Estudamos fisiologia logo nos primeiros períodos da faculdade e umas das disciplinas mais temidas é a de Fisiologia do Sistema de Coagulação. A temida cascata de coagulação! Será que é um tema tão difícil? Ou não estudamos direito pela nossa ingenuidade de principiantes? O tema não é tão complexo assim e vamos explicar aqui para vocês.
O que é hemostasia?
Hemostasia é um processo de fenômenos biológicos que ocorrem em sequência como resposta imediata a uma lesão, interrompendo o que poderia se tornar uma hemorragia. Esse processo inclui três etapas: hemostasia primária, hemostasia secundária (coagulação) e fibrinólise. Todas essas etapas devem ocorrer em equilíbrio para que não haja sangramento em excesso, nem obstrução do fluxo sanguíneo.
Hemostasia Primária
É a etapa inicial; ocorre imediatamente após a lesão vascular. Ocorrem mecanismos de vasoconstrição, alteração da permeabilidade vascular (isso provoca edema, funcionando como um tamponamento natural do sítio de lesão), vasodilatação de vasos tributários do local lesionado e agregação plaquetária; tudo isso para que haja redução do fluxo sanguíneo no ponto de sangramento. A lesão do endotélio vascular expõe o colágeno subendotelial ao sangue, estimulando a adesão de plaquetas na presença do fator vonWillebrand (FVW). A presença desse fator ‘ativa’ as plaquetas, que formam um tampão. Produz-se uma superfície resistente que dará suporte ao restante do processo de coagulação.
Hemostasia Secundária
Esse processo consiste na transformação do fibrinogênio – uma proteína solúvel – em fibrina – insolúvel. Isso devido à ação de uma enzima chamada trombina. A fibrina forma uma rede que sustenta o tampão plaquetário, transformando em um tampão hemostático.
Nessa etapa os fatores de coagulação (enzimas e pró enzimas) são ativados pelo endotélio lesionado e culminam na formação de trombina. A conhecida ‘cascata de coagulação’ foi descrita pela primeira vez em 1964; a descrição clássica mostra que um fator ativa o outro até a formação da trombina. Os fatores de coagulação são descritos em número (na ordem em que foram descobertos e não na sequência em que agem na coagulação) e são divididos em vias: intrínseca, extrínseca e comum; a via final comum é representada pela ativação do fator X. Quando ativado (Xa), faz a transformação de protrombina em trombina. Isto leva a conversão de fibrinogênio em fibrina e a estabilização da rede de fibrina, pela ação do fator XIIIa.
Via Intrínseca
Essa via é iniciada com a ativação do fator XII pelo contato com o colágeno subendotelial, além da ativação do fator XI, pré-calicreína e cininogênio de alto peso molecular; o fator XI e a pré-calicreína precisam do cininogênio para se aderir à superfície onde está o fator XIIa. O fator XI, por sua vez, ativa o fator IX; o fator IXa e o fator VIIa se unem a superfície de fosfolipídeos celular e formam uma ‘ponte de cálcio’ que ativa o fator X (aquele da via comum). A trombina também pode ativar o fator XI.
Via Extrínseca
Nessa via do processo, a coagulação é desencadeada pela liberação de fator tecidual – ou tromboplastina tecidual. Junto com o fator VII, forma um complexo de íons cálcio; esse complexo, por sua vez, age ativando o fator X e também pode ativar o fator IX da via intrínseca.
Modelo Celular
Após a detecção de algumas falhas in vivo da cascata de coagulação, foi proposto mais recentemente o modelo celular de coagulação. Ele divide os processos em: iniciação, amplificação e propagação.
A iniciação compreende o momento em que o fluxo de sangue fica exposto a células que produzem fator tecidual, expressado após lesão e exposição subendotelial ou ativação de citocinas em processos inflamatórios; o fator VII, combinado ao fator tecidual, é ativado e forma um complexo que, por sua vez, ativa os fatores IX e X. O fator Xa ativa o fator V e permite a conversão de protrombina em trombina – em pequena quantidade.
Na fase de amplificação, a adesão plaquetária é coordenada pelo receptor de colágeno plaquetário-específico (glicoproteína Ia/IIa) e o fator de vonWillebrand; a pequena quantidade de trombina formada na fase de iniciação amplifica o processo, promovendo mais adesão plaquetária e ativação dos fatores V, VIII e XI. As plaquetas ativadas liberam fator V parcialmente ativado, que se torna fator Va pela ação da trombina ou do fator Xa. Ao final do processo de amplificação, as plaquetas ativadas possuem na sua superfície fatores Va, VIIIa e IXa.
A fase de propagação ocorre pela formação de complexos nas superfícies das plaquetas ativadas; o complexo fator VIIIa/IXa ativa o fator X que, junto com o fator Va, intensifica a produção de trombina. O fator XII não faz parte do modelo celular pois alguns estudos mostram que ele tem papel na fisiopatologia e alterações da coagulação e não na hemostasia.
Fibrinólise
Uma vez iniciada a formação do trombo é preciso que haja mecanismos de equilíbrio para que não ocorra formação desenfreada e, assim, obstrução do fluxo de sangue. Todo o sistema de coagulação é regulado por anticoagulantes específicos: inibidor da via do fator tecidual, proteína C, proteína S e antitrombina III. A plasmina, derivada do plasminogênio, quebra a rede de fibrina e também pode agir sobre o fibrinogênio; a antiplasmina se combina com o excesso de plasmina produzida e, assim, também impede que o processo de fibrinólise se torne exagerado.
Resumindo
Os processos de coagulação e fibrinólise se complementam e formam um equilíbrio dinâmico. Ocorrem de forma simultânea para garantir a homeostasia. Entender os processos envolvidos é essencial para compreender as alterações laboratoriais e os distúrbios de coagulação. Não é tão difícil quanto parece quando estudamos com calma. Fisiologia é essencial!