Infecções por patógenos multirresistentes são uma desafiadora realidade e uma ameaça à saúde pública. Portanto, conhecer e saber indicar o tratamento com os antimicrobianos adequados é imprescindível.
Enquanto Polimixinas, Aminoglicosídeos e Carbapenêmicos são os principais nomes que vêm à mente quando se trata de Gram-negativos multirresistentes, nenhum destes tem eficácia contra Gram-positivos resistentes, como o famoso e temido Staphylococcus aureus, resistente à Oxacilina (MRSA).
É nesse cenário que entram em cena antibióticos como Vancomicina, Linezolida e Daptomicina, entre outros, que são as drogas de escolha, na maioria dos casos, diante de cepas resistentes de Gram -positivos. Quer conhecer como funcionam essas drogas? Que tal aprender sobre seu espectro de ação e seus efeitos adversos? Então fica esperto e vem com o Jaleko.
Mas, contra quem estamos lutando?
Antes de começar a falar sobre os antibióticos, precisamos conhecer bem as bactérias com as quais estamos lidando. Ao falar em Gram-positivo resistente, muito provavelmente o nome que vêm à sua mente é o MRSA, isto é, Staphylococcus aureus resistente à meticilina. MRSA é uma cepa de S. aureus com uma mutação do sítio de ação do antibiótico, isto é, a proteína de ligação à penicilina (PBP). Com isso, a ação da oxacilina, a principal droga de escolha contra S. aureus, e de praticamente todos os β-lactâmicos, sobre a bactéria é inibida.
Ué, mas é meticilina ou oxacilina? Na verdade, as cepas com esse perfil de resistência foram identificadas inicialmente como resistentes à meticilina, uma droga antiga que não é mais usada, mas esse mecanismo de resistência também engloba a oxacilina. Logo, tecnicamente, seria um S. aureus resistente à oxacilina, mas o termo permaneceu como foi cunhado.
Inicialmente, MRSA era isolado em pacientes hospitalizados, assim como a grande maioria das bactérias multirresistentes. Porém, atualmente já temos cepas de MRSA circulando e infectando pacientes na comunidade. Isto é, o paciente já chega ao hospital infectado por S. aureus resistente às principais drogas, que seriam usadas para tratar infecções comunitárias. Essas cepas adquiridas na comunidade, no entanto, costumam ter maior sensibilidade a algumas classes de antibióticos, como clindamicina, sulfametoxazol-trimetoprim e algumas quinolonas, sendo denominadas CA-MRSA, enquanto as adquiridas no hospital são mais resistentes, chamadas de HA-MRSA.
Diante do isolamento de MRSA, a principal droga usada passa a ser a Vancomicina. Indo um passo adiante, já existem relatos em alguns centros de cepas de S. aureus com resistência intermediária à Vancomicina (MIC 4-8ug/mL), os chamados VISA, ou, mais raramente, resistência completa a essa droga (MIC > 8ug/mL), os VRSA. Essas cepas não são comuns no Brasil, e as drogas de escolha passam a ser a Linezolida ou a Daptomicina.
De maneira análoga ao MRSA, existem cepas de Staphylococcus epidermidis multirresistentes, inclusive à oxacilina, os chamados MRSE, que exigem tratamento de maneira semelhante ao MRSA. Relatos de S. epidermidis resistentes intermediariamente à Vancomicina existem, então, teoricamente, também temos VISE, mas estes não são frequentes.
Vale lembrar, também, que S. epidermidis é o principal estafilocococoagulase negativo e está muito relacionado a infecção de próteses e cateteres, mas pode também ser contaminante de amostras, por se encontrar na pele.
Outros Gram-positivos que merecem destaque são os Enterococcus spp. As principais espécies são E. faecalis e E. faecium, sendo este segundo naturalmente mais resistente do que o primeiro e com mais chances de se tornar multirresistente. Se sensíveis, a droga de escolha é a penicilina ou ampicilina, mas caso se tornem resistentes, entra em cena a Vancomicina. Diferentemente de S. aureus, as cepas de Enterococcus sp. resistentes à Vancomicina não são tão raras e apresentam um grande desafio aos centros de terapia intensiva. Dessa forma, os VRE, ou seja, enterococos resistentes à Vancomicina, são o grande desafio e exigem o emprego de Linezolida ou Daptomicina, também.
Como funcionam os antibióticos?
Agora que já conhecemos as principais bactérias Gram-positivas multirresistentes, vamos conhecer as drogas das quais dispomos para combatê-las e como funcionam.
Vancomicina
Classe e mecanismo de ação
A Vancomicina pertence à classe dos glicopeptídeos, a qual também pertence a Teicoplanina. Seu mecanismo de ação se baseia na interrupção da síntese de parede celular, ao interferirem na formação das pontes entre as cadeias de peptidoglicana, que formariam a parede, o que mata a bactéria. Por esta razão, são considerados bactericidas. Apesar de também influenciarem na síntese de parede celular, os glicopeptídeos não possuem anel β-lactâmico em sua composição e não se ligam às PBPs (proteínas de ligação à penicilina). Portanto, não podem ser classificados como β-lactâmicos.
Espectro de ação
A Vancomicina, como já falamos, é a droga de escolha para tratamento de MRSA ou MRSE, sendo usada também para tratar enterococos sensíveis e Gram positivos anaeróbios, como Peptostreptococcus spp. e o próprio Clostridium difficile, causador da colite pseudomembranosa, no seu uso oral. O espectro de ação da Teicoplanina é praticamente idêntico ao da Vancomicina, com a exceção de C. difficile, bactéria contra a qual não é eficaz.
Cepas de S. aureus resistentes à Vancomicina (VISA e VRSA) têm emergido em diversas partes do mundo, sendo o mecanismo proposto para esse fato a formação de uma parede celular mais espessa e desorganizada, que impede a droga de atingir seu sítio alvo. Cepas de enterococos resistentes à Vancomicina (VRE) são ainda mais comuns.
Farmacocinética
A principal via de administração dos glicopeptídeos é a intravenosa e sua absorção oral é praticamente nula. Mesmo assim, ainda existem apresentações orais em cápsulas ou pó para solução de Vancomicina usadas para tratamento da colite pseudomembranosa, uma infecção causada por Clostridium difficile, que surge, normalmente, no contexto de uso prolongado de antimicrobianos por pacientes hospitalizados e se manifesta como diarreia refratária ao tratamento convencional. O efeito desejado, nesse caso, não é a ação sobre a bactéria de forma sistêmica, mas sim na mucosa intestinal, sendo, muitas vezes, combinada com outra droga para efeito sistêmico, como o Metronidazol. Essas apresentações orais especiais não são disponíveis no Brasil, mas é possível usar a preparação da droga intravenosa e administrar por via oral, na mesma dose que seria usada pela via IV.
A dose inicial da Vancomicina, normalmente, é de 1g a cada 12h, mas deve ser realizado o ajuste para pacientes com doença renal, de acordo com a função renal. O objetivo é atingir concentração sérica entre 15 e 20 mg/L. O tempo de meia vida é de 4 a 6 horas e a eliminação é renal após filtração glomerular. A penetração no sistema nervoso central não é tão alta (7-14%), sendo necessárias altas doses para atingir níveis terapêuticos. Existe também a possibilidade de administração por via intratecal, isto é, diretamente no espaço subaracnóideo pelo canal raquidiano, para tratar infecções do sistema nervoso central, evitando as doses tão elevadas por via IV, já que a passagem pela barreira hematoencefálica deixa de ser necessária.
Vancomicina e Teicoplanina são muito semelhantes em termos de espectro de ação e aplicação clínica, mas a grande diferença entre elas é que a Teicoplanina não penetra no sistema nervoso central, sendo uma opção para tratar infecções fora desse sítio.
Existe ainda a possibilidade de realizar infusão contínua de Vancomicina, objetivando atingir concentrações terapêuticas mais rapidamente e de forma sustentada, aumentando a ação bactericida. É importante monitorar os níveis séricos da droga, pois concentrações maiores aumentam a chance de efeitos adversos. Para isso, pode-se solicitar a dosagem da Vancocinemia, ou seja, a concentração da droga no sangue.
Efeitos adversos
O mais clássico efeito adverso decorrente do uso da Vancomicina é a Síndrome do Homem Vermelho (ou do pescoço vermelho), que ocorre diante da infusão muito rápida da droga, baseada na liberação de histamina. Essa síndrome é caracterizada por vermelhidão em várias partes do corpo, prurido e edema periorbital, podendo chegar a causar dispneia, dor torácica e choque. É necessária interrupção da droga imediatamente e o tratamento é de suporte, e pode envolver anti-histamínicos ou até drogas vasoativas, em casos mais graves.
A síndrome DRESS, que significa “rash induzido por drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos”, é uma reação de hipersensibilidade, que também está relacionada à vancomicina e se caracteriza por febre, rash cutâneo e prurido, linfadenopatia, hepatite, pericardite, nefrite intersticial e pneumonite, além de eosinofilia, trombocitopenia e contagem anormal de leucócitos, no hemograma. Essa síndrome pode se manifestar de forma semelhante à síndrome de Stevens-Johnson, sendo que esta cursa com envolvimento de membranas mucosas. O tratamento também envolve suspensão da droga causadora, uso de corticoides sistêmicos e suporte.
Mesmo que não chegue a caracterizar uma dessas síndromes, a Vancomicina pode causar rash, febre, trombocitopenia e neutropenia como efeitos adversos isolados.
Existem relatos de ototoxicidade induzida por Vancomicina em altas doses. Esse efeito adverso é mais frequente em pacientes com idade mais avançada e se manifesta como perda auditiva para altas frequências.
É descrita nefrotoxicidade induzida pela Vancomicina em pacientes recebendo altas doses da droga por período prolongado. Essa injúria renal, no entanto, parece ser reversível e o risco é aumentado se feita a combinação com Piperacilina-Tazobactam, mas não com Meropenem ou Cefepime. A relação causal entre a vancomicina e a lesão renal, no entanto, permanece não comprovada, devido ao viés gerado por fatores de confundimento, como o fato de grande parte dos pacientes recebendo a droga em altas doses estar em choque, ou em uso de vasopressores, outras drogas nefrotóxicas, contraste radioativo, entre outros.
Novos glicopeptídeos
Outros representantes mais modernos da classe dos glicopeptídeos são a Dalbavancina, a Telavancina e a Oritavancina. A Dalbavancina demonstrou maior eficácia que a Vancomicina contra MRSA e MRSE, isto é, foi capaz de conter essas infecções com doses menores (ou seja, menor MIC), além de apresentar atividade in vitro contra VISA e VRSA, o que ainda carece de comprovação prática.
A Dalbavancina, no entanto, não apresenta atividade contra cepas de VRE, o que a diferencia da Telavancina e da Oritavancina, que possuem atividade contra essa bactéria in vitro. A hipótese é que estas duas drogas tenham esse espectro expandido por conta de um segundo mecanismo de ação, que consiste na ruptura da barreira da membrana celular bacteriana, além da inibição da sua síntese. Mais informações sobre esses novos glicopeptídeos aqui e aqui.
Vale ressaltar que nenhuma dessas drogas novas apresenta ação contra qualquer bactéria Gram-negativa.
Linezolida
Classe e mecanismo de ação
A Linezolida foi o primeiro fármaco da classe das oxazolidinonas a ser lançado. Seu mecanismo de ação se baseia no bloqueio do início da síntese de proteínas, ao interferir na formação do complexo de iniciação, que consiste em RNA transportador + RNA mensageiro + ribossomo. Esta droga se liga à subunidade ribossômica 50S, o que distorce o local de ligação do RNA transportador, inibindo, assim, a formação do complexo de iniciação 70S.
Como atua na síntese proteica, é capaz de inibir a produção de toxinas por cepas toxigênicas de Staphylococcus aureus ou Streptococcus pyogenes, em pacientes com síndrome do choque tóxico por qualquer um desses dois patógenos.
Espectro de ação
A Linezolida é eficaz contra todos os cocos Gram-positivos, incluindo MRSA, MRSE e o temido VRE, sendo a primeira linha para este último. Também é eficaz contra VISA, VRSA e cepas de Streptococcus pneumoniae resistente à Vancomicina. Basicamente, se torna a droga de escolha diante da resistência à Vancomicina. Além dessas bactérias, também é eficaz contra alguns bastonetes Gram-positivos e Gram-positivos anaeróbios, mas não tem ação contra nenhum Gram-negativo.
Farmacocinética
Diferentemente das outras drogas mencionadas aqui, a Linezolida tem absorção total por via oral, existindo tanto na preparação intravenosa, quanto oral, sendo as doses idênticas para as duas apresentações.
Esse fato a torna um recurso muito útil quando se deseja realizar tratamento ambulatorial ou dar alta hospitalar para um paciente colonizado por MRSA, pois a Vancomicina não permite uso oral dessa forma (lembrando que na colite pseudomembranosa a Vancomicina não é absorvida, agindo só na mucosa intestinal), enquanto a Linezolida permite.
A dose habitual para adultos é de 600mg IV ou VO a cada 12h e, também de maneira diferente das outras drogas citadas no artigo, não requer ajuste de dose para pacientes com doença renal ou em hemodiálise.
A droga passa facilmente pela barreira hematoencefálica e a penetração no líquido cefalorraquidiano é excelente (60-70%), atingindo níveis terapêuticos no sistema nervoso central.
Uma possível desvantagem em relação aos outros antibióticos apresentados é sua concentração variável em fluidos corporais, como o sangue ou a urina, não sendo a opção mais recomendada para tratar infecções da corrente sanguínea ou do trato urinário. Nestes casos, é preferível o emprego de Vancomicina ou Daptomicina.
Por outro lado, sua concentração em tecidos é excelente, tendo inclusive mostrado vantagens no tratamento da pneumonia hospitalarou associada à ventilação mecânica por MRSA em relação à Vancomicina, com menos efeitos adversos.
Efeitos adversos
Os principais efeitos adversos inespecíficos da Linezolida, descritos com seu uso por curto prazo, são rash, náuseas e vômitos, diarreia e colite pseudomembranosa.
Com a exposição prolongada, isto é, mais de 2 semanas, existe o risco de supressão da medula óssea, manifestada por trombocitopenia, anemia e neutropenia. Esse risco é especialmente importante em pacientes com doença renal terminal e hemodiálise. O mecanismo proposto seria a acumulação da droga na medula óssea. Apesar de não existir a recomendação do ajuste de dose para pacientes renais, é recomendada a avaliação dos níveis séricos da droga em pacientes dialíticos.
Com o uso mais prolongado, acima de 4 semanas, já foram descritos casos de acidose lática, neuropatia periférica e neuropatia óptica. Existe evidência de toxicidade mitocondrial dose dependente, isto é, a Linezolida inibe a síntese proteica intramitocondrial, em adição à inibição dos ribossomos das bactérias. E esse seria o mecanismo proposto para os efeitos hematológicos e neurológicos tardios. Essa ação só parece ocorrer, no entanto, nos indivíduos com alguns padrões de polimorfismo do RNA mitocondrial, geneticamente determinados, que são mais susceptíveis.
A Linezolida por inibir a MAO, pode ocasionar HIPERTENSÃO se administrada juntamente com alimentos ricos em tiamina. Alguns fármacos, especialmente os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), como a fluoxetina, precisam ser evitados devido ao risco de síndrome serotoninérgica, manifesta por febre, agitação, alterações do estado mental e tremores, se administrados concomitantemente à Linezolida.
Novas oxazolidinonas
A Tedizolida (apresentada como fosfato de Tedizolida) é o segundo fármaco da classe das oxazolidinonas a ser liberado pelo FDA. Seu espectro e mecanismo de ação são basicamente idênticos aos da Linezolida, cobrindo inclusive algumas cepas resistentes à Linezolida, mas não há dados que comprovem sua eficácia contra os bastonetes e os anaeróbios Gram positivos.
A dose habitual para adultos é de 200 mg IV ou VO a cada 24h. Apesar de os efeitos adversos serem praticamente os mesmos que os da Linezolida, a Tedizolida parece ser mais segura, especialmente no que diz respeito à mielotoxicidade. A razão proposta para isso é o fato de atingir níveis terapêuticos com uma dose única diária, em comparação à dose a cada 12h da Linezolida.
Daptomicina
Classe e mecanismo de ação
A Daptomicina é o principal representante da classe dos lipopeptídeos, cujo mecanismo de ação é a ligação irreversível à membrana citoplasmática da bactéria, despolarizando-a e causando perda de gradientes iônicos, o que leva à rápida morte da célula. A ação bactericida dessa droga é considerada extremamente eficaz, sendo muito mais letal que a Vancomicina contra cepas sensíveis e resistentes de Gram-positivos.
Vale ressaltar que, apesar de muito semelhantes, os mecanismos de ação dos glicopeptídeos (Vancomicina) e dos lipopeptídeos (Daptomicina) têm sítios alvo diferentes. Enquanto os glicopeptídeos agem na síntese de parede celular, os lipopeptídeos atuam sobre a membrana celular.
Espectro de ação
A Daptomicina é capaz de conter infecções por Staphylococcus aureus multissensíveis (MSSA) e MRSA, chegando a cobrir, inclusive, cepas intermediariamente resistentes à Vancomicina (VISA) e até demonstrar atividade in vitro contra VRSA. Também é eficaz contra estafilococos coagulase negativos, inclusive MRSE, estreptococos e enterococos, incluindo VRE, sendo uma droga de escolha contra essas cepas. Tem eficácia também contra alguns Gram positivos anaeróbios, porém nenhuma atividade contra qualquer gram-negativo. Também não é usada para infecção por C. difficile.
Resistência à Daptomicina é bem rara, tendo sido proposto, para isso, o mecanismo de adição de uma lisina à superfície celular, o que aumenta as cargas positivas que repelem a droga, que é positivamente carregada. A combinação com outra droga capaz de diminuir a positividade, como o sulfametoxazol-trimetoprim ou a Nafcilina, tem sido uma estratégia proposta para reverter esse quadro. Na prática, você dificilmente irá se deparar com cepas resistentes à Daptomicina.
Farmacocinética
A Daptomicina não é absorvida por via oral, sendo a via de administração a intravenosa. A dose habitual para adultos é de 4 a 6 mg/kg a cada 24h. A administração diária única tem se mostrado eficaz e mais segura. Sua penetração na barreira hemato-encefálica é mínima e a excreção é renal, de modo que a dose deve ser ajustada para pacientes com insuficiência renal.
Um dado extremamente importante, que deve sempre ser levado em conta no momento de prescrever Daptomicina, é o fato de a droga ser inativada pelo surfactante pulmonar, de modo que não pode ser usada para tratar infecções de vias aéreas inferiores. Esse é um grande limitador para o uso da Daptomicina, que perde sua eficácia contra germes que infectem os pulmões, mesmo que sensíveis in vitro, como Streptococcus pneumoniae.
Por outro lado, a Daptomicina apresenta muito boa concentração no sangue, demonstrando não inferioridade à Vancomicina no tratamento de endocardite infecciosa, uma vez confirmada sua etiologia por cocos Gram-positivos, sobretudo S. aureus.
Efeitos adversos
O principal efeito adverso descrito relacionado ao uso da Daptomicina é a miopatia, que está muito associada ao seu uso concomitante a estatinas. A recomendação é dosagem semanal da creatinofosfoquinase (CPK) e a descontinuação do antibiótico caso os seus valores aumentem mais de 10x ou surjam sintomas de miopatia com CPK > 1000. É recomendável, também, a interrupção do uso das estatinas durante a terapia com Daptomicina.
Outros efeitos adversos menos comuns e menos específicos incluem flebite no local da infusão, febre, rash, náuseas e vômitos, diarreia, cefaleia, aumento de escórias nitrogenadas e colite pseudomembranosa (lembrando que essa é uma diarreia infecciosa que ocorre no contexto de terapia com antibióticos).
Menções Honrosas
O Ceftaroline é uma cefalosporina de 5ª geração que, diferentemente das outras cefalosporinas de gerações avançadas (Ceftriaxona, Ceftazidima e Cefepime), não tem ação tão voltada para Gram-negativos, mas conta com espectro expandido para Gram-positivos multirresistentes, notadamente MRSA e MRSE. Apresenta atividade in vitro contra VISA e VRSA, mas não tem ação contra VRE, o que mantém o padrão de resistência das Cefalosporinas com relação aos enterococos.
Já foi demonstrado efeito sinérgico entre Ceftarolina e Vancomicina ou Daptomicina, aumentando a eficácia contra cepas resistentes, inclusive, à Daptomicina. O Ceftobiprole é outra cefalosporina de 5ª geração com espectro basicamente igual ao Ceftaroline. Essas duas drogas são as únicas cefalosporinas eficazes contra Gram positivos resistentes.
A ação dessas cefalosporinas de 5ª geração contra Gram-negativos é semelhante à Ceftriaxona e não tem atividade contra Pseudomonas aeruginosa ou Acinetobacter baumannii, sendo inibido por Gram-negativos produtores de β-lactamase de espectro estendido (ESBL).
A Tigeciclina possui um dos maiores espectros de ação dentre todos os antibióticos, sendo eficaz contra grande parte das bactérias Gram-negativas multirresistentes e alguns Gram-positivos multirresistentes, também. Essa seria uma opção potencial contra infecções por MRSA ou MRSE, mas não contra VRE ou VRSA. Na prática, a Tigeciclina não é uma das primeiras opções, tanto por conta do seu espectro extremamente amplo. quanto por sua menor eficácia contra esses germes, se comparada às drogas de escolha, citadas anteriormente.
As tetraciclinas novas, como Eravaciclina e Omadaciclina, têm espectro de ação muito semelhante à Tigeciclina, porém com concentrações inibitórias mínimas (MIC) menores, em geral. São eficazes contra MRSA e MRSE, mas não VRE. Do lado dos Gram-negativos, cobrem enterobactérias produtoras de carbapenemases (ERC), de ESBL e de metalo-β-lactamases (MBL), anaeróbios, Acinetobacter baumannii e Stenotrophomonas maltophilia, mas não cobrem Pseudomonas aeruginosa nem Proteus sp., assim como a Tigeciclina.
O bom e velho sulfametoxazol-trimetoprim também pode ser eficaz contra algumas cepas de MRSE e MRSA, especialmente os adquiridos na comunidade (CA-MRSA), mas não contra cepas de Gram-positivos resistentes à Vancomicina.
Conclusão
As bactérias Gram-positivas podem desenvolver múltiplos mecanismos de resistência e configuram grande desafio para o manejo infeccioso dos pacientes. Para combatê-los e, sobretudo, evitar a seleção dessas cepas multirresistentes, é preciso conhecer os antibióticos de que dispomos e saber aplicá-los de maneira coerente e fundamentada.
Quando as opções mais corriqueiras se tornam ineficazes, entram em ação Vancomicina, Linezolida, Daptomicina, Ceftaroline e outros antibióticos que precisam ser manejados com cautela, conhecendo os seus efeitos adversos e suas indicações.
É para te ajudar nessa jornada que estamos aqui. Certamente, você agora está muito mais preparado para raciocinar em cima dos casos dos seus pacientes e, o que é mais importante, oferecer o melhor cuidado a eles.
A tabela abaixo resume os espectros de ação das drogas discutidas neste artigo para consulta e comparação rápidas.
Muito didático, muito proveitoso!
Mas sugiro veementemente deixar bibliografia. Sem ela, fica um conhecimento “por confiança”, “de corredor”… o que sempre é problemático em caso de questionamento.
A Linezolida por inibir a MAO, pode ocasionar HIPERTENSÃO se administrada juntamente com alimentos ricos em tiamina. (Para correção)
Olá, muito obrigado pela mensagem, realmente houve um erro de digitação. A linezolida pode causar mesmo hipertensão. Um grande abraço, Dr. Felipe Magalhães – diretor médico
Excelente texto, bastante didático e objetivo, parabéns!
Ficamos lisonjeados com tamanho elogio, Jaque! O Professor André Poton também está agradecendo aqui (=
Parabéns pelo artigo. Muito didático e esclarecedor.
Nós que agradecemos por esse elogio, Henrique! (=