É muito comum haver dúvidas e discussões sobre a melhor forma de controle glicêmico dos pacientes críticos, internados em unidades de terapia intensiva (UTI).
Alguns defendem um controle mais rígido, outros defendem algo mais permissivo, os hospitais e Unidades de Saúde variam muito quanto a seus protocolos.
No entanto, qual o tipo de controle mais adequado para o meu paciente internado em UTI? Qual é mais benéfico? Qual é menos prejudicial, menos arriscado?
Isso é o que vamos tentar discutir neste artigo para que possamos colocar em prática.
QUAL O PAPEL DA HIPERGLICEMIA NESSE PERFIL DE PACIENTES?
A hiperglicemia é vista como uma resposta adaptativa e essencial para a sobrevivência em um momento de estresse físico ou durante um processo inflamatório de larga escala.
No entanto, a hiperglicemia constante, descontrolada é associada com piora do desfecho dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva, culminando em maior índice de infecção e até mesmo mortalidade.
Esse é o principal argumento para aqueles que defendem um controle glicêmico estrito
MAS E A HIPOGLICEMIA?
É verdade também que, com o estabelecimento de um protocolo estrito, a hipoglicemia ocorre com muito mais frequência nesses doentes, impactando de forma negativa os resultados e evolução dos mesmos.
A hipoglicemia é o efeito adverso mais comum do controle intenso da glicemia.
Dessa forma, é um grande desafio, ainda nos dias de hoje, a manutenção da glicemia em valores aceitáveis neste grupo específico de pacientes, com grandes alterações metabólicas.
PARA ENTENDER A PREOCUPAÇÃO COM A MANUTENÇÃO DA HIPERGLICEMIA, QUAIS SÃO OS EFEITOS DELETÉRIOS DA MESMA NESSE PERFIL DE PACIENTES?
Vamos citar alguns contextos específicos e o papel da hiperglicemia nos mesmos:
– Trauma: pacientes que se mantiveram hiperglicêmicos no contexto de trauma apresentaram maior mortalidade, maior tempo de internação hospitalar, maior estadia em unidades de terapia intensiva e incidência de infecção hospitalar.
Também é visto pior desfecho neurológico, com aumento da pressão intracraniana naqueles pacientes com trauma crânioencefálico.
– Pacientes clínicos / Pacientes cirúrgicos: a hiperglicemia também demonstrou maior taxa de mortalidade nesse perfil de pacientes, quando comparado com pacientes no mesmo contexto, porém com normoglicemia.
E COMO REALIZAR O CONTROLE GLICÊMICO?
Isso é uma grande discussão até os dias de hoje, e o real valor glicêmico que se consideraria ótimo ainda é muito controverso na comunidade médica.
Uma série enorme de estudos vêm comparando diferentes níveis glicêmicos em diferentes perfis de população de doentes criticamente doentes para responder essa pergunta.
O maior estudo realizado até o momento foi o “NICE-SUGAR trial”.
Neste, houve a randomização de 6104 pacientes (tanto clínicos quanto cirúrgicos) em unidade de terapia intensiva, comparando o uso intensivo da terapia com insulina (glicemia entre 81 a 108 mg/dL) e o controle convencional (< 180 mg/dL).
O resultado do estudo foi que os pacientes com controle mais intensivo, quando comparados aos de controle convencional:
– Em 90 dias, a mortalidade do grupo com controle mais intenso foi maior;
– Maior incidência de hipoglicemia grave;
Nos pacientes com TCE, não foram relatados benefícios nem piores desfechos a longo prazo quando comparadas as duas formas de controle, a não ser por maior ocorrência de hipoglicemia naqueles com controle mais rígido.
Outros estudos demonstraram resultados bem semelhantes. Sendo assim, misturando o perfil de pacientes adultos em UTIs, o controle mais rígido da glicose levou à maior hipoglicemia e aumentou a mortalidade (em alguns estudos não aumento nem diminuiu) quando comparado a uma glicemia mais permissiva (140-180 mg/dL).
GUILHERME, ENTÃO O QUE DEVEMOS FAZER PARA O MELHOR CONTROLE GLICÊMICO DO MEU PACIENTE INTERNADO EM UTI?
Uma das recomendações mais atuais é que glicose sérica se encontre entre 140 a 180 mg/dL nos pacientes adultos e críticos. Esse alvo vai contra a hiperglicemia, mas também diminui o risco da hipoglicemia iatrogênica provocada por protocolos mais rígidos.
Com esse tipo de protocolo, os pacientes evoluem com menor mortalidade e menor taxa de hipoglicemia.
Para se alcançar esse alvo, deve-se evitar soluções parenterais contendo glicose e só utilizar esquemas de insulina quando realmente necessário.
E QUAL ESQUEMA DE INSULINA UTILIZAR?
Nesse perfil de pacientes, ou seja, pacientes críticos, graves, internados em UTI, não há um regime insulínico universalmente aceito. Para se evitar a hipoglicemia, infusões de insulina e insulinas de ação rápida são geralmente utilizadas.
Quando o paciente atingir uma maior estabilidade clínica e estiver possibilitado de se alimentar por via oral, insulinas de maior duração podem ser utilizadas com maior segurança.