O que é uma amenorreia secundária?
Para uma amenorreia ser considerada secundária, ela deve preencher um dos dois seguintes critérios:
1) Ausência de menstruação por, no mínimo, 6 meses em mulheres que já apresentavam ciclos menstruais irregulares;
2) Ausência de menstruação por, no mínimo, 3 ciclos em mulheres que menstruavam de forma regular.
A principal causa de amenorreia secundária é a gravidez e ela deve ser descartada em todas as pacientes, mesmo que elas relatem a impossibilidade de estarem grávidas.
A maior parte das amenorreias secundárias (excluindo-se a gestação) ocorre devido a anovulação, decorrente de Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), mas também pode ser causada por problemas hipotalâmicos, como hiperprolactinemia e, menos frequentemente, a insuficiência ovariana prematura.
Por que estudar as amenorreias secundárias?
As amenorreias secundárias podem fazer com que a mulher se torne infértil, além do fato de que algumas doenças que as causam trazerem repercussões sistêmicas sobre a saúde feminina e, por isso, alguns aspectos devem ser investigados.
Na Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), por exemplo, as mulheres tendem a desenvolver intolerância a glicose, dislipidemias e síndrome metabólicas.
Nos casos em que o problema é no hipotálamo, é preciso avaliar estresse físico, emocional, e/ou distúrbios alimentares (anorexia, por exemplo) e deve-se ficar atento ao risco de desmineralização óssea.
Na insuficiência ovariana prematura, a mulher pode perder a fertilidade, mas nem sempre de forma variável e irreversível.
Como é realizada a classificação das amenorreias secundárias?
As 5 principais causas de amenorreia secundária estão subdivididas em grupos:
1) ALTERAÇÕES ANATÔMICAS
Esse subgrupo é pouco frequente, porém de fácil diagnóstico e tratamento, sendo seu principal representante a Síndrome de Asherman (que pode ser causa tanto de amenorreia primária quanto secundária).
A Síndrome de Asherman se caracteriza por uma redução significativa ou total do sangramento uterino devido a sinéquias (tecido fibroso aderente) parciais ou totais que se formam na cavidade uterina após um trauma endometrial que ocorreu devido a manipulação uterina (curetagem pós-aborto, pós-parto ou mesmo para fins diagnósticos). Infecções, cirurgia histeroscópicas (como a polipectomia e miomectomia) também podem ferir a camada mais profunda do endométrio e causar esse quadro.
2) INSUFICIÊNCIA OVARIANA PREMATURA (IOP)
Antigamente, a insuficiência ovariana prematura (IOP) era chamada de Falência Ovariana Precoce ou Menopausa Precoce, porém, atualmente, esses termos não são usados porque eles implicam uma irreversibilidade que nem sempre se faz presente.
A IOP pode estar relacionada a:
– Alterações no cromossomo X, com redução da maturação folicular;
– Processos auto-imunes, resultantes de aumento de autoanticorpos B, na regulação de linfócitos T/B;
– Causas genéticas e familiares, que devem ser investigadas pela história pessoal e social;
– Idiopáticas.
É importante lembrar que quimioterapias (principalmente com agentes alquilantes), assim como radioterapias e intervenções cirúrgicas, podem causar amenorreia secundária devido a destruição ou eliminação do parênquima ovariano, sendo que esses quadros costumam se instalar imediatamente após a intervenção ou, em alguns casos, tardiamente a depender do grau de comprometimento das gônadas.
3) AMENORREIAS HIPOFISÁRIAS
Se uma paciente tiver um Adenoma Hipofisária que secrete prolactina, a hiperprolactinemia resultante interrompe a secreção pulsátil de GnRH pelo hipotálamo, com redução da síntese e liberação de Hormônio Folículo Estimulante e Hormônio Luteinizante pela própria hipófise, comprometendo a esteroidogênese. O hipogonadismo hipogonadotrófico resultante deste quadro pode cursar com distúrbios da ovulação e oligomenorreias.
Já no caso de uma paciente que tem um tumor extrasselar (craniofaringeoma ou pseudoprolactinomas, por exemplo), ele pode comprimir o eixo hipotálamo-hipófise e causar uma falha na condução de dopamina do hipotálamo em direção a hipófise. Essas situações são raras, mas podem levar a quadros semelhantes a adenomas hipofisários e o principal sintoma é a galactorreia.
Algumas medicações podem causar bloqueios hipofisários, como drogas ilícitas (anfetaminas, cocaína e morfina) e, se as pacientes não forem questionadas sobre o uso, mesmo que eventual, há o risco de o fato passar despercebido.
Antidepressivos Tricíclicos, neurolépticos, inibidores da receptação de serotonina (entre outros) podem elevar os níveis de prolactina, mesmo quando não usados de forma regular.
Alguns anti-hipertensivos e drogas para proteção gástrica também podem causar hiperprolactinemia, causando anovulação e amenorreia.
Hipotireoidismo primário pode causar a elevação dos níveis de prolactina. A síndrome de Cushing induzida por medicamentos, assim como a doença primária de Cushing (que é causada por adenomas de hipófise) também podem causar amenorreia secundárias.
Síndrome da sela túrcica vazia e síndrome de Sheehan (necrose hipofisária pós-parto) também podem causar hipopituarismo e amenorreia secundária. A respeito da síndrome de Sheehan, é importante notar que ela se torna menos frequente à medida que os serviços de assistência ao parto são ampliados.
4) AMENORREIAS HIPOTALÂMICAS
As causas de amenorreia secundária por problemas hipotalâmicos são cada vez mais frequente e, geralmente, não são causadas por distúrbios primários do hipotálamo, mas por eventos secundários que o acometem, como traumas e tumores que causam prejuízo na secreção pulsátil de Hormônio Liberador de Gonadotrofinas, com consequente prejuízo do eixo hipotálamo-hipófise-ovário (HHO).
Porém, o mais comum são as causas funcionais ligadas ao estilo de vida da mulher moderna, causando problemas hipotalâmicos secundários devido a perda excessiva de peso, exercícios físicos exagerados e estresse emocional e/ou corporal.
Em 1977, o Colégio Americano de Medicina Esportiva criou o conceito da “Tríade do Atleta”:
1) Desvios nutricionais;
2) Amenorreias;
3) Osteoporose.
É importante notar que essa tríade ocorre num mesmo protótipo de paciente: mulheres jovens buscando se manter numa faixa irrealística de peso corporal, com um gasto energético que não é suprido por uma dieta restritiva em termos de calorias, evoluindo com quadro de osteoporose rápida e amenorreia hipotalâmica.
5) OUTRAS ENDOCRINOPATIAS
Aqui, é importante lembrar daquela que é a mais comum de todas as endocrinopatias na mulher durante a menacme: a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP).
A SOP é a maior causa de amenorreia secundária e se manifesta, entre outros sintomas, por ciclos menstruais irregulares e frequentemente ausentes, além de hipersecreção androgênica.
Para fazer diagnóstico de SOP, utiliza-se os CRITÉRIOS DE ROTTERDAM:*
1) Ovário policístico à Ultrassonografia (12 ou mais folículos de 2-9mm) OU ovário com volume maior ou igual a 10 mm3;
2) Hiperandrogenismo clínico ou laboratorial;
3) Anovulação ou oligomenorreia;
*Para fechar o diagnóstico de SOP, precisa ter, no mínimo, 2 destes 3 critérios…
É de suma importância ter em mente que a SOP aumenta o risco de a paciente vir a desenvolver diabetes, obesidade, resistência a insulina, dislipidemias e doenças cardiovasculares.
Tumores de suprarrenal produtores de androgênios, geralmente, se manifestam com virilização moderada a severa, bloqueio da ovulação e amenorreia.
O hipotireoidismo, síndrome de Cushing e Hiperplasia Adrenal Congênita também podem causar hiperandrogenismo.
Vale a pena lembrarmos que o uso de testosterona, assim como seus precursores e derivados, tem se tornado cada vez mais comum, e isso predispõe ou determina o desaparecimento dos ciclos menstruais.
Como se faz o diagnóstico de uma amenorreia secundária?
Na anamnese, é possível descobrir o diagnóstico etiológico de uma boa parcela das amenorreias secundárias. O médico deve se atentar para os seguintes aspectos:
1) Na ectoscopia, se atentar a sinais como obesidade, virilização, hipertricose e características de acromegalia;
2) História de galactorreia, variações significativas do peso corporal, mudanças no padrão alimentar, exercícios físicos extenuantes ou inadequados ao biótipo da mulher;
3) Uso de medicações;
4) Antecedentes de doenças crônicas como diabetes ou distúrbios de tireóide ou suprarrenal;
5) Idade da menarca, se mais tardia, sugere tendência à anovulação crônica;
6) Ciclos menstruais longos (maiores que 40 a 45 dias) também sugerem tendência à anovulação crônica;
7) História familiar de quadros semelhantes;
No exame físico geral, é importante se atentar para os seguintes aspectos:
1) Fascies (se cushingoide, com muita acene ou sinais de virilização);
2) Avaliação do biótipo;
3) Calcular Índice de Massa Corporal (IMC);
4) Palpação da tireóide;
5) Verificar pilificação da linha média do abdome, que pode significar hirsutismo, hipertricose familiar ou racial;
6) Palpação do abdome em busca de massas palpáveis (pode ser um hematométrio ou tumor funcionante).
EXAME GINECOLÓGICO
No exame ginecológico, é importante se atentar para os seguintes aspectos:
1) Avaliação das mamas (estágios de Tanner) = bom indicador da ação estrogênica e das oscilações ponderais;
2) Palpação da mama = verificar se a turgência está apropriada para a idade, fase do ciclo e grau de nutrição da mulher (o aumento ou diminuição do volume da mama, em geral, é verbalizado pela mulher), verificar também a presença de ptoses, ligadas à quedas de estrogênio ou perda excessiva de peso;
3) Na avaliação da vulva, vestíbulo e vagina = verificar pilificação ou aumento do clitóris (na maioria das pacientes com SOP ou outras causas de amenorreia, o trofismo vaginal ou vulvar tende a ser normal);
4) Obstruções do fluxo menstrual (criptomenorreias) e malformações congênitas são menos frequentes como causa de amenorreia secundária, mas devem ser investigadas.
E quanto aos exames laboratoriais e testes funcionais para diagnóstico?
Como sempre, a primeira coisa a se fazer é dosar o beta-HCG para excluir a possibilidade de gravidez.
Excluída essa possibilidade, deve-se solicitar a dosagem de prolactina e TSH.
Se os níveis de prolactina e TSH estiverem normais, deve-se realizar o teste da progesterona, que consiste em administrar 10 mg/dia de medroxiprogesterona por 5 dias. Ocorrendo menstruação num intervalo de 2 a 7 dias após o teste, sabemos que a produção estrogênica está preservada, e o eixo HHO está normal. Trata-se de uma anovulação, que determina a queda ou ausência de progesterona.
Se houver sinais clínicos de hiperandrogenismo (hirsutismo, acne, pele oleosa, ganho ponderal), fechamos o diagnóstico de SOP, que pode ser confirmado pela dosagem de androgênios plasmáticos, principalmente testosterona total. Se for necessário, pode-se pedir o USHG transvaginal para verificar se há folículos ovarianos múltiplo (mas só 2 dos 3 critérios são necessários).
Se o teste da progesterona for negativo, e não houver alteração anatômica, sabemos que o estrogênio está baixo (hipogonadismo) e precisamos identificar qual nível do eixo HHO está com problema.
Para definirmos se o problema está nos compartimento III/IV ou abaixo, pedimos a dosagem de FSH/LH. Se eles vierem em baixas doses, sabemos que é um hipogonadismo hipogonadotrófico, indicando problemas hipotálamo-hipofisários, porém se vierem altos, é um hipogonadismo hipergonadotrófico, indicando IOP.
Caso o teste da progesterona dê negativo, e a suspeita maior for de problema funcional, realiza-se o teste do estrogênio/progesterona: administra-se estrogênios conjugados 1,25mg/dia ou estradiol 1-2 mg/dia por 21 dias, seguido de 5 dias de medroxiprogesterona 10mg/dia).
Se não houver sangramento, temos certeza que a causa é uterina, principalmente por sinéquias (síndrome de Asherman) ou fenômeno obstrutivo.
Se houver sangramento, o problema é um bloqueio no eixo HHO, que precisa ser esclarecido.
Caso as gonadotrofinas estiverem baixas, faz-se a administração de um análogo do GnRH e, se os níveis de FSH e LH normalizarem, sabemos que a causa é hipotalâmica.
Se FSH e LCH permanecerem baixos após o estímulo, o problema é na hipófise.
Como será realizado o tratamento da amenorreia secundária?
As opções de tratamento vão levar em conta o momento da vida da mulher e, obviamente, a etiologia da amenorreia.
A partir da identificação de onde está o problema (em qual compartimento ou se é funcional), o médico procede corrigindo o problema naquela localidade, muitas vezes sendo necessário também medicamentos para reverter problemas sistêmicos que acompanham cada quadro.