A Insuficiência Ovariana Prematura (IOP) é uma condição de etiologia variada que causa depleção de oócitos, com consequente deficiência de estrogênio. Isso faz com que a paciente com idade inferior a 40 anos apresente sintomas de hipoestrogenismo, atrofia endometrial, ausência de menstruações e infertilidade.
Antigamente, era chamada de Falência Ovariana precoce, mas este termo deixou de ser usado pois nem sempre a condição é irreversível.
A IOP cursa, portanto, com um HIPOGONADISMO HIPERGONADOTRÓFICO (hipoestrogenismo com FHS elevado).
A prevalência estimada da IOP é de 1% em mulheres abaixo de 40 anos e 0,1% em mulheres abaixo de 30 anos, ou seja, a maioria dos casos ocorre entre 30 e 40 anos.
A evolução clínica pode ter, eventualmente, caráter intermitente, sendo que há mulheres que voltam a menstruar e, mais raramente, podem vir a ter gestação espontânea.
Quais são as principais etiologias da Insuficiência Ovariana Prematura?
As etiologias da insuficiência ovariana prematura são divididas em primárias e secundárias, porém o mecanismo principal que as causa, na maioria dos casos, é desconhecido.
As principais causas primárias de IOP são:
1) Alterações genéticas;
2) Autoimunidade.
Em relação às alterações genéticas, elas podem acontecer tanto por anormalidades cromossômicas do cromossomo X (monossomia, trissomia, translocações, deleções), quanto dos autossomos.
O maior subgrupo de mulheres com IOP são aquelas que possuem anormalidades estruturais e numéricas do cromossomo X (mulheres com síndrome de Turner e síndrome do cromossomo X frágil, caracterizado pela pré-mutação do gene FMR1).
Com relação aos casos em que as alterações são nos autossomos, sabe-se que vários genes parecem estar envolvidos, porém, como as famílias com vários casos de IOP são raras, fica difícil realizar estudos para estabelecer a ligação genética, além do fato de o papel das mutações ser desconhecido.
As consequências da insuficiência ovariana prematura são a diminuição do pool de folículos primordiais e/ou aumento da atresia, por aumento da apoptose ou fracasso da maturação folicular.
As IOPs causadas por processos autoimunes correspondem a 20% do total das IOPs e podem ocorrer de forma isolada ou como parte das Síndrome Poliglandulares Autoimunes (SPA). Para ser considerada uma SPA, deve haver a associação de 2 ou mais doenças autoimunes e pelo menos uma delas tem que causar alterações endócrinas.
A SPA tipo 1 tem como principais características:
1) Candidíase mucocutânea crônica;
2) Hipoparatireoidismo autoimune;
3) Doença de Addison autoimune.
Cerca de 14 a 50% das pacientes com SPA tipo 1 têm insuficiência ovariana prematura e a associação mais frequente é com a autoimunidade tireoidiana.
A SPA tipo 2 tem como principais características:
1) Insuficiência adrenocortical primária autoimune;
2) Disfunção tireoidiana autoimune;
3) Diabetes mellitus tipo 1;
4) Na ausência de candidíase mucocutânea e hipoparatireoidismo.
Cerca de 7% das pacientes com SPA tipo 2 têm insuficência ovariana prematura.
Quanto às causas secundárias de IOP estão:
1) Infecções;
2) Endometriose;
3) Ooferectomia bilateral;
4) Quimioterapia e radioterapia;
A IOP induzida por radioterapia depende da idade da paciente e da dose de radiação administrada, sendo que, geralmente, doses de radiação ovariana maior ou igual a 600cGy produzem falência ovariana em virtualmente todas as pacientes com menos de 40 anos.
Também é importante lembrar que o tabagismo faz com que as mulheres apresentem menopausa mais cedo do que aquelas que não fumam. Mais raramente, a IOP pode surgir devido a defeitos nas gonadotrofinas, em seus receptores ou na proteína G.
Portanto, diante de uma paciente com quadro de IOP, deve-se pensar, inicialmente, nas causas mais comuns:
1) Defeitos genéticos (Síndrome de Turner, pré-mutações X frágil, deleções e translocações do cromossomo X e galactosemia);
2) Toxinas ovarianas (quimioterápicos, infecções por CMV, caxumba) e outras causas secundárias (ooferectomia, radioterapia);
3) Autoimune (isoladas ou nas SPAs).
Como é realizado o diagnóstico de insuficiência ovariana prematura?
História Clínica
As pacientes apresentarão queixa de amenorreia, que poderá ser primária (com ou sem desenvolvimento de caracteres sexuais secundários) ou secundária, o que dependerá da causa da insuficiência ovariana prematura.
Dependendo do grau de comprometimento ovariano, também podemos encontrar:
1) Sintomas vasomotores;
2) Alterações do humor;
3) Insônia;
4) Ressecamento vaginal;
5) Dispareunia.
Na história patológica pregressa, é importante questionar sobre:
1) Doenças autoimunes;
2) Endometriose;
3) Irradiação pélvica;
4) Cirurgias pélvicas;
5) Quimioterapia;
6) Torção ovariana;
7) Uso de medicamentos.
No exame físico, caso a etiologia seja a síndrome de Turner, será possível observar os estigmas desta síndrome:
1) Implantação baixa da orelha;
2) Hipertelorismo mamário;
3) Baixa estatura;
4) Pescoço alado.
E quanto aos exames laboratoriais?
Os exames iniciais a serem solicitados em casos de insuficiência ovariana prematura são:
1) beta-HCG (SEMPRE TEM QUE EXCLUIR GESTAÇÃO!!)
2) Dosagem de FSH (a presença de FSH persistentemente acima de 40 UI/L em pelo menos duas medidas é fundamental para o diagnóstico);
3) Dosagem de Estradiol (se houver sintomas vasomotores, a dosagem de estradiol pode ser dispensada);
4) Dosagem de Prolactina;
5) Dosagem de TSH.
Feito um diagnóstico de IOP, TEM QUE PEDIR CARIÓTIPO, independente da idade da mulher, apesar de a maioria das IOPs por causas genéticas acometerem mulheres com idade inferior a 30 anos. Também são indicadas pesquisa da pré-mutação do gene FMR1 e pesquisa de anticorpo anti-ovário.
E quanto aos exames de imagem?
Quando possível, solicitar uma USG transvaginal para identificar redução do volume dos ovários e do útero e fazer a contagem de folículos antrais.
Para fazer a avaliação da massa óssea, pode-se solicitar uma Densitometria por Absorciometria de raios-X de dupla energia (DXA).
Como é feito o tratamento da insuficiência ovariana prematura?
Você que já estudou bastante gineco, já percebeu que as doenças relacionadas à algum aspecto reprodutivo ou ligado à feminilidade nunca podem ser tratadas como um distúrbio somente orgânico, devendo ser englobado vários outros aspectos da vida da mulher…
O tratamento da IOP, portanto, não envolve somente a reposição hormonal e preservação da massa óssea, mas também questões relacionadas à infertilidade e ao lado emocional da mulher. Somado a isso, deve ser realizado o rastreamento de outras comorbidades (quando a causa é autoimune ou de síndromes específicas).
Vamos dividir a parte do tratamento em partes para você entender o porquê de cada terapêutica ser usada…
Terapia de reposição hormonal (TRH)
Os benefícios da terapia de reposição hormonal para a saúde da mulher, como um todo, são inquestionáveis devido à precocidade com que se instala a deficiência estrogênica.
ESTROGÊNIOS
Com relação à reposição dos estrogênios, é importante você ter em mente que as dose aqui utilizadas vão ser maiores do que aquelas para alívio de sintomas pós-menopausa.
O objetivo é fazer com que a mulher atinja níveis séricos de estradiol próximos aos de um ciclo menstrual normal, ou seja, em torno de 100 pg/mL.
Isso pode ser feito através de 3 métodos principais:
1) Estradiol micronizado na dose de 2 mg;
2) Estrogênios Equinos Conjugados (EEC) na dose de 0,9 a 1,25 mg;
3) Estradiol transdérmico na dose de 100 mcg.
A via oral está relacionada à maior incidência de efeitos adversos devido ao metabolismo hepático de primeira passagem, piora do perfil lipídico e aumento de fenômenos tromboembólicos.
Sabendo disso, temos o porquê de as vias de administração transdérmica e transvaginal serem preferenciais, porém, independente da via, deve-se observar as contraindicações ao uso de estrogênios, assim como os exames necessários antes da indicação dos mesmos.
PROGESTÁGENOS
Como a maioria das pacientes com insuficiência ovariana prematura tem o útero preservado, devemos indicar a reposição de progesterona associada aos estrogênios com o objetivo de proteger o endométrio da ação do estrogênio não antagonizada pela ação da progesterona.
O único progestágeno que possui evidência científica de ser capaz de induzir, de maneira completa, a secreção endometrial quando associado a uma dose plena de estrogênio, é o ACETATO DE MEDROXIPROGESTERONA. O esquema de uso deve ser cíclico mensal, não devendo ser recomendados ciclos mais longos, pois eles poderiam aumentar o risco de hiperplasia e câncer de endométrio.
Um estudo clássico mostrou que o melhor esquema de reposição hormonal para as pacientes com IOP, aquele que é mais bem tolerado pela maioria das mulheres, é o seguinte:
1) Estradiol Transdérmico 100 mg/dia;
2) Medroxiprogesterona oral 10 mg/dia durante 12 dias por mês.
O uso de Dispositivo Intrauterino (DIU) de progesterona (o famoso Mirena ®) não é recomendado para mulheres com IOP, pois não há estudos sobre o efeitos da supressão endometrial induzida pelo DIU nessas pacientes.
ANDRÓGENOS
Durante a menacme, 50% da testosterona no organismo feminino é produzido pelos ovários, sendo que o restante é produzido pelas glândulas adrenais (mais especificamente no córtex). Além disso, os ovários também participam da síntese de Dehidroepiandrosterona (DHEA).
Tendo isso em mente, fica claro que as pacientes que apresentam IOP irão apresentar uma deficiência de androgênios.
Você deve estar pensando: “Então é claro que devemos fazer reposição de androgênios nas mulheres com IOP…”, correto?
NÃO!! Os resultados encontrados na literatura atual ainda são insuficientes para que a reposição de androgênios seja recomendada para pacientes com Insuficiência Ovariana Prematura.
Saúde Óssea
Sabemos que a perda óssea no climatério natural se inicia, aproximadamente, 2 a 3 anos antes da menopausa e atinge um pico nos primeiros 3 anos após ela. Em casos em que a insuficiência ovariana é prematura por ooferectomia bilateral, essa perda parece ser ainda maior.
Porém, mesmo sabendo disso, os estudos são inconsistentes em avaliar se o risco de fratura é aumentado.
A DXA será recomendada nas seguintes situações:
1) Mulheres que passam pela menopausa antes dos 45 anos;
2) Mulheres que tiveram menopausa induzida pelo tratamento do câncer de mama (devendo ser realizada nos primeiros 3 meses).
No que diz respeito à saúde óssea, são feitas as seguintes recomendações:
1) Estímulo à ingesta de cálcio e vitamina D (até o momento, as doses recomendadas são as mesmas para mulheres que apresentam menopausa em idade natural);
2) Estímulo à prática de exercícios de impacto de forma moderada (lembrar da redução da densidade mineral óssea, ou DMO, em jovens atletas de elite).
Caso a paciente com insuficiência ovariana prematura opte por não fazer TRH, sua DMO deve ser monitorada continuamente e o uso de bifosfonatos deve ser considerado. Porém, eles não devem ser recomendados em casos de risco de gravidez, pois sua meia-vida é longa no esqueleto e os efeitos sobre o fetos ainda não são bem esclarecidos. Logo, deve-se orientar o uso de um método contraceptivo.
Infertilidade
É importante lembrar que a ovulação e a gravidez bem-sucedida ocorrem em cerca de 5 a 10% das pacientes com insuficiênia ovariana prematura.
Uma vez que a IOP está instalada, o tratamento para a infertilidade pode ser feito com:
1) FERTILIZAÇÃO IN VITRO COM ÓVULOS DOADOS ANONIMAMENTE;
2) RECEPÇÃO DE EMBRIÕES DOADOS.
Nas mulheres com IOP causada pela Síndrome de Turner, é importante informar sobre o elevado risco de mortalidade materna por dissecção aórtica e maior morbidade por hipertensão, caso venha a ocorrer uma gravidez.