Os sopros cardíacos (e qualquer outro sopro auscultado) nada mais são do que vibrações mais prolongadas do que as bulhas cardíacas, os cliques e os estalidos.
Além disso, mecanismos dos mais diversos estão envolvidos na origem dos sopros, que são proporcionados pelo turbilhonamento do fluxo sanguíneo, que continua em movimento.
CAUSAS FISIOPATOLÓGICAS:
Normalmente, o fluxo sanguíneo segue em um padrão linear, com as estruturas sanguíneas “caminhando” lado a lado.
Se, em algum momento, há estreitamento ou alargamento desse fluxo, ocorre choque das moléculas do sangue, em turbilhão, gerando vibrações que se propagam através de ondas, permitindo que nossos ouvidos consigam captar pela audição.
Da mesma forma, o aumento da velocidade da circulação ou o aumento do volume sanguíneo também podem provocar turbilhonamento, culminando em sopro cardíaco.
Refluxos do sangue para uma cavidade anterior também produzem sopros.
Revisando, os sopros cardíacos podem ser produzidos pelos seguintes motivos:
– Hiperfluxo sanguíneo (mesmo que através de um orifício dentro da normalidade);
– Fluxo hiperdinâmico;
– Fluxo retrógrado.
COMO CARACTERIZAMOS OS SOPROS CARDÍACOS?
Para que possamos caracterizar o sopro cardíaco, devemos levar em consideração o momento do ciclo cardíaco, a localização do sopro, se o mesmo irradia ou não, a duração, além do timbre, frequência, forma e intensidade.
. Localização em relação ao ciclo cardíaco: verificar se o sopro é sistólico, diastólico ou contínuo.
Uma dica para essa parte do exame! Não se deve palpar o pulso radial para ajudar na localização do sopro, pois até a onda de pulso atingir a artéria radial pode estar muito próximo da segunda bulha, podendo causar confusão na nossa cabeça!
A primeira bulha coincide com o pulso carotídeo!!!
O sopro só deve ser caracterizado como contínuo quando não é interrompido pela segunda bulha. O primeiro passo para se classificar e entender um sopro cardíaco é caracterizar se ele é sistólico ou diastólico.
. Topografia do sopro: onde o sopro é mais intenso. Podemos classificá-lo de acordo com os focos da ausculta cardíaca ou anatomia do precórdio. Quais são os focos mesmo, Guilherme?
São eles: mitral, tricúspide, aórtico, aórtico acessório e pulmonar.
. Irradiação: também é importante no auxílio da percepção de qual estrutura está gerando o sopro e o tipo de disfunção. Em geral, o sopro é irradiado no sentido de onde ocorre o turbilhonamento do sangue. Os locais mais típicos de irradiação são: axila esquerda, dorso, lado direito do tórax, fúrcula e pescoço.
. Duração no ciclo cardíaco: separamos a sístole e a diástole em início, meio e fim (algo mais perceptivo do que existente de fato), sendo, respectivamente, o sopro proto, meso e tele.
Exs.: se um sopro ocupa toda a sístole, ele pode ser chamado de holossistólico; caso acometa o início da diástole, chamamos de protodiastólico.
. Timbre: podem ser classificados em rudes ou suaves. Os rudes são ásperos, mais grosseiros, desarmônicos, como se “arranhassem” os ouvidos. Por outro lado, os suaves são “musicais”, mais “limpos”, mais agudos, as vezes lembrando o pio de uma gaivota.
. Frequência: separados em agudos ou graves. Os mais agudos, ou seja, os de alta frequência são escutados com a membrana do estetoscópio, enquanto os mais graves com a campânula.
A maioria dos sopros são agudos, e quanto mais agudo, mais rápido o fluxo do sangue e, nos casos das estenoses, mais grave a mesma.
. Forma: essa característica é definida pela variação ou não da intensidade do sopro, ou seja, se aquele que não varia de intensidade, podendo ser caracterizado como em platô; aquele que vai diminuindo (in decrescendo); aquele que é caracterizado como in crescendo in decrescendo.
. Intensidade: essa característica é separada do grau I ao grau VI (variando sua definição de acordo com a literatura – algumas escolas defendem a classificação do grau I ao grau IV).
– Grau I: difícil de ser auscultado;
– Grau II: facilmente auscultado, porém ainda discreto;
– Grau III: sopro mais intenso, porém sem frêmito (não precisa de manobras para se ouvir);
– Grau IV: intenso e com presença de frêmito;
– Grau V: auscultado com estetoscópio ligeiramente tocado na pele;
– Grau VI: auscultado mesmo com o estetoscópio apenas próximo à pele.
Agora que conseguimos classificar os sopros, vamos estudá-los de maneira mais detalhada.
EXISTEM SOPROS FISIOLÓGICOS OU INOCENTES?
Sim! Claro que existem! São os sopros encontrados em pessoas normais, aquelas que o exame físico e os exames complementares não detectam nenhuma doença.
Por exemplo, a incidência de sopros fisiológicos em crianças é elevada (principalmente dos 3 aos 8 anos de idade). Em adultos acima dos 50 anos, até metade dos indivíduos podem apresentar um sopro fisiológico.
Durante a gravidez, como há aumento da hipervolemia, com aumento do débito cardíaco e da frequência cardíaca, também é comum presenciarmos sopros fisiológicos a partir do terceiro trimestre da gravidez.
SOPROS POR AUMENTO DA VELOCIDADE OU POR HIPERVOLEMIA:
Condições que proporcionam tal tipo de sopro: estresse físico e/ou emocional, febre, hipertireoidismo, gravidez, anemia, fístulas arteriovenosas.
Em geral, esses sopros alcançam a intensidade máxima de grau III, sendo auscultados na borda esternal esquerda, principalmente no 2º e 3º espaços intercostais e irradiam para a fúrcula, o pescoço e ápice cardíaco.
Em ortostase, o sopro é diminuído de intensidade.
OS SOPROS VALVARES:
. Estenose Aórtica ou Pulmonar:
O sopro da estenose aórtica é auscultado na borda esternal direita alta (ou seja, no foco aórtico) e no foco aórtico acessório (3º espaço intercostal na borda esternal esquerda), irradiando para os dois lados do pescoço (região carotídea), podendo atingir até intensidade grau VI.
AQUI TEMOS UM DETALHE! Nem sempre a intensidade do sopro da estenose aórtica tem relação direta com a gravidade do mesmo! A duração, sim, tem relação com a gravidade. Quanto mais longo o sopro, mais grave o grau de estenose! Em geral, o sopro da estenose aórtica é mesotelessistólico.
A estenose pulmonar produz um sopro intenso no foco pulmonar, podendo se apresentar com frêmito, irradiando para região infraclavicular esquerda e também para o dorso ipsilateral.
O sopro é mais intenso no foco mitral, ou seja, na ponta do coração, irradiando para todo o precórdio, e pode chegar até as linhas axilares, dorso e escápula esquerda. Geralmente, é um sopro holossistólico, de alta frequência.
Na insuficiência do folheto posterior da valva mitral, a irradiação é para pescoço e todo precórdio; quando o acometimento é do folheto anterior, a mesma acontece para linhas axilares e dorso.
O sopro mitral de regurgitação ocorre “in decrescendo”.
Possui localização mais medial do que a da mitral, no 4º ou 5º espaço intercostal esquerdo, próximo à borda esternal ou sobre o apêndice xifoide. O sopro pode ser “in crescendo” ou “in decrescendo”, sendo agudo, acentuando-se com a inspiração (manobra de Rivero Carvallo), e isso é o que diferencia do sopro da insuficiência mitral, por exemplo.
Na maioria das vezes, é uma sequela da febre reumática. Geralmente, é um sopro precedido por estalido de abertura. Quanto mais próximo da segunda bulha, tanto o estalido quanto o sopro, mais grave é a estenose. Mais uma condição em que a intensidade não guarda relação direta com a gravidade do sopro; por outro lado, a duração do mesmo e o estalido sendo precoce, esses sim possuem relação direta com a gravidade da doença.
É um sopro diastólico, melhor auscultado na ponta do coração (foco mitral), acentuando-se quando colocamos o paciente em decúbito lateral esquerdo.
É semelhante ao da estenose mitral, um pouco menos grave, algo suave (ao contrário da estenose mitral), sendo também acentuado com a manobra de Rivero Carvallo (como todos os sopros do lado direito do coração, que aumentam com a inspiração e o retorno venoso).
Mais intenso na borda esternal esquerda, no 3º espaço intercostal.
Isso ocorre na maioria dos casos (ex.: etiologia reumática, mixomatosa, congênita, destruição valvar).
Se a causa for dilatação da raiz da aorta, o sopro pode ser mais intenso na borda esternal direita, no 2º espaço intercostal.
O sopro da insuficiência aórtica é melhor auscultado com o paciente em ortostase e com discreta flexão do tronco.
São sopros agudos, que podem atingir nível de intensidade IV-VI, mas raramente apresentam frêmitos.
. Insuficiência Pulmonar:
Esse tipo de lesão, de forma isolada, é raro. Geralmente auscultado no 2º e 3º espaços intercostais esquerdos. Apresenta características parecidas com o sopro da insuficiência aórtica.
O que pode nos ajudar a diferenciar um do outro é, por exemplo, a manobra de handgrip, que aumenta a intensidade do sopro da insuficiência aórtica, e não da pulmonar.
GUILHERME, COMO É O SOPRO DA COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR (CIV)?
Em geral, a passagem de sangue na comunicação interventricular ocorre durante toda a sístole, indo da câmara esquerda para a direita, e tem relação direta com o tamanho do orifício (isso é diferente quando há grande hipertensão pulmonar, causando aumento também da pressão do ventrículo direito).
Quanto menor o orifício e a resistência arterial pulmonar, mais intenso é o sopro.
A intensidade pode variar do grau I ao VI, sendo o mais intenso nas pequenos orifícios, com pouca repercussão hemodinâmica (paradoxalmente).
Se não há resistência pulmonar aumentada, o sopro é holossistólico e com a intensidade mantida durante toda a sístole (em platô – isso diferencia dos sopros da insuficiência mitral e da tricúspide). Nas CIVs pequenas, o sopro pode ser protossistólico. Localiza-se na borda esternal esquerda, entre o 2º e 4º espaços intercostais, podendo irradiar para todo o precórdio, principalmente para o lado direito do tórax.
Por outro lado, quando há hipertensão pulmonar importante, o fluxo pode ser bidirecional, fazendo com o que o sopro desapareça (ex.: síndrome de Eisenmenger).
PODEMOS FALAR TAMBÉM DO SOPRO DA CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA?
Esse consiste em outro sopro de importante reconhecimento, embora seja uma condição rara da Medicina (porém de extrema importância pelo risco aumentado de morte súbita dos pacientes portadores dessa patologia).
Na cardiomiopatia hipertrófica, pode ocorrer uma obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo por aumento da camada muscular adjacente.
Com isso, é comum que haja um sopro de ascensão e início tardio, bem depois da primeira bulha, com sua maior intensidade depois da mesossístole.
O sopro pode ser auscultado aos esforços, com manobra de Valsalva ou na posição de cócoras (a maioria dos outros sopros diminuem nessa condição).
Por que isso acontece? A redução do retorno venoso, proporcionada por essas condições, diminui o volume sistólico residual, o que estreita ainda mais a via de saída do ventrículo esquerdo.
Vamos lá, pessoal!
O objetivo deste artigo não é esgotar todas as técnicas semiológicas nem ensinar a todos como auscultar e identificar os sopros cardíacos. São muitas as condições que os causam e existem diversas variáveis.
O intuito desse pequeno texto é apenas abrir os olhos de onde procurar os sopros mais importantes e as características gerais de cada um.
Agora, mãos à obra! Quanto mais pacientes você auscultas, mais sopros irá aprender!!!