Introdução
As opções de anticoagulação vêm se expandindo de forma progressiva nas últimas décadas, proporcionando um maior número de agentes para a prevenção e para o tratamento da doença tromboembólica. Nesse contexto, além dos agentes tradicionais (como as heparinas e os antagonistas da vitamina K) foram desenvolvidos anticoagulantes que visam diretamente a atividade enzimática da trombina (fator IIa) e do fator Xa. Frequentemente chamados de Novos Anticoagulantes Orais (NOACs) ou, mais recentemente, chamados de anticoagulantes orais diretos, o uso apropriado desses agentes requer o conhecimento de suas características, bem como dos riscos e dos benefícios individuais envolvidos. Neste artigo, o nosso objetivo principal é o de discutir sobre os aspectos práticos relacionados ao uso de inibidores orais diretos da trombina e do fator Xa.
Terminologia essencial
A terminologia para anticoagulantes continua a evoluir à medida que novos agentes se tornam disponíveis. Sendo assim, antes de falarmos especificamente sobre os inibidores orais diretos da trombina e do fator Xa, é importante fixarmos alguns conceitos e termos usados, para que saibamos utilizá- los e interpretá- los da maneira correta. A terminologia a seguir descreve agentes em uso clínico:
●Agente antitrombótico – os agentes antitrombóticos geralmente incluem agentes antiplaquetários (como por exemplo a aspirina e o clopidogrel), bem como anticoagulantes.
●Anticoagulante – os anticoagulantes incluem uma variedade de agentes que inibem uma ou mais etapas da cascata de coagulação. Seus mecanismos variam, incluindo a inibição enzimática direta, a inibição indireta pela ligação à antitrombina e o antagonismo dos fatores dependentes da vitamina K, impedindo sua síntese no fígado e / ou a modificação de suas propriedades de ligação ao cálcio. Os agentes disponíveis incluem a heparina não fracionada, as heparinas de baixo peso molecular, o fondaparinux, os antagonistas da vitamina K, os inibidores diretos da trombina, os inibidores diretos do fator Xa e outros agentes em vários estágios de desenvolvimento.
●Inibidor direto da trombina (fator IIa) – os inibidores diretos da trombina (IDTs) são capazes de impedir que a trombina atue, evitando a clivagem de fibrinogênio a fibrina. Eles se ligam à trombina diretamente, ao invés de aumentar a atividade da antitrombina, como é feito pela heparina. Dentre os inibidores diretos de trombina parenterais, podemos mencionar a bivalirudina (angiomax), a argatrobana (Argatra, Novastan, Arganova, Exembol) e a desirudina (Iprivask, Revasc). Por outro lado, o único inibidor direto da trombina oral disponível para uso clínico é o etexilato de dabigatrana (Pradaxa). Isso porque o outro agente oral anteriormente disponível, o ximelagatran (Exanta), foi retirado do mercado em 2006 devido a sua hepatotoxicidade e aos eventos adversos cardiovasculares relacionados.
●Inibidor direto do fator Xa (fator X ativado) – os inibidores diretos do fator Xa possuem a capacidade de impedir a atuação do mesmo sobre a clivagem de protrombina a trombina. Esses inibidores estabelecem uma ligação direta com o fator Xa, diferentemente do que é feito pela heparina, a qual atua por meio do aumento da atividade da antitrombina. Ao contrário dos inibidores diretos da trombina, não há inibidores diretos do fator Xa de uso parenteral. Por outro lado, vários agentes orais estão disponíveis, incluindo a rivaroxabana (Xarelto), a apixabana (Eliquis) e a edoxabana (Lixiana, Savaysa). Vale notar que os nomes genéricos desses agentes terminam em “Xa-bana” (por exemplo, rivaro xabana , api xabana , edo xabana).
Observação importante: além da denominação de “novos anticoagulantes orais” (NOACs), diversas outras nomenclaturas foram criadas para se referir aos inibidores diretos da trombina que atuam oralmente e aos inibidores diretos do fator Xa. Dentre elas, podem ser citados os termos “anticoagulantes orais diretos” (DOAC), “anticoagulantes orais específicos para alvo”, “inibidores diretos orais”, “anticoagulantes orais não antagonistas da vitamina K”, dentre outros.
Mecanismos de ação
Locais de ação
Em se tratando do tema hemostasia, sabe- se que ela envolve vários processos. Dentre eles, estão incluídos os processos de ativação plaquetária, de geração de fibrina por fatores de coagulação ativados, de inibição de fatores pró- coagulantes para evitar a formação excessiva de coágulos e de fibrinólise para dissolver o coágulo de fibrina à medida que a superfície endotelial é reparada.
Nesse sentido, nota- se que, embora esses processos sejam frequentemente descritos separadamente, há múltiplos pontos de sobreposição entre os elementos que participam dessas “etapas” (como por exemplo as plaquetas, os fatores pró-coagulantes, os fatores anticoagulantes endógenos, os agentes fibrinolíticos e o endotélio) não só para promover um nível apropriado de hemostasia, mas também para limitar a formação de coágulos nos locais de lesão vascular. Dessa forma, especificamente em relação aos inibidores diretos da trombina e aos inibidores diretos do fator Xa, esses bloqueiam as principais atividades pró-coagulantes envolvidas na geração de um coágulo de fibrina.
A trombina
A trombina (ou fator IIa = fator II ativado) é a enzima final da cascata de coagulação que produz fibrina. Ela é formada a partir do processo de clivagem proteolítica da protrombina pelo fator Xa e tem um papel central na coagulação, uma vez que é capaz de clivar o fibrinogênio em fibrina, bem como tem o potencial de ativar outros fatores pró-coagulantes incluindo os fatores V, VIII, XI e XIII. Além disso, o fator IIa tem a capacidade extremamente importante de ativar as plaquetas.
Onde fica o sítio ativo da enzima?
O sítio ativo da enzima trombina encontra- se localizado profundamente em uma espécie de sulco de um lado da molécula. Nesse contexto, é interessante notarmos que esse sulco profundo e os aminoácidos circundantes aumentam a especificidade da enzima.
E como os inibidores diretos da trombina estabelecem a ligação ao sítio ativo?
Os inibidores diretos da trombina (IDTs) podem se ligar ao sítio ativo da enzima trombina em um local (de forma univalente) ou em dois locais. Sendo assim, eles são chamados, respectivamente, de inibidores diretos da trombina univalentes (IDTs univalentes) ou de inibidores diretos da trombina bivalentes (IDTs bivalentes).
Nesse sentido, também é importante ter em mente a informação de que a trombina é ativa nas formas circulantes e ligadas ao coágulo. Dessa forma, inibidores diretos da trombina são capazes de bloquear a ação de ambas as formas de trombina, porque o seu local de ligação à trombina não é mascarado pela fibrina (podemos dizer, em outras palavras, que a ligação não fica “obstruída”). Por outro lado, as heparinas só são capazes de inativar a trombina na fase fluida, via antitrombina (anteriormente denominada antitrombina III).
O Fator Xa
O Fator Xa (fator X ativado) age imediatamente a montante da trombina na cascata de coagulação, no ponto de convergência das vias intrínseca e extrínseca da hemostasia. Esse fator ativado é formado pela clivagem proteolítica do fator X por um dos complexos X- ase, que são compostos de outros fatores pró-coagulantes.
Nesse ínterim, existem fatores que inibem diretamente o fator Xa (chamados de inibidores diretos do fator Xa), os quais se ligam ao sítio ativo fator e inibem a sua atividade, sem a necessidade de co- fatores. Uma informação extremamente interessante (e de muita importância para que consigamos compreender os resultados gerados pela inibição do fator Xa) é a de que essa inibição tem o potencial de prevenir a geração amplificada de trombina, uma vez que uma molécula do fator Xa é capaz de clivar mais de 1000 moléculas de protrombina em trombina.
Além disso, devemos saber que, similarmente à trombina, o fator Xa é ativo nas formas circulantes e ligadas ao coágulo. Dessa forma, torna- se possível aos inibidores diretos do fator Xa bloquear a ação de ambas as formas do fator Xa, enquanto os inibidores indiretos do fator Xa, como a heparina e o fondaparinux (o pentassacarídeo de ligação à antitrombina) são capazes apenas de inativar o fator Xa na fase líquida, via antitrombina.
DIRETO AO PONTO
Indicações clínicas para inibidores diretos da trombina e inibidores diretos do fator Xa
As indicações clínicas para inibidores diretos da trombina e inibidores diretos do fator Xa em vários contextos são variadas. Apesar de não ser o nosso foco neste artigo, convém sabermos as principais situações em que esses fármacos são indicados. Dentre eles, podem ser mencionadas as seguintes indicações:
- Profilaxia do tromboembolismo venoso (TEV)
- Tratamento do tromboembolismo venoso (TEV)
- Fibrilação atrial (FA)
- Síndrome coronariana aguda (SCA)
- Trombocitopenia induzida pela heparina (HIT)
Nesse contexto, é importante sabermos que esses agentes não são usados em indivíduos com válvulas cardíacas protéticas, com insuficiência renal grave, em pacientes grávidas ou em indivíduos portadores de síndrome do anticorpo antifossolipídeo (SAF).
Os inibidores diretos da trombina
Inibidores diretos da trombina inativam a trombina circulante e a ligada ao coágulo, o que pode ser especialmente importante em indivíduos com trombose coronariana. Ao contrário da heparina, os inibidores diretos da trombina não se ligam ao fator plaquetário 4 (PF4) e, portanto, não são capazes de induzir ou reagir com os anticorpos anti- heparina que causam a trombocitopenia induzida pela heparina (HIT). Sendo assim, justifica- se o motivo de os inibidores parenterais diretos da trombina serem opções de anticoagulação em pacientes com HIT.
Inibidores da trombina direta parenteral
Apesar de os inibidores da trombina direta de uso parenteral não serem o foco deste artigo, vale à pena mencionar brevemente quem são eles, para que você consiga ter uma visão mais ampla sobre o tema. Sendo assim, sem precisar entrar em detalhes, tenha em mente que os inibidores diretos da trombina de uso parenteral são a ivalirudina, a argatrobana e a desirudina. A lepirudina é uma hirudina recombinante que não é mais fabricada desde maio de 2012, quando o fabricante optou por interromper a sua comercialização (sem relação com preocupações de segurança).
Inibidor da trombina direta oral
O dabigatrano é o único inibidor direto da trombina disponível para uso clínico. No entanto, outros agentes adicionais estão em desenvolvimento.
Inibidores diretos do fator Xa
Informações gerais para inibidores diretos do fator Xa
Vários inibidores diretos do fator Xa de ação oral estão disponíveis, os quais são capazes de inativar o fator X ativado circulante e ligado ao coágulo. Nesse sentido, dentre os inibidores diretos do Xa de administração via oral existentes, podemos mencionar a rivaroxabana (xarelto), a apixabana (Eliquis), a edoxabana (Lixiana, Savaysa) e a betrixabana (Bevyxxa). Por outro lado, não existem inibidores parenterais diretos do fator Xa disponíveis para uso clínico. Na realidade, o otamixaban foi desenvolvido como um inibidor do fator Xa intravenoso, mas o desenvolvimento foi descontinuado devido a um aumento do risco de sangramento em comparação com a heparina não fracionada em pacientes com síndrome coronariana aguda.
Em relação à administração, de maneira geral os inibidores diretos do fator Xa são administrados em uma dose fixa sem monitoramento, sendo importante usar a dose apropriada (ou seja, evitar a subdose). No entanto, a atividade anti- fator Xa pode ser medida em circunstâncias incomuns, como por exemplo em indivíduos com anatomia gastrointestinal alterada (já que nesses casos há a preocupação com a absorção do medicamento), em indivíduos que precisam tomar um medicamento em que tenha interação com um inibidor direto do fator Xa, em indivíduos com índice de massa corporal (IMC) extremamente alto, dentre outros. Além disso, é importante sabermos que de fato não há intervalo terapêutico estabelecido para essas drogas. Dessa maneira, para níveis razoáveis, o clínico deve confiar na orientação de seu laboratório institucional, informações do fabricante e / ou dados de ensaios clínicos.
Já no que concerne à metabolização, os inibidores diretos do fator Xa são metabolizados no rim (aproximadamente 25% a 35%) e no fígado (por isso o comprometimento hepático grave pode resultar no acúmulo desses agentes). No entanto, os inibidores diretos do fator Xa não parecem causar hepatotoxicidade. Em um estudo de coorte envolvendo 51.887 pacientes que receberam um DOAC (3778 dos quais 7% tiveram doença hepática prévia), não houve aumento do risco de lesão hepática grave.
Quando o assunto é a eficácia, convém dizer que os dados são limitados sobre a eficácia e a toxicidade desses agentes em indivíduos obesos. Em geral, com base em uma revisão de 2016 da literatura disponível, a Sociedade Internacional de Hemostasia e Trombose recomenda evitar esses agentes em indivíduos com índice de massa corporal (IMC)> 40 kg / m 2 ou peso ≥120 kg, mas recomenda o uso desses agentes na dose padrão para pacientes com IMC ≤40 kg / m 2. Por outro lado, uma revisão de 2017 específica para rivaroxabana concluiu que poderia ser administrada a indivíduos com um IMC> 40 kg / m2 sem a necessidade de ajuste da dose, embora os dados do estudo sejam limitados. Sendo assim, é nítida a necessidade do julgamento clínico caso a caso.
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Hermes Dagoberto
A casa é sua, Hermes Molinari!