Desde o 1º período da faculdade de Medicina, você se depara com o laboratório de microscopia, seja na disciplina de histologia, onde todos os tecidos do nosso organismo podem ser observados no microscópio, sendo possível observar as células e como o tecido é estruturado, ou na disciplina de microbiologia, na qual estudamos diversos microrganismos e os observamos como bactérias, por exemplo. Mais a frente, você entra na patologia e novamente observa essas imagens histológicas microscópicas, com alterações patológicas, porém a coloração se faz da mesma forma. Mas para que tudo isso seja possível, as lâminas para observação precisam ser preparadas, passando por várias etapas, e uma dessas etapas é a coloração. Ou seja, esses tecidos e microrganismos são corados para que consigamos vê-los na microscopia óptica.
As colorações nem sempre são as mesmas, pois temos colorações que facilitam a observação de determinado tecido ou determinado microrganismo.

Hematoxilina – Eosina, H&E ou HE
Uma dessas colorações, muito conhecida por sinal, é a coloração de hematoxilina-eosina (HE), você já deve ter ouvido falar. Essa coloração é muito utilizada na histologia para corar diversos tecidos do nosso organismo. Provavelmente foi a primeira coloração que você viu. “Mas como é realizada, e por que recebe tal nome?”. Isso é de grande importância para entender o que significa cada cor presente na lâmina. A hematoxilina é um corante básico, que tem atração a substâncias ácidas (lembra que os opostos se atraem). Essas substâncias ácidas, portanto, são coradas pela hematoxilina, e recebem o nome de basófilas (que fixam corantes básicos, pois “gostam” de básicos). Mas nem tudo é ácido nas células e tecidos. A eosina, ao contrário da hematoxilina, tem caráter ácido, e sendo assim atrai substâncias básicas, conhecidas como acidófilas (que fixam corantes ácidos).
“Já entendi quem cora as substâncias ácidas e as básicas, mas e aí? Como eu vou saber isso apenas olhando uma lâmina?”. É simples, a hematoxilina é um corante de cor azul-púrpura, ou seja, o que você observar na lâmina que tenha essa cor, você já sabe que é uma substância de caráter ácido, sendo, portanto basófila, pois foi atraída pela hematoxilina. E a eosina é um corante vermelho. Sendo assim, tudo aquilo que você observar na lâmina que seja dessa cor, é uma substância básica, e que foi atraída pela eosina que é ácida, sendo então uma substância acidófila.
Resumindo:
Corante | Substância corada | Característica por Afinidade | Coloração |
Hematoxilina (básica) | Ácida | Basófila | Azul-púrpura |
Eosina (ácida) | Básica | Acidófila | Vermelho |
Exemplificando:
Quando observamos por microscopia uma célula, seu núcleo se apresenta na coloração azul-púrpura, ou seja, é basófilo. Isso porque o núcleo de uma célula é rico em DNA (Ácido desoxirribonucleico), ou seja, é ácido, e, portanto, é atraído pele hematoxilina (um corante básico).
Já o citoplasma da célula possui um caráter mais básico e é, portanto, corado em tonalidades de vermelho pela eosina. Algumas regiões do citoplasma podem se apresentar azuladas, pois, em algumas regiões há RNA (Ácido ribonucleico), que é corado pela hematoxilina.

Essa coloração é a mais utilizada em histologia e patologia, mas não é a única, pois nem todas as estruturas podem ser observadas pela HE.
Coloração em prata
Alguns tecidos não são corados pela Hematoxilina – Eosina, como é o caso de fibras reticulares.
As fibras reticulares são formadas por colágeno do tipo III, e ricas em glicoproteínas e proteoglicanos, que formam as redes. Estão presentes em órgãos como fígado, medula óssea, baço, linfonodos, entre outros, e formam um arcabouço, uma rede de sustentação. E é assim que elas são vistas no microscópio.
Para observar essas fibras em microscopia óptica, algumas técnicas específicas podem ser utilizadas, como a coloração ou impregnação em prata.
Essas fibras possuem a peculiaridade da argirofilia. Calma, já vou dizer o que significa isso. Argirofilia é uma palavra que deriva do grego, e quer dizer àrgyros (= prata) e philia (= amor, amigo), ou seja, substâncias que são identificadas pela prata por terem afinidade pela mesma.
Ao observar a lâmina impregnada pela prata, essas fibras apresentam-se enegrecidas.

Tricômico de Masson
Como o nome sugere, tricômico, utiliza-se três cores, que irão diferenciar diferentes estruturas. Mas o principal destaque dessa técnica são as fibras de colágeno do tipo I, facilitando a sua observação. Nessa técnica, as fibras colágenas assumem a coloração verde.
Além disso, permitem observar o núcleo e o citoplasma das células muito bem.
Coloração Gram
Na microbiologia, você já deve ter ouvido sobre a coloração de GRAM, utilizada para corar lâminas com determinadas bactérias. Uma técnica antiga, e amplamente utilizada até os dias atuais.
Se justifica pela composição da parede bacteriana. É isso mesmo, a composição da parede das bactérias define a coloração em Gram, e são separadas então em dois grandes grupos bacterianos: GRAM + (positivas) e GRAM – (negativas). “Mas por que fazer uma coloração se elas já são diferentes pela parede?” Apesar da parede ter diferenças importantes na composição e na espessura, não conseguimos observar esses detalhes na microscopia óptica, e foi por isso que Gram desenvolveu a técnica que cora esses dois grupos bacterianos, de colorações diferentes, de acordo com sua parede, assim podemos diferenciá-las pela cor apresentada na lâmina.
Uma bactéria conhecida como GRAM + (positiva) é uma bactéria que possui várias camadas de peptideoglicano, formando uma parede espessa, mas não possuem membrana externa.
Já as bactérias conhecidas por serem GRAM – (negativas), possuem uma fina camada de peptideoglicano, mas possuem membrana externa (composta principalmente por LPS – Lipopolissacarídeo).
Até agora falei da composição da parede, mas como já disse, isso não é visto pelo microscópio óptico. Vamos falar então, daquilo que dá pra ver, que é a cor.
A técnica é realizada utilizando:
- Primeiro, coloca-se o material a ser avaliado na lâmina.
- Cristal Violeta (violeta de genciana): aplica o cristal, que leva a uma coloração bem roxa.
- Lava-se com água
- Lugol (um mordente para fixar o corante violeta)
- Lava com água
- Descoloração com álcool
- Fucsina (corante avermelhado)
- Lava a lâmina com água
- Seca a lâmina, e então observa no microscópio
Agora vamos entender o que acontece nessas etapas.
As bactérias GRAM positivas são bactérias com parede espessa. Ao colocar o corante violeta, a sua parede absorve muito essa violeta, assumindo a coloração roxa. Quando chega na etapa de descoloração com álcool, elas não são descoradas, pois sua parede possui várias camadas e a violeta de genciana se fixou fortemente ali. E ao adicionar a fucsina, essa parede também não absorve a fucsina, pois já possui seu corante de violeta. Por isso, as bactérias GRAM positivas possuem coloração roxa.
Exemplos de Gêneros de Bactérias GRAM positivas: Staphylococcus, Enterococcus, Streptococcus

Já as bactérias GRAM negativas, por sua vez, são bactérias com parede delgada. Quando adiciona a violeta, elas se coram, porém, ao lavar, essa violeta começa a ser removida. E, na descoloração com álcool, a remoção do corante violeta se conclui, pois, a parede é muito fina, e quase não absorveu o corante. Com isso, essas bactérias tornam-se novamente descoradas, o que impossibilitaria visualizá-las no microscópio. Então, adiciona-se a fucsina, e como essas bactérias estão descoradas, elas absorvem a fucsina, e passam a apresentar a coloração avermelhada.
Exemplos de Bactérias GRAM negativas: Escherichia coli, Helicobacter pylori, Salmonella, Shigella.

E assim, você consegue identificar a qual grupo essa bactéria pertence, de acordo com sua coloração.
Bactéria | Parede | Cor |
GRAM positiva | Espessa | Roxa |
GRAM negativa | Delgada | Vermelha |
Mas nem todas as bactérias são bem coradas pelo método de GRAM, e portanto, existem outros métodos, como veremos a seguir.
Coloração de Ziehl – Neelsen (ZN)
Algumas bactérias não são bem coradas pelo método de GRAM, e portanto outros métodos são utilizados, como a técnica de Ziehl – Neelsen. Algumas importantes bactérias, são coradas por essa técnica como as bactérias do gênero Mycobacterium, da tuberculose e da lepra, por exemplo.
Essas bactérias são álcool – ácido resistentes (BAAR), e sendo assim, resistente àquela etapa de descoloração do método de GRAM. Essa característica se deve também a composição da parede dessas micobactérias, que possuem ácidos micólicos (lipídeos).
A técnica é realizada da seguinte maneira:
- Aplicação do material a ser analisado, por exemplo uma amostra de escarro.
- Adicionar fucsina na lâmina
- Aquecer a lâmina até a emissão de vapores (não deixando ferver)
- Aguardar cerca de 7 minutos
- Lavar com água
- Cobrir a lâmina com álcool – ácido até descorar o esfregaço
- Lavar com água
- Cobrir a lâmina com azul de metileno
- Lavar com água
- Secar e observar ao microscópio
E qual o sentido de tudo isso? É simples. Ao aquecer a lâmina contendo a fucsina, os lipídeos são derretidos pela ação do calor. Com isso, a fucsina penetra em todas as bactérias. Ao descorar com álcool – ácido, todas as bactérias são descoradas, exceto as bactérias álcool – ácido resistentes. Ou seja, essas bactérias estarão na cor vermelha, pois foram coradas com a fucsina. Já as demais bactérias, que foram decoradas, estão sem coloração nenhuma. Então, quando adiciona o azul de metileno, elas assumem tal coloração.
Resumindo:
Parede Bacteriana | Cor |
Álcool – ácido resistente (BAAR) | Vermelha |
Álcool – ácido não resistente | Azul |

Coloração de Giemsa
Uma outra coloração muito utilizada, e que não eu não poderia deixar de falar, é a coloração de Giemsa. Muito utilizada para corar lâminas de sangue periférico ou da medula óssea.
Por meio dessa coloração, podemos observar as células sanguíneas (plaquetas, eritrócitos e leucócitos). Também utilizada para visualizar protozoários do gênero Plasmodium (o causador da malária).
Quando observamos uma lâmina de sangue periférico, corada por Giemsa, temos as células sanguíneas em diferentes aspectos e colorações, podendo, então, diferenciá-las.
As plaquetas apresentam-se numa coloração próxima do azul.

Já as hemácias/eritrócitossão visualizados na cor rósea (com palidez central – o centro se apresenta mais claro).

Os leucócitos, que são muitos, podem ser diferenciados em microscopia óptica, quando corados por Giemsa.
Os linfócitos apresentam o citoplasma azul e o núcleo azul-violeta (mais escuro).

Já os monócitos possuem uma peculiaridade em seu núcleo, que é o aspecto lobulado, e este apresenta-se na coloração azul violeta, enquanto o citoplasma é azul claro.
Os granulócitos, como o próprio nome diz, contém grânulos, que são vistos no citoplasma. Os granulócitos são neutrófilos, basófilos e eosinófilos. Os neutrófilos são polimorfonucleares, tendo entre 2 e 4 lóbulos, e seu núcleo é corado em azul. Seu citoplasma apresenta cor rosa pálido, e contém também grânulos, que são vistos numa coloração de tons róseos a azul claro.

Já os basófilos possuem o núcleo azul escuro, mas sua grande peculiaridade são seus grânulos, que são volumosos, corados também em azul escuro, ocupando todo o citoplasma, e podendo se sobrepor ao núcleo também.

E os eosinófilospossuem o núcleo azul, citoplasma rosa pálido, e seus grânulos são vermelhos, ao contrário dos outros granulócitos.
E além de corar as células sanguíneas, permitindo-nos observar todas essas características morfológicas, a técnica de Giemsa também cora alguns parasitas, como é o caso do Plasmodium (causador da Malária) e do Trypanosoma cruzi (agente causador da doença de Chagas), sendo então de suma importância para o diagnóstico de tais doenças.

Todas essas técnicas mostradas nesse artigo são técnicas muito utilizadas para estudo de diversas estruturas, sejam essas estruturas os tecidos que compõe o organismo, ou microrganismos. Mas não são as únicas colorações. Há uma infinidade de colorações diferentes, e específicas, que você pode se deparar ao longo do caminho, dependendo de qual seja a área estudada. Mas tenho certeza que essas colorações abordadas hoje são muito recorrentes e importantes. Sendo assim, é bom que você saiba identificá-las e entendê-las, pois, dessa forma, certamente seu estudo se tornará mais fácil e mais eficaz.
Bons estudos!!