O câncer carrega uma imensa carga de medo, apreensão e incertezas na sociedade. Durante muito tempo, ainda era uma doença totalmente desconhecida, gerando sentimento de incapacidade por parte dos médicos quanto à necessidade de conter o sofrimento dos enfermos.
Dia 27 de novembro, por tanto, é conhecido como o dia nacional do câncer, e tem como objetivo ampliar o conhecimento da população brasileira sobre a doença e a sua prevenção.
Ainda no início do século XX, o panorama que era marcado pela incerteza e obscuridade acerca da doença começa a se transformar. À medida que foram surgindo tratamentos mais promissores e sofisticados, a prevenção e o diagnóstico precoce começaram, de forma recorrente, a fazer parte do cotidiano da medicina.
Contudo, embora o maior conhecimento sobre a patologia gere uma carga de esperança e sobrevida, amplia-se o leque também quanto à compressão do quanto a doença é devastadora, de suas diversidades e da limitação da medicina em contê-la, intensificando, de certa forma, o temor da sociedade e, sendo considerado por muitos, como o ‘’mal do século’’.
O câncer é uma doença antiga. Egípcios, persas e indianos – 30 séculos antes de Cristo – já mencionavam os tumores malignos. No entanto, foi a partir dos estudos de Hipócrates, que se definiu melhor a doença, caracterizando-a como um tumor duro, que, em alguns casos, reaparecia depois de retirado, ou que se disseminava para outras partes do corpo levando à morte.
Inicialmente foi descrito como carcinoma ou cirro, era considerado pelos seguidores de Hipócrates como resultado do desequilíbrio dos fluidos corporais, ideia reforçada no início do período cristão pela medicina galênica.
Essa ideia de que o câncer fosse produto do desequilíbrio dos fluidos corporais manteve-se forte na medicina ocidental até o século XVII, ainda que no século XV, houvesse a descoberta do sistema linfático e a relação da doença com a desarmonia desse sistema.
A doença sendo um desequilíbrio dos fluidos, ela era vista como um problema orgânico geral, manifestando-se através dos tumores. Essa visão desencorajou intervenções cirúrgicas e medicamentosas, dando espaço a terapêuticas que visavam o reestabelecimento do equilíbrio corporal, como as sangrias.
No século XVIII, o câncer começou a ser visto como uma doença mais localizada. Para chegar nessa concepção, foi fundamental o desenvolvimento da anatomia patológica e do maior conhecimento celular. Grandes figuras, como o italiano Giovanni Battista, o brasileiro Morgagni e o francês Marie François Xavier Bichat, foram de grande relevância para a melhor compreensão da doença.
Battista enfatizou a característica do tumor de se localizar em determinado órgão. Por outro lado, o francês propôs a ideia de que os órgãos são formados por diversos tecidos, auxiliando no melhor entendimento quanto às formas distintas do câncer.
O conceito de metástase surgiu posteriormente, com Joseph Claude Anthelme, que observou um tumor cerebral secundário em uma paciente incialmente diagnosticada com câncer de mama. O seu estudo mostrou que a invasão das células tumorais nas correntes sanguínea ou linfática, provoca o surgimento dessas células em outros locais.
Foi no século de XIX, com os trabalhos de Virchow, que a doença ficou fortemente vinculado às células e ao processo de divisão celular. Posteriormente, o anatomista Wilhelm Waldeyer demonstrou que o tumor se desenvolve a partir de células normais e, como já se acreditava, a metástase ocorria através do transporte das células pelo sangue ou linfa.
Era visível o grande avanço do conhecimento sobre a doença, mas o tratamento eficaz ainda permanecia inexistente, sendo comum a prática de internação em asilos para “aguardar a morte”. Os avanços da cirurgia começaram a dar novas esperanças em relação à doença. As primeiras operações realizadas foram de câncer de reto e histerectomias, mas com as taxas de insucessos e dúvidas sobre eficácia, foram desencorajadas.
As cirurgias começaram a ser mais viáveis com o desenvolvimento das técnicas de assepsia e antissepsia, que possibilitaram uma maior segurança para a realização das incisões e prevenção de infecções. Em 1881, o cirurgião alemão Theodor Billroth obteve o primeiro sucesso em uma retirada de câncer no Estômago.
Em 1890, Willian Stewart realizou uma mastectomia no Hospital Johns Hospkins bem-sucedida e, em 1900, o Austríaco Ernest Wertheim publica um trabalho sobre técnica de histerectomia relacionada ao câncer de útero, fazendo com que a doença ficasse cada vez mais vinculada à cirurgia.
A ampliação das intervenções contra o câncer possibilitou uma aproximação da medicina com outras áreas, como a física e a química. Em 1902 surgiram os primeiros trabalhos na Associação Americana de Cirurgia demonstrando a importância do raio-x no tratamento das displasias, começando a ser utilizado por alguns médicos no tratamento de câncer cutâneo.
No entanto, somente três anos depois, foi possível perceber que as células cancerígenas eram mais sensíveis ao raio-x do que as células sadias.
Contudo, apesar dos avanços, a probabilidade de cura dos inúmeros tumores existentes ainda era muito baixa. É fato que a quimioterapia e outras medidas terapêuticas mudaram de forma significativa o panorama da doença, mas faltava muito estudo na área ainda.
Hoje, em pleno século XXI, podemos ver como os métodos diagnósticos e os tratamentos avançaram, mas ainda existe grande dificuldade para controlar a progressão da doença.
O câncer é considerado o principal problema de saúde pública do mundo, ficando entre as principais causas de morte antes dos 70 anos na grande parte dos países. A incidência e mortalidade vêm aumentando como um todo, tanto pelo envelhecimento populacional, quanto pela prevalência dos fatores de risco.
É possível notar que existe uma transição dos tipos de tumores, em que prevalecia aqueles associados com infecções e agora sobressai os que estão relacionados com o sedentarismo e hábitos alimentares, por exemplo.
A estimava mais recente – de 2018 -, demonstra que ocorreram, no mundo, 18 milhões de casos novos de câncer e 9,6 milhões de óbitos. O câncer de Pulmão é o mais incidente no mundo, afetando cerca de 2,1 milhões de pessoas. Em seguida, está o câncer de mama que atinge algo próximo de 2,1 milhões, de cólon e reto (1,8 milhão) e próstata (1,3 milhão).
Os tipos de câncer que mais atingem os homens são os cânceres de pulmão, próstata, cólon e reto, estômago e fígado. Nas mulheres, o câncer de mama é o mais incidente, seguido do de cólon e reto, pulmão e colo de útero.
A estimativa é que ocorrerão, no Brasil, 625 mil novos casos de câncer para cada ano do triênio 2020-2022, sendo que o câncer de pele não melanoma será o mais incidente, seguido dos cânceres de mama e próstata, cólon e reto, pulmão e estômago.
Quando falamos em incidência de acordo com a região geográfica, a região Sudeste é a que concentra maior número de casos, seguida pelas regiões Nordeste e Sul, existindo variação dos tipos de cânceres de acordo com cada uma delas. No Sul e Sudeste, há predominância dos cânceres de próstata e mama feminina, bem como o de pulmão e intestino.
Já no Nordeste, os cânceres de próstata e mama feminina são os principais, embora o de colo de útero e estômago chamem bastante atenção. A região Centro-Oeste tem, entre os mais incidentes, o de colo de útero e o de estômago, e a região Norte é considerada a única do país com equivalência das taxas de câncer de mama e colo do útero entre as mulheres.
É importante lembrar que vários fatores de risco conhecidos para o câncer estão relacionados com exposições de longa duração.
Uma grande parte desses fatores está ligada a comportamentos construídos nas duas primeiras décadas de vida, como o sedentarismo, a alimentação inadequada, a exposição à radiação ultravioleta sem proteção, uso de tabaco e álcool, relação sexual sem proteção, não-vacinação contra agentes infecciosos, dentre outros.
Existem campanhas no país, como o “novembro Azul” – relacionado com o câncer de próstata-, e “ outubro Rosa” ligado ao câncer de mama, que têm o objetivo de compartilhar informações, além de promover a conscientização sobre a doença e proporcionar maior acesso aos serviços de diagnóstico e de tratamento, contribuindo para a redução da mortalidade.
A detecção precoce é baseada na seguinte ideia: quanto mais cedo diagnosticado o câncer, maior chance de cura, sobrevida e qualidade de vida. O objetivo é detectar lesões pré-cancerígenas ou cancerígenas, quando ainda localizadas no órgão de origem, sem invasão de tecidos ou estruturas adjacentes.
O câncer, portanto, constitui um grave problema de saúde pública, sendo essa data importante para a conscientização da população sobre a doença e para que seja lembrado que deve haver uma organização e articulação nos diferentes níveis de atenção na área da saúde, para que sejam garantidos o acesso aos serviços e o cuidado integral do indivíduo.
Eles devem ser vistos como sujeitos, cada um com a sua singularidade, condições socioculturais, anseios e expectativas.