O que são cuidados paliativos?
Cuidados Paliativos consistem em uma forma de assistência na área da saúde que se diferencia da medicina curativa. Enquanto a medicina curativa tem como objetivo a resolubilidade de determinada doença, o cuidado paliativo se resume à prevenção e controle de sintomas para todos os pacientes e suas respectivas famílias, que enfrentam alguma doença grave incurável, que ameaça a continuidade da vida.
De acordo com a OMS, Cuidados Paliativos são uma abordagem para melhoria da qualidade de vida desses pacientes e de pessoas ao seu entorno, através da prevenção e do alívio do sofrimento por meio da identificação precoce, impecável avaliação e tratamento da dor e outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais.
O tratamento da dimensão física consiste no controle da dor, da falta de ar, de problemas gastrointestinais, anorexia ou qualquer outro sintoma físico que a doença cause. Na dimensão emocional, é preciso ajudar e dar suporte em relação ao medo, a angústia, o arrependimento, o sentimento de culpa e outros. Na dimensão familiar, teremos uma família que sofre junto com o paciente, principalmente quando se trata de paciente pediátrico e que também precisa desse suporte. Na dimensão social, o paciente pode sofrer pelas perdas sociais, perdas de papéis na sociedade, perdas profissionais etc. E na dimensão espiritual, é onde o paciente busca compreender o sentido de sua vida, de sua existência, sendo então um sofrimento muito complexo.
Essa assistência deve ser feita desde o momento de seu diagnóstico até a sua morte, abrangendo também o suporte ao luto de amigos e familiares, após o falecimento do doente.
A história dos cuidados paliativos:
Historiadores apontam que o cuidado paliativo começou na antiguidade e, que durante as Cruzadas na Idade Média, era comum encontrar “hospices” pelo caminho, que abrigavam doentes, famintos, mulheres em trabalho de parto, órfãos, pobres e “leprosos”. Era muito mais uma forma de cuidado, acolhimento, proteção e alívio do sofrimento do que de cura propriamente dita.
No século XVII, um padre francês fundou a Ordem das Irmãs da Caridade em Paris e abriu casas para órfãos, pobres e doentes. Em 1900, Irmãs da Caridade, irlandesas, fundaram o St. Josephs’s Convent em Londres e, mais tarde, o St. Josephs’s Hospice.
Oficialmente, os cuidados paliativos surgiram como prática na área da saúde na década de 1960 no Reino Unido com a médica, enfermeira e assistente de saúde Cicely Saunders, que dedicou sua vida ao trabalho para alívio do sofrimento humano. Em 1967, ela fundou o St. Christophers Hospice em Londres, primeiro serviço a oferecer um cuidado integral aos pacientes, controlando sintomas, aliviando suas dores e sofrimentos, não apenas físicos como também psicológicos.
Na década de 1970, Elisabeth Kübler-Ross, uma psiquiatra suíça, trouxe esse movimento para a América. Em 1974, foi fundado um hospice nos Estados Unidos e, a partir daí, essa abordagem de cuidado passou a ser disseminada em diversos países.
O vocábulo paliativo é derivado do latim pallium, que nomeia o manto usado pelos cavaleiros das Cruzadas para se protegerem das tempestades no caminho. A terminologia denota, então, a ideia principal dessa abordagem que é cobrir, proteger e amparar.
A importância de saber paliação:
Com os avanços da ciência e tecnologia, que propiciaram um grande progresso na medicina, o aumento da expectativa de vida é uma realidade cada vez maior. Entretanto, o aumento do tempo de vida não está necessariamente relacionado à melhoria de sua qualidade.
O envelhecimento populacional traz à discussão a quantidade de idosos acometidos por doenças de alta gravidade e que não se beneficiam mais de recursos curativos. Mas a intensa busca por tratamentos melhores, a luta pela cura de doenças e a cultura de negação da morte não estão presentes apenas no campo dos idosos, mas em qualquer faixa etária. Assim, é possível que, em muitos casos, o paciente não tenha o alcance do bem-estar no seu fim de vida, mas sim seja alvo de seguidas tentativas de que ele continue vivo a “qualquer preço”.
Isso está muito relacionado aos profissionais de saúde que não têm o conhecimento necessário de paliação para aplicar em seus doentes e, por isso, sabemos que a linha entre o “fazer bem” e o “fazer demais” pode ser muito tênue. Há uma defasagem dos profissionais quanto aos cuidados paliativos, refletindo o quanto os ensinos deixam a desejar nesse quesito.
A desconsciência da finitude acaba por prorrogar o sofrimento humano. Até que ponto todas as intervenções de saúde promovem um final de vida digno? Se o paciente tiver uma boa condição financeira pode ser que lhe ofereçam os mais variados tratamentos, com os cuidados mais agressivos e desmedidos para uma doença que não apresenta mais nenhuma possibilidade de reversão.
Será que aquele paciente, se ainda tivesse o poder da escolha, preferiria estar sedado e entubado em um CTI ou no conforto de sua casa com a família e amigos nos seus últimos dias? Na teoria a resposta parece clara, mas na prática…
Além disso, tem também aqueles pacientes que serão abandonados em leitos de hospitais, já que sua doença “não tem mais tratamento”. Pacientes que não receberão cuidados paliativos e, com isso, serão excluídos da agenda de prioridade dos médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Ele será o último a ser assistido, ficará com a equipe menos treinada e poderá passar os seus últimos dias de vida em pleno sofrimento e sentimento de abandono.
Esse é um cenário real que independe do tipo de serviço, se público ou privado. Profissionais que não estão qualificados para um atendimento voltado para o conforto de seu enfermo, deixarão a desejar no acolhimento. Um bom profissional de cuidado paliativo sabe discernir qual é o melhor recurso que pode oferecer ao paciente e que vai trazer resultado de qualidade de vida.
Isso também diz respeito a otimizar recursos. Devem ser utilizados todos os recursos necessários para trazer um fim de vida com qualidade, valor e significado, sejam esses de baixa ou alta complexidade. Mas se apropriar de ferramentas que prolongarão a vida sem mais nenhum sentido pode ser tão ou mais vazio quanto o processo de morte.
Enxergando além da doença:
Quando ouvimos que determinada doença “não tem mais tratamento”, devemos ser capazes de olhar mais profundamente para aquele doente, e enxergá-lo além de suas afecções. Não é possível que não se tenha mais nada a fazer para um paciente no fim da vida, que provavelmente se encontra com sentimentos jamais despertados, como o medo da finitude.
A empatia deve ir além de um mero conceito de aulas sobre medicina social. Quando não se tem “mais nada a fazer” a respeito de uma enfermidade, quando já não se pode mais modificar o curso natural daquela doença, é a hora em que mais precisamos fazer a respeito do indivíduo doente.
É necessário abranger todas as dimensões de cuidado, na busca pela dissolução de seus mais variados problemas, embates pessoais e conflitos familiares. É preciso abraçar o paciente como um todo, como um ser de extrema vulnerabilidade que precisa de atenção. E se essa atenção não vier nem nesse momento, perderemos a chance de acolher, perderemos a chance de proporcionar uma eterna redenção.
Esse paciente não tem mais muito tempo, sendo essencial o cuidado o mais precocemente possível. O tratamento paliativo deve ser iniciado ainda concomitantemente ao tratamento curativo, utilizando dessa maneira todos os esforços necessários para melhor compreensão e controle de seus sintomas. Os cuidados paliativos têm que ser vistos como parte da assistência completa à saúde, no tratamento de todas as doenças crônicas, e em programas de atenção aos idosos.
É fundamental definir como sintoma tudo aquilo que o paciente considere um problema, num conceito de dor total, criado por Cicely Saunders. Logo, é imprescindível evidenciar o caráter individual e subjetivo dos sintomas, e a interação entre seus aspectos biológicos, sensoriais, afetivos, cognitivos, comportamentais, sociais e culturais, interpretando-os com extrema atenção aos detalhes.
O papel da família no contexto da paliação:
A família do paciente também adoece junto com ele. Não é fácil ver seu ente querido passando por um processo tão angustiante, de tantas incertezas, e que vai contra tudo o que desejamos da vida. A saúde é a mais importante condição para que a vida seja de fato vivida e ter alguém amado com limitações para desfrutar dos seus dias e tempo limite de permanência nessa dimensão pode causar tamanho sofrimento psicológico em todos que compartilham dessa dor.
Muitas famílias aceitam o processo do adoecer, pois encaram isso de uma maneira natural, como realmente deve ser – ninguém está imune à terminalidade da vida. Nascemos com uma única certeza, a de que tudo isso é finito. Mas tem aqueles que não se conformam, que não aceitam, que desconversam e preferem não acreditar. Aqueles que mentem para si mesmos, e consequentemente, para o doente também.
A maioria das famílias não sabe lidar com doenças que ameacem a existência e isso faz parte das fases do luto. A negação é uma constância nesse meio. Isso mostra que as pessoas ao redor do paciente precisam de tanta ajuda quanto ele, para que juntos seja possível transformar uma situação que é, sim, muito triste em um processo mais leve e com todo o cuidado e atenção.
Desmistificar o processo do adoecer e da morte é um passo importante na busca pela aceitação e superação. E o profissional de cuidados paliativos é uma porta para esse caminho, é alguém com propriedade para adentrar em todo o contexto social e familiar do indivíduo e superar barreiras.
Com isso, é possível dizer que a família é um elemento que pode potencializar a construção e a consolidação de um projeto terapêutico. Por isso, também deve ser objeto de cuidado e deve ter sua dor aliviada diante do sofrimento da pessoa querida, ajudando o profissional a oferecer os melhores cuidados a esse paciente.
A comunicação com o paciente e sua família:
Como profissionais, devemos buscar uma comunicação aberta e ativa com nossos pacientes e seus familiares, gerando um processo de confiança e vínculo entre quem está sendo cuidado e quem cuida. Disponibilizar informações importantes, mesmo que de forma lenta e gradual, de acordo com o que conseguem suportar, é necessário para construir um laço de confiança.
A comunicação é intrínseca ao comportamento humano e deve ser entendida como uma técnica de troca de mensagens, emitidas e recebidas, para que seja possível partilhar ideias e propósitos. Mas é necessário entender que a comunicação vai muito além das palavras e do conteúdo: ela também diz respeito à escuta, ao olhar e à postura.
A comunicação é uma medida eficiente e terapêutica, sobretudo, para pacientes em fase terminal. É um método que propicia o cuidado integral e humanizado, sendo possível acolher as necessidades do paciente e de seus familiares.
Ao utilizar a linguagem verbal e não verbal, é possível que o doente, com todas as suas limitações, evidencie os seus anseios, preocupações e dúvidas acerca de sua condição clínica, e suas preferencias no atendimento, participando então ativamente da tomada de decisões.
É uma ferramenta extremamente relevante para intermediar as relações humanas, identificando as demandas assistenciais e proporcionando fortes vínculos e melhorias da relação profissional-paciente. Tranquiliza o paciente e permite que ele confie na equipe que o está acompanhando, na busca por um fim de vida mais digno.
A preservação da autonomia no processo de adoecer:
É importante que o tratamento em cuidados paliativos vise também a prevenção de agravos e incapacidades do paciente, principalmente quando se trata de uma pessoa antes ativa. Encarar o fim da vida e junto dela a percepção de que não se consegue mais fazer o que fazia e de que precisa de ajuda para a realização de atos antes considerados simples é uma grande dificuldade no processo de adoecimento.
Por isso, é preciso que o paciente seja ajudado por sua família e pelos seus profissionais de cuidados paliativos a realizar o máximo de seu potencial, com ênfase sempre no fazer em vez do ser atendido. Pode parecer mais simples e cômodo que o doente seja atendido, mas isso fere completamente a sua autonomia.
A promoção da independência e autonomia desse paciente, ajudando na manutenção de atividades e pessoas significativas para ele, proporciona melhor autoestima para o doente, que pode ser visto então com mais dignidade diante do seu fim de vida.
Referências: GOMES, A.L.Z; OTHERO M.B. Cuidados Paliativos. ESTUDOS AVANÇADOS 30 (88), 2016\. Disponível em . ANDRADE, C.G; COSTA, S.F.G; LOPES, M.E.L. Cuidados paliativos: a comunicação como estratégia de cuidado para o paciente em fase terminal. Ciência & Saúde Coletiva, 18(9):2523-2530, 2013\. Disponível em . Academia Nacional de Cuidados Paliativos