Antes de começar a falar dos pulsos venosos, vamos lembrar um pouco das aulas de anatomia e das relações anatômicas do sistema venoso na região cervical?
A Veia Jugular Interna (VJI) direita comunica-se com o Átrio Direito (AD) quase em linha reta através da veia cava superior, enquanto o mesmo não ocorre com a VJI esquerda, devido à sua interposição. Nesse contexto, pode-se compreender que as pressões venosas centrais, geradas em câmaras cardíacas direitas, são transmitidas diretamente para a VJI direita, e essa transmissão de pressão gera o pulso venoso, que pode ser perceptível em todas as veias jugulares, porém, com melhores condições anatômicas de transmissão e com menor atenuação na VJI direita. Além disso, essa ligação é facilitada pela ausência de valvas nas veias intratorácicas.
O pulso venoso jugular pode não ser observado em indivíduos normais. Quando a ausência dos pulsos venosos é acompanhada de distensão das veias do pescoço, devemos pensar sempre na possibilidade de estar ocorrendo um bloqueio do sistema venoso entre o átrio direito e a veia jugular. Nestes casos, frequentemente a veia cava superior pode estar obstruída por tumor ou trombo, ocorrendo um quadro denominado síndrome da veia cava superior.
Qual a diferença entre o pulso venoso e o pulso carotídeo?
Os pulsos venosos são pulsações suaves, ondulantes, mais visíveis do que palpáveis, são mais nítidos na posição deitada, desaparecendo ou diminuindo na posição sentada. Além disso, desaparecem pela compressão leve da veia, logo acima da extremidade esternal da clavícula e observa-se mais de uma oscilação visível na inspeção. Já o pulso carotídeo é mais vigoroso, com um único componente, nitidamente palpável, a intensidade das pulsações não se altera com modificações da posição do paciente e as pulsações não são eliminadas pela compressão.
Qual a técnica para avaliação dos pulsos venosos?
Para o exame do pulso venoso, o paciente deve permanecer deitado em uma posição que propicie máximas pulsações venosas. Quando a pressão venosa for normal, o paciente deve ficar em posição quase horizontal com relação à cama; mas se houver hipertensão venosa, o paciente deve ficar em um ângulo mais ou menos de 45° com o leito. Identifique o ponto mais alto de pulsação da veia jugular interna. Cada lado do pescoço deve ser inspecionado com a cabeça ligeiramente voltada para o lado oposto. As pulsações são procuradas na parte mais inferior do pescoço, podendo ser mais bem visualizada entre as duas inserções do esternocleidomastoideo. Caso as veias jugulares permaneçam túrgidas quando o paciente adota essa posição, há um ingurgitamento jugular, ou seja, hipertensão venosa no sistema da veia cava superior.
Para estimar a pressão venosa central (PVC), estenda um objeto ou prancheta horizontalmente a partir do ponto mais alto da turgência e uma régua graduada em centímetros, colocada verticalmente a partir do ângulo do esterno, na qual o objeto horizontal cruza a régua, e adicione 5 cm a essa distância: distância do ângulo do esterno até o átrio direito. Essa será a pressão venosa central estimada em centímetros de H2O.
Vale destacar que a amplitude e a localização dos pulsos venosos sofrem alteração na dependência da fase do ciclo respiratório. Durante a inspiração, devido à queda da pressão intratorácica, observa-se diminuição da amplitude do pulso e este tende a se aproximar da base do pescoço, ou mesmo deixar de ser visível, por ter se deslocado para o interior da cavidade torácica.
Qual a importância da avaliação clínica dos pulsos venosos?
No exame físico, a avaliação do pulso venoso auxilia na investigação clínica de pacientes que apresentam doenças cardiovasculares ou pulmonares que estão associadas à elevação da PVC. O sistema venoso, ao estar submetido a um regime de pressão muito menor quando comparado ao sistema arterial, implica a avaliação do pulso venoso realizada quase que exclusivamente por meio da inspeção. Alterações pressóricas consequentes a enchimento, contração e esvaziamento atrial provocam flutuações na Pressão Venosa Jugular (PVJ). De modo geral, quanto maior a elevação da pressão venosa central, maior a gravidade das repercussões funcionais.
A observação dessas flutuações fornece indícios sobre a volemia, a função do ventrículo direito e esquerdo, a perviedade das valvas tricúspide e pulmonar, as pressões no pericárdio e as arritmias como ritmos juncionais e bloqueios atrioventriculares.
O aumento da pressão intratorácica (enfisema pulmonar, tosse, manobra de valsalva, derrame pleural e pneumotórax), assim como a obstrução completa ou incompleta da cava superior, aumenta a pressão venosa de forma permanente ou intermitente.
Na vertigem laríngea de Charcot, caracterizada por tosse persistente seguida de síncope, ocorre uma dissociação entre pressão venosa elevada e pressão de enchimento ventricular diminuída. A crise de tosse desencadeia uma importante elevação da pressão intratorácica que se transmite à veia jugular passivamente e obstrui momentaneamente o retorno venoso ao coração direito, reduzindo abruptamente o volume sistólico, desencadeando a síncope.
Bradicardia acentuada pode, também, elevar a pressão venosa. O mecanismo responsável por essa elevação é um aumento da resistência ao enchimento ventricular devido a um grande volume diastólico secundário a diástoles prolongadas.
Em situações patológicas, em que o enchimento do ventrículo direito se encontra prejudicado, pode-se observar uma situação paradoxal, na qual, durante a inspiração, nota-se um ingurgitamento das veias cervicais, com aumento da amplitude do pulso e deslocamento em direção à mandíbula. Num indivíduo saudável, ocorre diminuição de sua pressão venosa central com a inspiração, acarretada por queda da pressão intratorácica. Esse aumento paradoxal da pressão venosa central é denominado sinal de Kussmaul e pode ser encontrado em várias situações, sendo originalmente descrito na pericardite constritiva, mas pode ocorrer na falência ventricular direita, infarto ventricular direito, estenose tricúspide e embolia pulmonar maciça.
Quando há aumento da pressão venosa sistêmica, podemos acentuar a turgência jugular de um paciente fazendo pressão em seu abdome. Nessa situação, ocorre diminuição da complacência venosa pela congestão sistêmica, tornando o sistema venoso inelástico e fazendo com que o aumento da pressão em região esplâncnica seja transmitido até as veias jugulares.
Em pacientes com insuficiência cardíaca, podemos observar a presença do refluxo hepato ou abdominojugular. A manobra consiste em, ao posicionar o paciente a 45º, exercer uma pressão sobre o abdome, na região umbilical ou no hipocôndrio direito, sendo que as veias jugulares devem ser observadas após 1 min de pressão, com o paciente respirando normalmente pela boca. Caso se observe uma elevação de cerca de três centímetros em relação ao valor documentado durante a situação basal, persistente durante todo o período da compressão, evidencia-se que a pressão venosa está elevada.
Ao realizar essa manobra, deve-se ter cuidado para não pressionarmos diretamente o fígado, pois na insuficiência cardíaca ele frequentemente está edemaciado e doloroso, fazendo com que o paciente possa realizar a manobra de Valsalva ou interromper sua respiração normal pela dor, falseando os resultados.
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Morfologia do pulso venoso jugular normal
As ondas do pulso venoso observadas na face lateral do pescoço refletem fundamentalmente a atividade cardíaca, sobretudo a atividade do AD.
A morfologia do pulso venoso jugular é semelhante à da curva de pressão do AD, constituindo uma imagem transmitida dessa curva de pressão. Entretanto, durante o trajeto do AD até a veia jugular, as ondas de pulso sofrem pequenas modificações morfológicas, pois caminham em vasos de baixa pressão e colapsáveis (veias jugulares e cava).
Normalmente, observamos três ondas positivas (“a”, “c”, “v”) e duas deflexões negativas ou colapsos (“x” e “y”).
Onda “a”
É uma onda positiva e corresponde à sístole atrial direita. Precede o pulso carotídeo e a primeira bulha para fins de localização no ciclo cardíaco. Em condições normais, apresenta maior amplitude do que a onda “v”.
Normalmente, a onda “a” é cerca de dois terços maior do que a onda “v” nos registros gráficos. Qualquer condição que aumente a resistência ao esvaziamento atrial e consequentemente aumente a força com que esta cavidade contrai aumenta a amplitude da onda “a”.
As alterações de amplitude fazem com que a onda “a” se torne mais visível e palpada durante o exame.
As principais alterações são:
Onda “a” Gigante
É uma onda de grande amplitude, abrupta e pré-sistólica, podendo ser duas ou mais vezes maior do que a onda “v”, aumenta com a inspiração e pode ser transmitida ao fígado originando uma expansão hepática pré-sistólica. As causas mais frequentes de onda “a” gigante estão relacionadas a uma grande hipertrofia do VD, a um aumento da pressão diastólica final do VD ou a uma obstrução ao esvaziamento do AD, a saber: estenose tricúspide, tumores do AD com obstrução da válvula tricúspide e hipertensão arterial pulmonar grave.
Onda “a” em “Canhão”
É observada durante a sístole ventricular. Pode ser observada nos casos em que a sístole atrial ocorre simultaneamente à sístole ventricular, estando a válvula tricúspide, consequentemente, fechada. Varia muito pouco com a respiração, com a compressão abdominal e com modificações da postura corporal. As causas mais frequentes são: bloqueio atrioventricular do terceiro grau (BAV III), taquicardia paroxística ventricular, extrassístoles atriais (quando coincidem com a sístole ventricular prévia), extrassístoles nodais e extrassístoles ventriculares.
Ausência de Onda “a”
Por ser uma onda que reflete a contração atrial direita, a onda “a” desaparece nos casos de fibrilação atrial.
Onda “c”
Também conhecida como onda sistólica ou carotídea, ocorre cerca de 0,04 a 0,10 segundos após a primeira bulha (B1). Traduz o aumento transitório da pressão dentro do átrio direito, que ocorre ao aumentar a pressão ventricular durante a fase de contração isovolumétrica. Alguns autores acreditam que a onda “c” seja resultado da transmissão do pulso carotídeo até a veia jugular.
Colapso “x”
É produzida pelo relaxamento atrial (diástole atrial). Ocupa grande parte da sístole ventricular, sendo por este motivo também conhecida como colapso sistólico do pulso venoso.
Ausência do Colapso “x”
Ocorre nos casos de fibrilação atrial e acompanha-se concomitantemente ao desaparecimento da onda “a”.
Onda “v”
Também conhecida como onda de enchimento atrial ou de estase atrial. Corresponde à súbita interrupção do enchimento atrial durante a sístole ventricular. Na presença de ritmo cardíaco normal, ocupa a última fase da sístole ventricular.
Onda “v” gigante ou proeminente
Uma onda V aumentada de amplitude precedida de uma pequena onda C é sinal indicativo de insuficiência tricúspide com fibrilação atrial.
Colapso “y”
Corresponde à fase de enchimento ventricular rápido que ocorre imediatamente após a abertura da válvula tricúspide. Ao abrir-se a válvula tricúspide, rapidamente esvazia-se o AD. Consequentemente, a pressão no interior do átrio diminui, fazendo com que o fluxo venoso jugular → átrio direito se acelere, determinando, dessa forma, a vertente mais baixa do colapso “y”. Em condições normais, a diferença de pressão AD/VD é pequena e as pressões se igualam rapidamente.
Deflexão “y” profunda
Ocorre súbito colapso diastólico do pulso venoso, como se a corrente sanguínea fosse aspirada de modo violento para o tórax. Está presente nas situações em que há pressão venosa muito elevada, como pericardite constritiva e derrame pericárdico.