Baseado no direito do paciente, na autonomia do mesmo, o testamento vital nada mais é do que um registro do desejo do paciente, realizado quando este ainda apresenta sua autonomia preservada, quanto às suas decisões sobre os próprios cuidados e tipos de tratamentos em fim de vida. Além disso, as diretivas antecipadas de vontade também podem servir como caráter de procuração, possibilitando que o paciente escolha um representante a fim de tomar decisões sobre os tratamentos a que será submetido quando não possuir mais capacidade de fazer suas próprias escolhas. Isso tudo facilita o trabalho da equipe de saúde, além de torná-lo mais embasado e ético.
Nas últimas décadas, vem ocorrendo um movimento cada vez maior de conscientização dos cuidados prestados ao paciente em final de vida. Há o entendimento de que o não conhecimento das vontades prévias do paciente acarreta um pior cuidado do mesmo.
E isso tem embasamento ético? Bom, no Brasil, o respaldo pelo Conselho Federal de Medicina se tornou presente em 2012. No entanto, esse processo já vem ocorrendo em outros países, como Reino Unido, Austrália e EUA, há muito tempo.
Para a evolução e confiabilidade nessa prática, faz-se obrigatório os esclarecimentos, por parte do médico, com todas as informações necessárias, dos procedimentos terapêuticos e/ou diagnósticos, com suas indicações, contraindicações, riscos e benefícios.
O testamento vital é um documento no qual o paciente poderia se antecipar, determinando quais tipos de tratamento e intervenções médicas aceitaria ou recusaria no momento de uma fragilidade maior de sua saúde, no qual estivesse impossibilitado de manifestar sua vontade.
CONSEGUIMOS EXEMPLOS DE PROCEDIMENTOS QUE O PACIENTE PODERIA SE NEGAR A ACEITAR?
Bom, o paciente tem o direito de negar qualquer procedimento que faça referência à sua própria vida como, por exemplo, qualquer intervenção invasiva ou dolorosa, transferência para unidades fechadas de tratamento (exemplo: UTI), procedimentos cirúrgicos, reanimação cardiopulmonar.
E QUAIS SÃO OS ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS DISSO TUDO?
A Resolução n. 1.995 do CFM, de agosto de 2012, regulamenta e oferece suporte ético para o cumprimento das vontades do paciente no que diz respeito às limitações terapêuticas e investigativas na fase final de vida. Resumidamente, a Resolução trata de afirmar que o médico deve levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente no momento em que o mesmo se encontrar incapaz de se comunicar ou de se expressar de forma livre e independente. Essas só não devem ser levadas em consideração, caso a vontade do paciente ou de seu representante vá de encontro aos preceitos defendidos pelo Código de Ética Médica.
GUILHERME, PARA FACILITAR, VOCÊ PODERIA COLOCAR ALGUNS TÓPICOS IMPORTANTES DO TESTAMENTO VITAL?
Ok! Vamos lá:
- É facultativo. Pode ser feito apenas por indivíduos com a autonomia preservada, sendo maiores de idade (exceção: menores emancipados judicialmente);
- Pode ser modificado ou revogado em qualquer momento. O registro pode ser realizado no prontuário pelo próprio médico, sem a exigência de uma testemunha ou ser firmado em cartório;
- A vontade do paciente relatada nas diretivas prevalecerá sobre os desejos dos familiares;
- O representante não necessita ser um familiar obrigatoriamente;
- É vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
BASEADO NO “ITEM 5”, VALE A PENA DEFINIRMOS ALGUNS CONCEITOS: ORTOTANÁSIA, EUTANÁSIA, DISTANASIA E SUICÍDIO ASSISTIDO.
- Ortotanásia: renúncia ao excesso terapêutico. Defende a evolução natural da morte. É realizada através dos cuidados paliativos, baseado em evidências, buscando alívio e conforto. Não pretende antecipar nem abreviar a vida.
- Eutanásia: ação ou omissão de um cuidado necessário e eficaz com o objetivo de produzir a morte, no intuito de eliminar sofrimento. No Brasil não é uma prática legalizada, sendo interpretada como homicídio.
- Distanásia: prolongamento artificial da vida do doente, acarretando sofrimento desnecessário. Uso de toda tecnologia disponível, sem que o paciente nem equipe médica possuam reais expectativas de sucesso ou de melhorar na qualidade de vida do paciente. A prática de distanásia pode levar o médico a responder no âmbito civil e criminal por lesão corporal (Código Penal, arts. 46 e 129).
- Suicídio assistido: consiste no auxílio de um terceiro a uma pessoa que não consegue concretizar sozinha sua intenção de morrer. Por exemplo, prescrição de doses altas de medicação, ou até mesmo encorajamento do ato. No Brasil, o suicídio assistido é considerado crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (Código Penal, art. 122).
COMO VOU PODER CONSTRUIR ISSO COM MEU PACIENTE?
Para a elaboração do testamento vital, é muito importante que o profissional (médico) possua habilidades de comunicação para que todos os desejos do paciente sejam interpretados de forma clara, transmitindo suas prioridades e valores. É indicado que familiares e/ou representantes participem dessa construção, tentando tornar mais provável que os objetivos reais do paciente sejam alcançados.
Esse ainda é um assunto embrionário em nosso país, porém o planejamento das diretivas antecipadas deveria fazer parte rotineiramente das consultas.
Alguns passos podem nos ajudar no processo do testamento vital: abordar o tema corriqueiramente nas consultas de rotina pela equipe de saúde, encorajar discussões baseadas em situações hipotéticas (“E se o senhor necessitasse ser internado em UTI?”, “Vamos combinar em conjunto de que forma poderia realizar seu desejo de voltar para casa?”), registrar em prontuário e rever as diretivas periodicamente.
A TENDÊNCIA É QUE ESSE TIPO DE PROCEDIMENTO CRESÇA CADA VÊZ MAIS
Dados afirmam que mais de 25% dos idosos pode necessitar de um representante para auxiliar na tomada das decisões no cuidado do final de vida. Nos EUA, um estudo demonstrou que 30% de uma população de pessoas com mais de 80 anos precisou tomar alguma decisão antes da morte, porém não possuíam mais capacidade para realizar isso sozinhas.
Além disso, a diretiva não consiste apenas em relatar o que não se deseja, mas também pode acusar o que o paciente julga extremamente necessário para se ter uma “boa morte”. Um estudo australiano publicado em 2010 trouxe 5 desejos mais citados pelos pacientes para se atingir tal objetivo: controle dos sintomas, evitar o prolongamento do sofrimento, conforto, aliviar fardos sobre a família e fortalecer relações.
PORTANTO, APÓS ESSA BREVE DISCUSSÃO, FICA CLARO QUE AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE PODEM CONTRIBUIR MUITO PARA O PLANEJAMENTO DE UM CUIDADO PALIATIVO MAIS EFETIVO.