O corpo humano é constituído majoritariamente por água. Cerca de 60% é água em nosso organismo. Um bebê, por sua vez, pode ter mais de 70% de água no organismo.
Esse líquido fica armazenado em alguns compartimentos. O compartimento que possui o maior volume é o compartimento intracelular, que possui cerca de 60% do volume total de líquidos. O segundo compartimento, com 12%, é o interstício. Depois, temos o compartimento vascular, com 4,5% do volume de água em nosso organismo, onde temos o plasma. Os ossos armazenam também o mesmo valor, 4,5% de água. E, por último, o compartimento transcelular, que inclui o líquido presente nos espaços sinovial, peritoneal, pericárdico, intraocular e líquido cefalorraquidiano (LCR), com cerca de 1,5%. Claro que todos esses volumes são aproximados e podem mudar em algumas condições clínicas, como desidratação, derrame pleural, pericardite e edemas intersticiais. Este último vamos falar mais daqui a pouco. =D
Em meio ao líquido, há substâncias importantes, que são os solutos. Temos, então, a osmolaridade, que é a concentração de solutos em um meio aquoso. A água se desloca em direção aos locais onde a concentração de soluto esteja maior, para garantir, assim, o equilíbrio, buscando sempre uma solução isotônica, em que a concentração de solutos no meio intracelular e no meio extracelular seja igual. Quando ocorrem alterações da osmolaridade, quadros patológicos podem vir a ocorrer. Se temos uma solução hipotônica, ou seja, redução da concentração de solutos, pode haver a geração de edemas. Já quando temos uma solução hipertônica, onde há aumento da concentração de solutos, pode ocorrer desidratação, pois a água vai em direção a esse local hipertônico. Por exemplo, se o meio extracelular está hipertônico em relação ao meio intracelular, a água intracelular vai se deslocar para o meio extracelular, na tentativa de equilibrar as concentrações dos meios, e isso pode acarretar em desidratação celular.
E, sendo esses solutos tão importantes, precisamos falar sobre eles. Os principais solutos em nosso organismo, de acordo com o compartimento, são: Na (sódio). É o soluto mais importante no meio extracelular, onde sua concentração é cerca de 142 mEq/L. Já no meio intracelular, o soluto que “domina” é o K (potássio), atingindo uma concentração de cerca de 150 mEq/L. E, já no compartimento vascular, temos uma proteína muito importante que é albumina, produzida pelos hepatócitos, e que desempenha papel fundamental na manutenção do volume vascular.
O que são as forças de Starling?
As forças de Starling, ou Equação de Starling, foi formulada em 1896, e o que ela mostra é que, em situações fisiológicas, há um equilíbrio entre a filtração (depende da pressão hidrostática) e a reabsorção (que depende da pressão oncótica).
Não precisa se assustar com o tamanho da fórmula, pois não é difícil entender. Você vai ver!
Na fórmula, diversas são as variáveis que interferem:
- Pressão Hidrostática Capilar (Pc)
- Pressão hidrostática intersticial (Pi)
- Coeficiente de reflexão, (R), um valor que é índice da eficácia da parede capilar, para impedir a passagem de proteínas, e que, em condições normais, se admite que é igual a 1, o que significa que é totalmente impermeável às mesmas e em situações patológicas inferior a 1, até alcançar o valor 0, quando pode ser atravessado por elas sem dificuldade.
- Pressão oncótica capilar (πc)
- Pressão oncótica intersticial (πi)
- Coeficiente de filtração (Kf). Expressa a permeabilidade da parede capilar para os líquidos
A filtração é um processo que ocorre pela pressão exercida no capilar, que é a pressão hidrostática capilar. O normal é que sejam filtrados 10ml a cada minuto.
Já a reabsorção ocorre por influência da pressão coloidosmótica ou pressão oncótica. A principal proteína que exerce essa função é a albumina. Sendo um soluto, ela “puxa” o líquido que foi filtrado para o vaso novamente. Assim, cerca de 9ml são reabsorvidos a cada minuto.
E você pode estar se perguntando: “E o 1 ml que está sobrando? Onde fica?”. Esse 1ml, que é filtrado a cada minuto e não é reabsorvido, é captado pelos vasos linfáticos.
E assim percebemos que, o fisiológico é que, ao fim do processo, não sobre líquido no interstício.
Mas sempre vai acontecer o que é esperado? O que é fisiológico? A resposta é “não!”. Diversas são as alterações, patologias, que podem alterar todo o processo. Diversos são os mecanismos envolvidos, como veremos a seguir.
Mecanismos envolvidos na formação de edemas
Aumento da permeabilidade vascular
Em processos inflamatórios, algumas substâncias são liberadas, os mediadores pró-inflamatórios. Eles promovem vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular (ocorre contração das células endoteliais, aumentando o espaço entre elas). Esse aumento da permeabilidade permite a passagem de macromoléculas, saindo do espaço vascular em direção ao interstício. Com isso, há passagem de células, como os leucócitos, e proteínas, como a albumina. E forma-se, então, o exsudato, que é um tipo de líquido do edema, com alta densidade, devido à alta concentração de proteínas e concentração celular.
Aumento da pressão Hidrostática Capilar
O aumento da pressão hidrostática provoca um aumento do tempo de filtração e reduz o tempo de reabsorção. Com isso, uma maior quantidade de liquido vai para o interstício, enquanto uma quantidade menor é reabsorvida de volta ao vaso. Isso faz com que líquidos se acumulem no interstício, sendo uma causa para a ocorrência de edema.
O líquido, que fica retido no interstício, é um líquido de baixa densidade, pobre em células e proteínas, e rico em água. Esse líquido é chamado de transudato.
Diversas são as causas que levam ao aumento da pressão hidrostática, e podemos citar: obstáculos ao fluxo venoso (em casos de trombose, embolia, compressão venosa por abcessos, tumores, granulomas, cirrose hepática devido à fibrose, útero gravídico, e insuficiência cardíaca congestiva); bombeamento venoso insuficiente (por paralisia muscular, imobilização de parte do corpo, e insuficiência das válvulas venosas).
Redução da pressão coloidosmótica
A redução da quantidade de soluto no vaso, no caso, a albumina, faz com que haja redução da atração do líquido para o vaso. Com isso, há uma menor reabsorção. E o resultado é maior volume de líquidos no interstício.
A redução da pressão oncótica tende a formar transudato.
As principais causas são hipoproteinemias, devido ao aumento das perdas, como ocorre na síndrome nefrótica, onde há uma grande perda de albumina na urina (albuminúria). A perda proteica pode ser resultado também de grandes queimaduras, ou ferimentos.
Além das perdas, um outro fator que pode levar à redução da pressão coloidosmótica é a insuficiência na síntese proteica. Essa insuficiência ocorre, principalmente, em quadros de doença hepática, como a cirrose hepática, onde há lesão e morte de muitos hepatócitos. A insuficiência hepática pode ocorrer dependendo do grau de lesão. Outra causa para o fígado não conseguir produzir adequadamente as proteínas são os casos de desnutrição proteico ou calórica grave, pois falta substrato para a produção, falta energia. No hipotireoidismo, também pode ocorrer, pois o organismo passa a ter um metabolismo reduzido, e, consequentemente, a produção proteica também reduz.
Redução da Drenagem Linfática
Como disse anteriormente, os vasos linfáticos captam 1ml/min. Se ocorrer uma alteração na drenagem linfática, esse 1ml não será captado, permanecendo no interstício e causando edema.
Algumas condições provocam redução da drenagem linfática, e, assim, contribuem para formação de transudato, gerando o edema. Por exemplo, as neoplasias ou um esvaziamento ganglionar cirúrgico, em que há a retirada de cadeias linfática, reduzindo, assim, a drenagem linfática.
Algumas infecções, especialmente por filárias, como acontece na Filariose, em que as filárias da espécie Wuchereria bancrofti obstruem os vasos linfáticos.
E pode ser uma causa, também, relacionada presença de granulomas ou abcessos que comprimam os vasos linfáticos, dificultando, assim, sua função de drenagem.
Retenção de Sódio (Na)
A retenção de sódio é um fator importante para o edema. O sódio é o soluto predominante no meio extracelular. Se ocorre retenção de sódio, o mesmo tende a atrair água, e, assim, retém água. Essa água acumulada favorece a formação de edema.
Características macroscópicas do edema
Macroscopicamente, podemos observar algumas alterações decorrentes do edema, que varia de acordo com o local onde o edema está ocorrendo.
Quando ocorre no tecido subcutâneo, em quadros mais avançados, é possível observar o Sinal de Cacifo, onde, ao realizar uma compressão digital no local, o retorno da depressão gerada pela compressão é lento.
Já quando é um edema visceral, ao observar a víscera, percebe-se que há aumento do volume e do peso. Há também redução da consistência, aspecto liso e brilhante e palidez (devido à compressão vascular).
Consequências do Edema
As consequências decorrentes do edema variam de acordo com o local em que ele se instala.
Um hidrotórax (água no tórax), como por exemplo um edema pulmonar, dificultam a circulação do ar e pode levar à asfixia.
Já um hidropericárdio (água no saco pericárdico), por sua vez, pode levar ao tamponamento cardíaco, que é uma compressão do coração, dificultando o enchimento cardíaco, fase diastólica. E, uma vez que o coração não enche corretamente, o bombeamento do sangue também fica prejudicado.
Um edema cerebral, se for agudo e intenso, pode trazer sérias complicações, como hipertensão craniana, e pode provocar herniação da tonsila cerebelar pelo forame magno.
E o edema de tecido subcutâneo, apesar de ser desconfortável, ao contrário dos anteriores, não apresenta risco à vida.