzimas, que destroem o tecido, sendo comum em células danificadas ou em um tecido que está morrendo.
Já a necrose de liquefação por heterólise ocorre quando outras células ou substâncias, não pertencente àquele tecido, provocam destruição tecidual.
Necrose de liquefação por autólise
Esse subtipo de morte celular ocorre quando há hipóxia no Sistema nervoso central. O tecido cerebral, assim como outros tecidos, sofrem quando submetidos à isquemia, pois, além de não receber nutrientes pelo sangue, não recebem também o oxigênio carreado pela hemoglobina no interior das hemácias, presente no sangue.
Com isso, o sistema nervoso central tenta outras vias para produção de energia, sem que haja a necessidade de oxigênio. E a via utilizada para tal é a respiração anaeróbica, onde ocorre a fermentação lática, e produção de ácido láctico (lactato), que provoca queda no pH e consequente aumento da acidose intracelular.
A acidose intracelular altera a bainha de mielina, e essa alteração faz com que a própria célula lesada inicie um processo de liberação de enzimas, que provocam a autodestruição.
Assim, enzimas da própria célula vão atuar em tal digestão, tendo o processo de autólise.
Necrose de Liquefação por heterólise
Quando há uma infecção bacteriana focal, os microrganismos, no caso as bactérias, são reconhecidos como um agente estranho, por meio de vários mecanismos de reconhecimento que o sistema imunológico utiliza, sendo um deles o reconhecimento dos PAMP’s (Padrão Molecular Associado ao Patógeno), e, uma vez reconhecidos, o sistema imune “reage” na tentativa de conter a infecção e eliminar o patógeno. Então, por diversos fatores, como as interleucinas e quimiotaxinas, ocorre uma quimiotaxia (processo em que células são atraídas para o local) de leucócitos polimorfonucleares (neutrófilos) para o local da infecção. A fim de combater os microrganismos ali presentes, destruindo-os, os leucócitos exsudativos liberam enzimas lisossomais e substâncias citolíticas, a fim de que essas destruam o patógeno. Mas não é apenas isso que acontece. Apesar da atividade imune ser essencial para a vida, muitos dos efeitos imunológicos podem ser deletérios.
No processo, há também liberação de enzimas proteolíticas pelas próprias bactérias, que também destroem o tecido.
Essas enzimas lisossomais e proteolíticas liberadas provocam destruição do tecido do próprio organismo, e, assim, ocorre uma digestão enzimática por heterólise, ou seja, necrose de liquefação por heterólise, pela ação bacteriana e pela ação leucocitária. E o tecido “morre”.
Esse aglomerado de células mortas, bactérias mortas e tecido necrosado, formam o pus.
Esse processo acontece também em casos de infecções fúngicas.
Exemplos de causas principais são os abcessos, bacterianos ou fúngicos, em vários órgãos como pulmões, fígado, rins e etc.
Independe de quem promoveu a digestão enzimática, a necrose por liquefação provoca algumas alterações teciduais e que são visíveis em um estudo histopatológico.
Por ser um processo de necrose, devemos nos lembrar do que ocorre com o núcleo. Ele sofre picnose, seguido de cariorrexe, e, por fim, a cariólise, onde há perda do núcleo. E é justamente isso o que ocorre: a perda do núcleo.
O tecido, em geral, que sofreu a necrose liquefativa, encontra-se digerido, com perda estrutural, aspecto liquefeito e disperso.
Acidente Vascular Encefálico Isquêmico e a necrose liquefativa
O acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico ocorre devido a uma queda do fluxo sanguíneo cerebral, causada por uma oclusão arterial, seja por um trombo ou êmbolo, ou por estados de choque hipovolêmico, por exemplo, onde há uma redução do volume circulante, e ocorre déficit na perfusão cerebral (em estágios mais avançados do choque).
O tecido cerebral demanda muito oxigênio e glicose, ambos presentes no sangue arterial. E, se não chega sangue, não chega também esses substratos importantíssimos. Com isso, há uma tentativa de respiração anaeróbica para produção energética. Mas, como vimos anteriormente, isso acarreta em aumento de ácido lático.
O tecido nervoso, especialmente os axônios, que são prolongamentos da célula nervosa (neurônio), que conduz impulsos nervosos à outro neurônio ou a algum tecido, são recobertos por uma bainha composta por mielina. Essa bainha de mielina é composta, principalmente, por lipídeos, e em menor quantidade por proteínas. E, ao ocorrer queda importante do pH, como ocorre no AVE isquêmico, por aumento da concentração de ácido lático, ocorre ativação de enzimas do próprio tecido cerebral, que percebem os danos causados, e, então, degradam esses lipídeos. E o produto final dessa degradação é o que pode ser observado histologicamente. Um tecido liquefeito e com perda de sua estrutura.
Lembrando que a morte celular no sistema nervoso central é praticamente irreparável. As células que compõem o tecido cerebral são células perenes, permanentes, ou seja, seu poder mitótico é baixíssimo (quase inexistente). Dessa forma, após o infarto isquêmico, podem ocorrer diversas sequelas, que variam de acordo com a área cerebral, que passou pelo processo necrótico.
É isso, pessoal!! Bons estudos!
Assista também: https://www.jaleko.com.br/curso/neurologia/acidente-vascular-encefalico/ave-isquemico/suporte-clinico-no-ave
Muito bom mesmoo, meus Parabens
Obrigado pelo comentário, Helder! Continue acompanhando as nossas postagens.
muito didático, porém, não esquecer de informar que as células de suporte como os astrócitos pertencem ao grupo de células estáveis.
Obrigado pelo lembrete, Raphael! Crescemos ao lado de nossos alunos!