Norepinefrina, adrenalina, dobutamina, vasopressina… É praticamente impossível entrar em uma unidade de terapia intensiva e não ver alguma (ou algumas) dessas drogas vasoativas (DVAs) sendo administrada nas bombas de infusão contínua.
São as DVAs, fármacos importantíssimos no manejo do paciente intensivo.
Em geral, drogas vasoativas são medicamentos que:
- apresentam efeitos vasculares (vasopressores) e/ou cardíacos (inotrópicos);
- com início de ação rápido e dose-dependente.
Ou seja, drogas vasoativas são usadas quando precisamos induzir alterações hemodinâmicas intensas e rápidas em um paciente.
Isso acontece, por exemplo, quando um Staphylococcus aureus resistente à meticilina infecta o pulmão de um sujeito cujo organismo reage de forma demasiada intensa à infecção, gerando uma resposta inflamatória exacerbada, com consequências terríveis e potencialmente letais, inclusive no sistema cardiovascular. É o choque séptico, uma das principais causas de mortalidade intra-hospitalar no mundo. E você só consegue salvar um paciente nessas condições se souber usar corretamente antibióticos, fluidos cristaloides e, claro, drogas vasoativas.
Os três princípios das drogas vasoativas
Para entender melhor como as drogas vasoativas agem depois que elas passam do equipo da bomba de infusão para a veia (central) do paciente, é importante ter três princípios em mente:
1. Uma droga, vários receptores: cada droga vasoativa ativa não um, mas vários receptores, em diferentes intensidades. Isso significa que a resposta fisiológica a cada droga não é linear, pois depende da interação de diversos receptores com efeitos distintos. A norepinefrina, por exemplo, age tanto em receptores adrenérgicos alfa-1 como em receptores adrenérgicos beta-1.
2. Resposta dose-dependente: uma mesma droga pode ter efeitos diferentes (e até contrários!) em diferentes doses. Isso acontece em parte porque uma mesma droga pode ativar receptores diferentes em concentrações diferentes. A dopamina, por exemplo, ativa principalmente receptores beta-1 em doses baixas, mas em doses mais altas o agonismo de receptores alfa se torna mais importante.
3. Efeitos diretos e efeitos reflexos: os efeitos de cada droga vasoativa não se limitam às respostas fisiológicas diretas que a ativação de cada receptor causa, mas também às respostas reflexas a essas mudanças. Por exemplo, o aumento do débito cardíaco causado pela dopamina leva a vasodilatação periférica reflexa; no fim, isso pode resultar em uma pressão arterial média mais alta ou mais baixa que o valor de base.
Os receptores adrenérgicos das drogas vasoativas
A mágica das drogas vasoativas acontece principalmente (mas não só) por meio da ativação dos receptores adrenérgicos (alfas e betas). Cada droga ativa cada receptor em intensidades diferentes, gerando efeitos (desejados ou não) diferentes. Assim, cada situação clínica e cada paciente exigem uma abordagem específica para aquele caso específico.
Receptores alfa-1
No contexto das drogas vasoativas, a principal função dos receptores adrenérgicos alfa-1 é a vasoconstrição periférica. Isso acontece na pele, nas mucosas e até no trato gastrointestinal. Com a vasoconstrição, a resistência vascular periférica aumenta, aumentando a pressão arterial.
Nos olhos, eles causam midríase. Nos esfíncteres anal e vesical, causam sua contração. Na pele, causa piloereção. Em geral, efeitos ligados àquele “estado de luta ou fuga”.
Receptores alfa-2
A ativação de receptores adrenérgicos alfa-2 também causa vasoconstrição, especialmente nas artérias coronárias e em leitos venosos. Apesar disso, seu efeito mais notável clinicamente é a vasodilatação periférica, resultando em hipotensão.
No sistema nervoso central, o agonismo de receptores alfa-2 causa analgesia e sedação. Na terapia intensiva, a clonidina (agonista alfa-2) é comumente usada pelos seus efeitos hipotensores, com a vantagem extra de contribuir na sedação do paciente.
Receptores beta-1
Já os receptores adrenérgicos beta-1 fazem seu show no coração, mais especificamente no miocárdio. São inotrópicos positivos, ou seja, aumentam a força contrátil do músculo cardíaco. Como se não bastasse, também são cronotrópicos positivos, ou seja, aumentam a frequência cardíaca. Isso resulta no aumento do débito cardíaco, e consequente aumento da pressão arterial.
Receptores beta-1 também estão no aparelho justaglomerular nos rins, onde estimulam a secreção de renina e a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, causando vasoconstrição periférica e retenção de água e cloreto de sódio.
Com a vasoconstrição, aumenta a resistência periférica e a pressão arterial sobe. Com menos sal e água sendo excretados na urina, o volume intravascular aumenta, ajudando também a manter a pressão arterial elevada.
Receptores beta-2
Receptores beta-2, ao contrário dos receptores alfa-1, causam vasodilatação. Em geral, a vasodilatação periférica diminui a resistência vascular periférica e a pressão arterial. Nos pulmões, sua ativação relaxa a musculatura brônquica, levando à broncodilatação.
Interessantemente, a ativação de receptores beta-2 em terminais pré-sinápticos estimula a liberação endógena de noradrenalina, que é um dos principais fármacos vasoativos da nossa prática clínica.
As principais drogas vasoativas
Noradrenalina
A noradrenalina (norepinefrina) é provavelmente a droga vasoativa que você mais comumente usa na prática clínica. Não seria por menos: ela é o fármaco vasopressor de escolha na sepse, uma das principais causas de choque hemodinâmico na medicina.
Seus efeitos se dão primariamente pelo agonismo dos receptores adrenérgicos alfa-1 e beta-1, levando a importante vasoconstrição periférica e, de forma menos importante, aumento da contratilidade miocárdica. O aumento da pressão arterial gera alguma bradicardia reflexa, de forma que no final a frequência cardíaca se mantém, ou até mesmo diminui um pouco, apesar do cronotropismo positivo dos receptores beta-1.
Adrenalina
A sogra da nora-drenalina (desculpa), também conhecida como epinefrina, é uma agonista implacável dos receptores beta-1 (inotropismo e cronotropismo positivos), mas também se dá bem com os receptores alfa-1 (vasoconstrição periférica) e beta-2 (liberação endógena de noradrenalina).
Em doses menores, os efeitos vasopressores via receptor alfa-1 são “cancelados” pela vasodilatação via receptor beta-2, mas a adrenalina ainda aumenta o débito cardíaco por meio dos receptores beta-1. O resultado final é um débito cardíaco aumentado, com uma resistência vascular periférica diminuída, levando a uma pressão arterial que pode estar acima ou abaixo do valor de base.
Já em doses mais altas, os efeitos alfa-1 predominam, causando vasoconstrição e aumento da resistência vascular periférica, além do aumento do débito cardíaco. Isso resulta em uma pressão arterial mais elevada.
A adrenalina é a droga de escolha na anafilaxia, e é comumente a droga vasoativa de segunda linha no choque séptico (depois da noradrenalina).
Dopamina
Popularmente mais famosa pelos seus efeitos no sistema nervoso central do que cardiovasculares, a dopamina é uma droga vasoativa cujos efeitos variam seriamente em função da dose utilizada.
Em doses baixas, a dopamina estimula receptores dopaminérgicos D1 em vasos sanguíneos no cérebro e nos rins, causando vasodilatação nesses sítios. Nessas doses, a dopamina parece aumentar o débito urinário e induzir natriurese.
Em doses médias, a dopamina passa a estimular mais receptores adrenérgicos beta-1, aumentando o débito cardíaco através do aumento do volume sistólico (com efeitos variáveis sobre a frequência cardíaca). Nessas doses, a dopamina ainda ativa receptores alfa-1, gerando aumento da resistência vascular periférica, resultando em um ligeiro aumento na pressão arterial.
Já em doses mais altas, o principal efeito da dopamina é alfa-adrenérgico, com vasoconstrição periférica, aumento da resistência vascular periférica e aumento da pressão arterial.
Dobutamina
A ação vasoativa da dobutamina é mais inotrópica do que vasopressora. No coração, ela ativa receptores adrenérgicos beta-1, aumentando seu inotropismo e cronotropismo, enquanto na periferia, ela causa vasodilatação via receptores beta-2. O efeito final é o aumento do débito cardíaco, com diminuição da resistência vascular periférica, resultando em uma pressão arterial mantida ou levemente diminuída.
O uso mais comum da dobutamina na prática provavelmente é na insuficiência cardíaca perfil C e em choques circulatórios com componente cardiogênico.
Vasopressina
A vasopressina, também chamada de hormônio antidiurético, é mais famosa pelo seu papel fisiopatológico na hiponatremia induzida por MDMA e seu uso na hemorragia digestiva alta, mas ela também pode ser usada em choques circulatórios. De fato, ela é uma droga de segunda linha no choque séptico refratário à noradrenalina e na anafilaxia refratária à adrenalina.
Lembrete final
As drogas vasoativas são salvadoras de vidas, quando bem indicadas. Como falamos lá em cima, seus efeitos são imediatos e poderosos, e focados em um dos sistemas mais nobres do corpo humano: o cardiovascular. Como diria a sabedoria popular, grandes poderes trazem grandes responsabilidades: o poder das drogas vasoativas de causar bem anda lado a lado com seu potencial de causar mal.
Por isso, é sempre bom lembrar: primum non nocere.