Quando pensamos em sangramento vaginal em gestantes na segunda metade da gestação, pensamos, principalmente em Placenta Prévia, Descolamento Prematuro de Placenta e Rotura Uterina. Destas, talvez a rotura seja a mais dramática, pois está muito relacionada a alta mortalidade materna e fetal, sem contar com a elevada possibilidade de histerectomia. A rotura uterina quase sempre exige abordagem cirúrgica imediata. Mas, para isso, é necessário uma suspeita rápida e diagnóstico preciso. Vamos aprender a agir diante do drama da rotura uterina?
Definição e Etiologia
A rotura uterina consiste no rompimento total ou parcial do miométrio durante a gravidez ou durante o parto. Conceitualmente, pode ser completa, quando há total rotura da parede, havendo continuidade entre a cavidade uterina e a cavidade peritoneal, normalmente com sintomas de choque hipovolêmico, ou incompleta, quando o peritônio parietal permanece intacto, podendo permanecer assintomática, passando despercebida após um parto vaginal. A incidência é bastante variada, ficando em torno de 5,3 a cada 1000 partos, em todo o mundo.
Com relação à etiologia, pode ser espontânea ou traumática. A rotura espontânea é um processo lento, progressivo e assintomático, ocorrendo próximo ao final da gestação em úteros com a parede enfraquecida por cicatriz prévia de cirurgias uterinas, ou áreas de degeneração por endometriose ou acretismo placentário. A rotura traumática acontece no contexto de quedas sobre o abdome, traumas diretos em acidentes automobilísticos, ferimentos penetrantes, ou manuseio da cavidade uterina para dilatação do colo ou curetagem, ou ainda por versão por manobras externas.
Quais são os fatores de risco?
Assim como para Placenta Prévia, o principal fator de risco para a rotura é a presença de cicatriz uterina, especialmente o antecedente de parto cesariano. Além disso, história de curetagem uterina com perfuração, miomectomia, acretismo placentário, trauma abdominal, anomalias uterinas, hiperdistensão uterina, parto obstruído (como desproporção céfalo-pélvica), uso inapropriado de ocitocina e realização da manobra de Kristeller também são fatores associados à rotura. A deiscência da cicatriz uterina prévia está mais associada à rotura incompleta, enquanto o trauma está mais associado à rotura completa, que pode também ser espontânea.
O tipo de incisão na cesárea anterior também tem papel importante na avaliação do risco de rotura em uma futura gestação, de modo que, a incisão corporal apresenta risco de 4 a 9%, enquanto que a segmentar transversa, risco de 0,2 a 1,5%. A presença de uma cesariana prévia não implica em risco muito grande de rotura durante o trabalho de parto da gestação seguinte, especialmente se a mulher já teve outros partos vaginais anteriores a essa cesárea.
Sendo assim, não há recomendação expressa de indicação de nova cesárea apenas por conta de uma cesariana anterior, já que os riscos da segunda cesárea superam os riscos de rotura. O risco se torna maior na presença de 2 ou mais cesáreas anteriores. Mesmo assim, devem ser avaliados os riscos cirúrgicos dessa nova cesárea, dentre eles sangramento excessivo, aderências, lesões de bexiga ou intestino ou até histerectomias, já que as chances de sucesso com o parto normal são semelhantes após uma ou mais cesáreas, apenas o risco de rotura se torna relativamente maior. Cada caso deve ser avaliado criteriosamente.
Como se manifesta a rotura uterina?
A rotura uterina é mais frequente no terceiro trimestre e pode acontecer durante a gestação ou mesmo após o parto, mas é mais frequente durante o trabalho de parto.
A clínica da rotura pré-parto é de abdome agudo, com fortes dores abdominais e sinais de irritação peritoneal. Pode ocorrer sangramento vaginal de cor vermelho vivo. Durante o parto, o achado mais característico é a perda súbita dos batimentos cardíacos fetais. A parada das contrações após dor muito forte é muito sugestiva também. Deve-se sempre se atentar para os sinais de choque hipovolêmico, com taquicardia importante e hipotensão, já que o sangramento nem sempre será visível. Na palpação abdominal, pode-se palpar facilmente as partes fetais e, ao toque vaginal, identifica-se subida da apresentação, o que é especialmente importante no caso de rotura durante o trabalho de parto.
A rotura é importante causa de hemorragia pós-parto, de modo que toda gestante deve ser mantida em observação por algumas horas após o parto, a fim de identificar prontamente esse risco e abordar essa complicação.
É importante salientar que o quadro pode se iniciar quando ainda há iminência de rotura uterina, através da síndrome de Bandl-Frommel, que é caracterizada pelo sinal de Bandl, que é a palpação de uma depressão em faixa abaixo da cicatriz umbilical, decorrente da distensão das fibras do segmento inferior do útero, e pelo sinal de Frommel, que é o estiramento dos ligamentos redondos, deslocados para a face ventral do útero, desviando-o anteriormente.
A rotura uterina consumada é caracterizada por dor súbita e lancinante na região hipogástrica, seguida de cessação da dor imediatamente após a rotura, de maneira transitória, parada do trabalho de parto, hemorragia (vaginal ou abdominal, podendo ser oculta) e choque hipovolêmico. A presença de crepitação à palpação abdominal sugere a presença do enfisema subcutâneo, decorrente da passagem de ar da vagina, através do útero roto, para o peritônio e tecido subcutâneo, o que caracteriza o sinal de Clark. Como dito anteriormente, ao toque vaginal, observa-se subida da apresentação fetal, o que caracteriza o sinal de Reasens. A morte fetal é praticamente certa nesse caso.
O que fazer diante da rotura uterina?
A identificação rápida e precisa dos sinais de iminência de rotura são a principal forma de prevenção dessa complicação. Nesse caso, está indicado o uso de uterolíticos para interromper o trabalho de parto e conter a distensão do órgão, devendo ser realizada cesariana logo em seguida.
A abordagem da paciente com rotura consumada envolve, primeiramente, estabilização hemodinâmica, com atenção aos pontos do ABC da reanimação, provendo vias aéreas pérvias, fornecimento de O2 e ressuscitação volêmica com cristaloides.
A laparotomia com anestesia geral é basicamente o principal método para confirmação do diagnóstico e também a intervenção terapêutica necessária. O feto pode ser encontrado total ou parcialmente na cavidade abdominal, juntamente com a placenta, o que é sinal de péssimo prognóstico fetal.
A conduta na cirurgia pode ser a rafia do útero, visando preservá-lo para uma possível futura gravidez, o que é primariamente tentado em primigestas ou mulheres jovens que ainda desejem ter filhos. Porém, na maioria das vezes, é necessária a histerectomia para contenção do processo, o que é preconizado em multíparas com prole definida, mas pode ser necessário mesmo nas primigestas dependendo da extensão da lesão, sede da rotura e estado clínico da paciente. A histerectomia realizada é total ou subtotal, normalmente sem ressecção dos anexos.
A rotura complicada, isto é, que se estende para órgãos adjacentes, como bexiga, ureteres, reto ou vagina, deve ser realizada adequada avaliação e síntese desses órgãos.
Concluindo
A rotura uterina é um quadro dramático que exige identificação imediata e abordagem precoce para aumentar as chances de sobrevida da mãe. A sobrevida do feto depende da identificação prévia à consumação do processo.
Portanto, é importante conhecer os sinais sugestivos de iminência e consumação da rotura, bem como avaliar os fatores de risco que a gestante apresenta ainda no pré-natal, que é o momento ideal para planejar o parto e evitar complicações. De fato, a incidência de rotura é inversamente proporcional à qualidade da assistência pré-natal e, principalmente, à qualidade da assistência prestada durante o parto.
Parabéns ao Autor! Sofri uma ruptura uterina há 2 anos! Foi um verdadeiro milagre eu e minha filha sobreviver! Mesmo correndo risco de ruptura após 2 cesárea, nunca ouvi falar sobre. Aliás as enfermeiras do hospital nem imaginavam o que se passava! Carrego um trauma cmg até hoje! Sobre ruptura uterina o que sei foi o que acabei de Ler aqui..
Oi, com vc aconteceu no trabalho de parto? Estou de 36 semanas e queria tentar parto normal
Olá! A melhor maneira de discutir a via do parto é com o(a) seu(sua) obstetra.
O Jaleko é um curso para médicos e alunos de Medicina. =D
Um grande abraço e boa sorte no seu parto!
Como foi ? Você poderia explicar?
Estou correndo riscos e estou com muito medo
Precisava saber muito sobre isso.pois no meu último parto a medica me informou que falto pouco para have uma rotura no meu utero e foi um milagre .agora estou gravida de novo depois de quase nove anos. e to muito preucupada .
Olá! A melhor maneira para avaliar seu caso é com uma consulta com o(a) seu(sua) obstetra. Um grande abraço!
Tenho duas cesárea, a última tem 5 anos ,
Queria muito tenta parto normal ,sera que poderia ter um parto normal depois de 5 anos?
Olá! Parto normal, após cesariana, deve ser discutido, cuidadosamente, com o(a) seu(sua) obstetra, para avaliar os riscos.