Falar deste assunto é falar de perspectivas do presente e futuras, para o tratamento e manejo da insuficiência cardíaca grave e, muitas vezes, terminal. Os dispositivos de suporte circulatório mecânico (SCM) são bombas mecânicas, que têm como principal função auxiliar ou substituir a bomba cardíaca. Podem desempenhar a função do ventrículo direito, ventrículo esquerdo ou das duas câmaras.
Os dispositivos vão variar entre si de acordo com tais características: localização da bomba; qual(is) câmara(s) assistida(s); mecanismo da bomba; duração do suporte (temporário – dias a semanas ou longo prazo – meses a anos). Os dispositivos temporários costumam ser extracorpóreos, enquanto os que possuem como função o longo prazo podem ser implantáveis (intracorpóreos).
QUAIS SÃO OS TIPOS E COMO FUNCIONAM?
Pessoal, sei que este é um tema complexo e, de certa forma, específico. Minha intenção não é que terminem este artigo sendo especialistas no assunto, porém, que já tenham ouvido falar e possuam alguma “familiaridade” com algo que tende a se tornar cada vez mais comum na nossa Medicina moderna. Com isso, vejam a tabela a seguir como um “resumo” deste tópico:
Localização da bomba | Ventrículo assistido | Intenção de uso | Mecanismo de ação |
Extracorpórea | VE (DAVE) | Curta duração (dias a semanas); Paciente hospitalizado, “ancorado” à bomba | Pulsátil; Atuação pneumática/elétrica |
Intracorpórea | VD (DAVD) | Longa duração (meses a anos); Paciente ambulatorial | Bomba rotacional, com fluxo contínuo; Rotor com suportes (eixo mecânico); Levitação magnética |
Paracorporal, bomba localizada fora do corpo | Suporte biventricular (DABiV) | | Bomba rotacional com fluxo contínuo; Fluxo centrífugo |
Ortotópico – CATo | Substituição biventricular – CATo | | Rotor com suportes; Levitação hidrodinâmica ou magnética |
QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES E COMO ESCOLHER O TIPO DE DISPOSITIVO?
Atualmente, há três indicações mais clássicas para o uso desses dispositivos: ponte para recuperação (PPR), ponte para transplante (PPT) e terapia de destino (TD). E o que é cada uma delas?
– Ponte para recuperação: é a situação na qual usamos suporte circulatório mecânico (SCM) em pacientes com choque cardiogênico agudo ou insuficiência cardíaca descompensada refratários ao tratamento medicamentoso otimizado, havendo expectativa razoável de que a lesão miocárdica por trás disso seja transitória e a função cardíaca possa ser recuperável após um determinado período (curto). Alguns exemplos que podem ser citados são infarto agudo do miocárdio, miocardite aguda, miocárdio hibernante.
Os dispositivos mais utilizados nesse contexto são balão de contrapulsação intraórtico (BIA), dispositivos de assistência ventricular (DAV) extracorpóreos – HeartMate; Novacor LVAS, além da ECMO (membrana de oxigenação extracorpórea – dispositivo que serve como suporte cardíaco e pulmonar).
Em muitas situações, o dispositivo, que inicialmente foi implantado como ponte para recuperação, pode servir como ponte para transplante ou ponte para ponte (PPP), em contextos que não há a melhora da função cardíaca esperada.
– Ponte para Transplante: essa nomenclatura é utilizada quando lançamos mão dos dispositivos de SCM nos pacientes em choque cardiogênico e/ou insuficiência cardíaca descompensada apesar da terapia medicamentosa otimizada (TMO), porém que não esperamos melhora da função miocárdica ou resolução do quadro (ex.: cardiomiopatia dilatada de etiologia idiopática, valvar, isquêmica de longa duração, miocardite ou infarto agudo do miocárdio muito extenso), e que são considerados para indicação de transplante cardíaco.
Nessa modalidade, os SCM implantáveis, de longa duração e com possibilidade de alta hospitalar são os mais adequados (ex.: HeartMate II). No entanto, vale lembrar que, no nosso país, esta não é a realidade da maioria dos nossos pacientes (tanto por falta da tecnologia e da familiaridade dos profissionais de forma mais difundida, quanto pela disparidade financeira para o uso de um dispositivo desse tipo x não cobertura pelos Planos de Saúde em geral).
Esses dispositivos necessitam, na maioria dos casos, de um procedimento cirúrgico para seu implante e bypass cardiopulmonar. Idealmente, devem ser colocados em pacientes com sintomas avançados de insuficiência cardíaca, com dependência de drogas inotrópicas, ou naqueles que, apesar de não estarem dependentes de inotrópicos, possuem limitação por sinais/sintomas mesmo em repouso, com hemodinâmica estável e órgãos alvo funcionantes.
Em situações em que o paciente apresente instabilidade hemodinâmica, disfunção multiorgânica, há benefício de implante de dispositivos, pensando em curta duração para ponte para transplante.
– Terapia de destino: é o tipo de modalidade em que usamos o SCM em pacientes com sintomas crônicos e refratários de insuficiência cardíaca grave (ou terminal) irreversível, e que não são candidatos a transplante cardíaco (modalidade ainda mais difícil no nosso país). É apropriada a utilização de dispositivos de longo prazo, implantáveis, que permitam a mobilidade do paciente. Dessa forma, resulta de um procedimento cirúrgico complexo para a alocação de bombas implantáveis, no contexto de paciente hemodinamicamente estável, sem lesão de órgão alvo significativa, que possuam uma boa condição nutricional, embora evidentemente sintomáticos em relação à insuficiência cardíaca. Em um grande estudo randomizado e prospectivo (REMATCH), foi demonstrada redução de mortalidade e melhora na qualidade de vida desses pacientes descritos em relação aos que se encontravam apenas em uso da terapia medicamentosa otimizada. Porém, há um maior índice de complicações como AVC isquêmico, infecção, hemorragia e defeitos inerentes ao aparelho.
QUANDO É O MOMENTO PARA A INDICAÇÃO DE SCM?
Não há critérios absolutos, fechados e obrigatórios para o início e indicação do SCM. Cada caso deve ser avaliado individualmente, pesando todo o contexto do paciente e do ambiente ao seu redor, além do objetivo que vamos dar ao SCM (PPR, PPT ou TD). Entretanto, sabemos que pacientes com lesão miocárdica importante, índice cardíaco < 1,8-2,2 L/min/m², com pressão arterial sistólica < 90 mmHg, pressão capilar pulmonar > 20 mmHg, pressão ventricular direita > 18-20 mmHg e evidência de hipoperfusão (oligúria, aumento de creatinina, transaminases hepáticas, alteração do nível de consciência, extremidades frias), apesar de terapia medicamentosa otimizada, são indivíduos com uma boa indicação para o uso de suporte circulatório mecânico.
Sabemos que essas não são as únicas indicações, sendo um assunto mais complexo.
O QUE É A CLASSIFICAÇÃO INTERMACS? VOCÊ JÁ OUVIU FALAR DELA?
Simplificando as coisas, é um registro, conhecido como registro de interagência de suporte circulatório mecânico (abreviatura no inglês – INTERMACS), visando ter um registro único de todos os centros que façam uso de SCM, a fim de promover aperfeiçoamento contínuo do panorama geral desses dispositivos. Extrapolando a isso, foi criada uma classificação subjetiva da gravidade da doenças desses pacientes específicos, o “perfil de pacientes INTERMACS”, descritos abaixo:
PERFIL | DESCRIÇÃO | INTERVENÇÃO |
Choque cardiogênico crítico | Pacientes com hipotensão, potencialmente fatal, apesar de doses rapidamente progressivas de inotrópicos, com sinais de hipoperfusão crítica de órgãos alvo | Intervenção definitiva e imediata (dentro de horas) |
Declínio progressivo | Pacientes com degradação da função, apesar de suporte inotrópico parenteral | Intervenção definitiva dentro de dias |
Estável, mas dependente de inotrópicos | Paciente com pressão arterial, função orgânica, nutrição e sintomas estáveis, em uso de inotrópico parenteral contínuo (ou com SCM temporário ou ambos), sem capacidade para desmame por hipotensão ou por hipoperfusão renal se retirada | Intervenção definitiva dentro de semanas a meses |
Sintomas em repouso | Pacientes estáveis, mas com sintomas diários de congestão em repouso ou durante atividade de vida diárias. Doses de diuréticos variáveis, com necessidade recorrente de aumento. | Intervenção definitiva dentro de semanas a meses |
Intolerante ao esforço | Pacientes confortáveis em repouso e nas atividades de vida diárias, mas incapazes de desenvolver qualquer outra atividade, limitando-se. Sem sintomas de congestão, mas podendo apresentar hipervolemia refratária e claudicação da função renal. | Urgência variável, dependendo da manutenção da nutrição, função de órgãos alvo e nível de atividade |
Limitação aos esforços | Pacientes sem evidência de sobrecarga de volume, confortáveis em repouso, nas atividades de vida diárias e algumas atividades fora de casa, mas com fadiga em poucos minutos após alguma atividade mais intensa. | Urgência variável, assim como o perfil 5 |
Classe III de NYHA avançada | Esse perfil inclui pacientes sem episódios atuais ou recentes de instabilidade no balanço hídrico, vivendo confortavelmente, com atividade significativa, com discreta limitação aos esforços físicos | Transplante ou suporte circulatório não estão indicados neste momento. |
QUAIS SÃO AS PERSPECTIVAS FUTURAS SOBRE O ASSUNTO?
Bom, meu intuito não era esgotar o assunto (visto tamanha complexidade e variedade de dispositivos existentes no mercado atualmente), mas sim apresentar essa discussão, já que se tornará cada vez mais comum nossa interação com pacientes que façam uso de algum dispositivo desse gênero ou que venham a necessitar. É importante que estejamos, de alguma forma, familiarizados com eles.
Portanto, os avanços tecnológicos recentes, e cada vez mais velozes, assim como o sucesso da aplicação clínica do SCM, exigem a expansão desta modalidade em busca de introdução de novos dispositivos de SCM, com aplicação de suporte biventricular e com tamanhos menores; implementação de dispositivos de suporte parcial; criação de aparelhos totalmente implantáveis sem dependência de conexões percutâneas e fios; extrapolação para a população pediátrica com criação de dispositivos específicos para estes indivíduos; avaliação/introdução de SCM para insuficiência cardíaca menos grave; maior troca internacional sobre a experiência clínica do uso desses dispositivos. Então, fiquemos atentos por que ainda há muita coisa para mudar sobre este assunto!!!