Estabelecer uma boa relação médico paciente pode ser considerado, em algumas situações, uma tarefa difícil. Isso pode ser atribuído à pluralidade de sintomas e à diversidade de pacientes, cada um com sua personalidade, forma de pensar e características pessoais. No entanto, independentemente da situação, todos sabemos da grande importância e do papel fundamental do estabelecimento de uma relação de confiança entre o paciente e o médico para o sucesso da terapêutica.
Nesse sentido, é especialmente importante que saibamos conduzir a consulta de forma que deixe o nosso paciente à vontade, construindo uma relação saudável e respeitosa. Obviamente tal necessidade é aplicável a todas as especialidades, mas neste artigo vamos falar de uma carreira em especial: a ginecologia. E por que a ginecologia? Simples: se mesmo em outras especialidades muitos acadêmicos e médicos possuem dificuldades para o estabelecimento de um vínculo e em como abordar determinados temas, na ginecologia (especialidade que envolve questões íntimas e até alguns tabus) essa dificuldade tende a ser ainda maior.
Sendo assim, é importante que o acadêmico e o médico tenham em mente o que deve ser abordado em uma consulta ginecológica, de qual forma e os detalhes que não devem ser esquecidos. Assim, tenho segurança para desempenhar as atividades, podemos nos sentir mais a vontade e sermos mais eficazes. Vamos começar?
A anamnese
Quando recebemos um paciente pela primeira vez, precisamos conhecê-lo. Nosso objetivo, nesse caso, vai muito além de registrar as queixas: precisamos conhecer o doente, sua história pregressa, história social e demais aspectos que sejam necessários para construirmos uma visão ampla daquela pessoa (para que consigamos enxergá-la como um todo). E qual é o instrumento usado com esse objetivo? Pergunta fácil, não é mesmo? O instrumento que o médico usa para estabelecer este primeiro contato é a anamnese.
Logicamente, o nosso objetivo ao mencionar as informações mais relevantes e que não devem ser esquecidas não é a de construir uma consulta engessada. Pelo contrário, mais importante do que seguir padrões preestabelecidos é reconhecer que pessoas diferentes devem ser abordadas de maneiras diferentes. Por outro lado, o objetivo deste artigo é servir como uma espécie de guia para organizar o pensamento e garantir que dados importantes não sejam esquecidos.
Queixa Principal
A queixa principal consiste na razão que motiva a paciente a buscar o auxílio medico. Ou seja, é o motivo que tanto interessa à paciente, pois traz geralmente um problema que ela gostaria de solucionar. No entanto, é frequente na ginecologia o atendimento de mulheres que não possuem queixas específicas, mas que buscaram atendimento para realizar exames de rastreio (como rastreio de câncer de mama e de câncer de colo), bem como pacientes que buscam atendimento para tirar dúvidas e obter esclarecimentos. Como assim dúvidas? Pois é, também é parte da função do ginecologista a orientação sobre métodos anticoncepcionais, dúvidas em relação à atividade sexual, dentre outros.
Nesse contexto, é comum que algumas dessas mulheres apresentem dificuldades para conversar sobre questões mais íntimas, embora precisem de orientação. Cabe ao médico, portanto, deixar claro que também é função dele exercer esse papel, tentando fazer isso de forma natural e deixar a paciente confortável. Afinal, a paciente precisa de sentir à vontade para abordar os temas que forem de seu interesse.
Por outro lado, quando há algum sintoma específico, o médico deve perguntar sobre o tempo de aparecimento e a evolução do quadro. Dentre os sintomas mais frequentemente referidos, podemos mencionar a dor pélvica, as alterações menstruais e as leucorreias.
História da Doença Atual (HDA)
Após a queixa principal, devemos seguir com a HDA. Assim como nas outras especialidades, a história da doença atual deve abordar, de maneira detalhada, o aparecimento dos sintomas, a evolução clínica e as condutas seguidas até o momento, os fatores associados, dentre outros. Também pode ser interessante fazer uma revisão de sistemas, especialmente sobre aqueles mais relacionados ao aparelho genital, como o aparelho urinário, gastrintestinal, osteo- ligamentar e endócrino, principalmente. Da mesma forma, investigar o funcionamento de outros sistemas pode ser fundamental para o conhecimento completo da paciente, o que deve ser individualizado e analisado caso a caso.
História Pessoal
Nesse momento, devem ser registradas algumas informações importantes, como o tipo de nascimento e dados sobre o desenvolvimento da mulher. Também é importante caracterizar os ciclos menstruais, da menarca até a presente data, no que diz respeito ao intervalo entre as menstruações, a quantidade de fluxo menstrual, os eventuais sintomas dolorosos e sintomas de tensão pré-menstrual. Adicionalmente, o número de gestações, sua evolução, a paridade, tipos de parto e abortamentos também devem ser registrados. Nesse momento, também é adequado perguntar sobre a idade do início da atividade sexual, bem como sobre o método anticoncepcional utilizado.
Nesse contexto, vale lembrar também da importância, no caso da consulta de adolescentes, de falar sobre anticoncepção, mesmo que a paciente em questão não tenha iniciado ainda a atividade sexual. É essencial também que essa jovem receba a mensagem de que o ginecologista poderá ajudá-la e orientá-la sempre que preciso, sem julgamentos morais.
História Patológica Pregressa
Esse item, muitas vezes pouco explorado nas consultas, é de extrema importância. Isso porque é aqui que algumas informações fundamentais devem ser pesquisadas, como a história de alergia medicamentosa, de doenças de base, o passado de intervenções cirúrgicas, de traumas, histórico de infecções, de doenças sexualmente transmissíveis, de transfusões sanguíneas, de uso de medicação hormonal, dentre outros. É nesse quesito que devemos questionar a paciente sobre as viroses comuns da infância e as imunizações às quais a paciente se submeteu (sendo interessante, sempre que possível deve comprovar a imunização). Além disso, merece destaque a necessidade de perguntar à paciente sobre histórico de câncer e também sobre o tabagismo, o qual, se presente, deve ser quantificado e desestimulado, por meio da conscientização sobre os seus malefícios.
História Familiar
Não podemos esquecer de colher uma história familiar detalhada, visto que as características familiares serão determinantes para a inclusão ou não das pacientes em grupos de risco para inúmeras doenças. Nesse quesito, deve ser investigado o histórico de doença cardiovascular, de hipertensão arterial, de osteoporose em parentes de primeiro grau, assim como a história familiar de diabetes mellitus e de distúrbios do metabolismo lipídico. Também é importante perguntarmos sobre o convívio com portadores de tuberculose, bem como sobre o histórico de neoplasias na família, em especial de câncer ginecológico, como a ocorrência de câncer de mama (especialmente no caso de familiares diagnosticados com a doença ainda jovens) e de câncer de ovário, por serem fatores de risco para essas doenças.
História Social
Podemos pular a história social? Claro que não!!! Precisamos ter a consciência de que informações sobre as condições sanitárias em que vive a paciente bem como as condições de trabalho em que ela se encontra são muito relevantes. Isso porque, de fato, conhecer a realidade social da paciente (além de ser um instrumento muito interessante para o estabelecimento de vínculo) ajuda a adequar o tratamento às suas possibilidades e auxilia, inclusive, na condução da maioria dos casos.
Por fim, convém mencionar que esse seria um modelo interessante de anamnese, com algumas informações básicas que não podem deixar de constar na entrevista. No entanto, ressaltamos aqui que esses aspectos deverão ser SEMPRE individualizados.
Peculiaridade: a consulta ginecológica da adolescente
A anamnese da adolescente é bastante semelhante à anamnese da mulher adulta, com algumas especificidades. No entanto, uma das grandes dificuldades encontradas pelos médicos nessa situação é para estabelecer uma boa relação médico – paciente e o vínculo necessário para a realização de uma boa avaliação no consultório. Esses e diversos outros aspectos são discutidos no artigo “A consulta ginecológica da adolescente: peculiaridades”.
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