Hoje, dia 10 de outubro, comemora-se mundialmente o Dia Mundial da Saúde Mental instituído em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental, data essa que traz importantes reflexões sobre questões de distúrbios mentais e saúde mental, que infelizmente ainda é uma das áreas mais negligenciadas da saúde.
O que é saúde e qual o papel da saúde mental?
O conceito de saúde, elaborado em 1947 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Portanto, é claro a importância do bem estar mental compondo a saúde.
Até mesmo porque o modelo de saúde atualmente utilizado, que é o modelo biopsicossocial, traz a saúde como uma união de fatores biológicos, psicológicos e sociais.
No Brasil, temos a Constituição Federal de 1988 (Conhecida como Constituição Cidadã), que diz em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Sendo assim, concluímos que, sendo saúde um direito de todos e sabendo que saúde mental faz parte do âmbito saúde, a saúde mental também deve ser garantida pelo Estado.
Qual a realidade a respeito da saúde mental?
Segundo a OMS cerca de 31% a 50% da população brasileira pode apresentar ao menos 1 episódio de transtorno metal durante a vida!!
Apesar de ser “garantida” e de sabermos a importância da saúde mental nos dias atuais, a realidade é que poucos são os recursos investidos. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e OMS, os países gastam menos de 2% de seus recursos para a saúde, no âmbito da saúde mental.
Com isso, poucos tem acesso, principalmente em países em desenvolvimento, onde mais de 75% dos indivíduos com transtornos mentais e psicológicos, não recebem nenhum tratamento.
OMS: Campanha do Dia Mundial da Saúde mental 2020
Esse ano, a OMS para ressaltar a importância em se investir em saúde mental, tratando os distúrbios existentes, a fim de prevenir diversos agravos, traz o tema “Move for mental health: let’s invest”, que quer dizer “Realocar para a saúde mental: Vamos investir”.
É fato que, tivemos um grande avanço nos últimos anos, afinal, hoje já discutimos sobre saúde mental, um tema que foi tão negligenciado e que é alvo de inúmeros estigmas, mas, como relatou a fundadora e CEO da United for Global Mental Health, “Com tantas pessoas sem acesso a serviços de saúde mental adequados e de boa qualidade, o investimento agora é mais necessário do que nunca”.
Os investimentos em saúde mental, são, de fato, investimentos, visto que a cada US$ 1 investido em tratamento intensivo para transtornos mentais comuns como depressão e ansiedade, o retorno é de US$ 5 em melhoria de saúde e produtividade, pois sabemos que tais condições trazem consigo uma incapacidade até mesmo na realização de nossas funções essenciais.
História da Saúde Mental
A saúde mental, ainda hoje possui um certo estigma, e muitos ainda utilizam termos e expressões pejorativas ao se referirem à indivíduos com transtornos mentais. Esse preconceito é de longa data, os transtornos mentais já foram alvos de diversas observações e variadas formas de tratamento.
Período Neolítico
Durante o período Neolítico, que vai de 8000 a.C até 5000 a.C., as questões mentais eram consideradas como causas sobrenaturais, como possessões demoníacas, feitiçaria, maldições e vingança dos deuses.
Para “curar” os transtornos, acreditava-se que, abrindo o crânio dos indivíduos, procedimento conhecido como trepanação, essa causa (principalmente os espíritos) seriam libertos, e assim, o indivíduo se curaria, pois não teria mais esses seres vivendo dentro de sua cabeça.
Muitos crânios encontrados, apresentam sinais de recuperação, o que indica que o processo, incrivelmente, não era fatal.
Outra forma de tratamento, era por meio de rituais religiosos, visto que uma das “causas” para os transtornos era a vingança de deuses. Assim, sacerdotes realizavam rituais para expulsar os espíritos malignos, utilizando para isso exorcismos, encantamentos, expiações, entre outros.
Egípcios
Os antigos egípcios, entre 3100 a.C. e 31 a.C., trouxeram maneiras diferentes de tratar os transtornos mentais, estimulando que os indivíduos realizassem atividades recreativas como música, dança e pintura, para assim aliviar os seus sintomas mentais.
Gregos
Os gregos, entre 500 a.C. e 146 a.C., também consideravam os distúrbios mentais como vingança e fúria dos deuses, devido à alguma transgressão da divindade.
Porém, surgiu Hipócrates, que não aceitou a teoria da fúria divina, mas disse que, essas alterações do pensamento, estariam ligadas à uma ocorrência vinda do cérebro, e natural do corpo.
Essa explicação se prolongou por bastante tempo, e foi crucial para as escolhas terapêuticas.
Idade Média
Na idade média, período que se estendeu o século V ao século XV (476 d.C e 1453 d.C), continuou seguindo os conceitos gregos, ditos por Hipócrates, sendo os distúrbios mentais ocorrências naturais do corpo.
Assim, os tratamentos eram direcionados à recuperação do “equilíbrio do corpo”, e utilizavam para tal, laxantes, eméticos (como o tabaco) e sanguessugas. Além disso, utilizavam também procedimentos mais invasivos, realizando extração de sangue da testa do paciente.
Naquela época, ter um portador de transtornos mentais era motivo de vergonha, e por isso, muitas vezes a família escondia ou abandonava esses indivíduos.
Além do transtorno mental em si e da vergonha que a família sentia, esses indivíduos sofriam com as autoridades também, que muitas vezes espancavam e maltratavam, como forma de punição ou na tentativa de espantar o mal, e podiam até mesmo serem presos, pois seu comportamento por vezes era fora do normal.
Século XVI a XVIII
A partir do século XVI, “casas de trabalho” começaram a ser criadas, sendo um local de apoio, onde o clero auxiliava no tratamento dos portadores de transtornos mentais, e esses podiam morar nesses asilos, porém, a família precisava pagar.
A procura era grande, e por isso, logo novas instalações foram criadas, os conhecidos “asilos”. E o que eram asilos? Basicamente uma prisão onde se abrigavam tanto portadores de doenças psiquiátricas quanto outras pessoas que possuíam alguma doença (como doenças venéreas) e indivíduos criminosos, mendigos e inválidos.
Os pacientes não tinham nenhum tratamento especial, e muito pelo contrário, eram tratados em condições desumanas e com violência.
Somete no século XIX, quando a população descobriu a realidade dos asilos, é que uma reforma se instalou.
Reforma
Após descobrirem as ações desumanas nos asilos, no século XIX, movimentos se iniciaram, pois alguns pesquisadores, como Phillippe Pinel, tinham como tese que, para realizar os cuidados mentais, era necessário gentileza e não violência.
A partir daí, os asilos mudaram. Foram instalados os manicômios. Os manicômios eram destinados aos pacientes com transtornos mentais. Os ambientes foram limpos, arejados, com luz solar, e os que ali viviam podiam se exercitar dentro do hospital.
Foi realmente uma reforma, pois antes, os indivíduos eram tratados com violência, ficavam isolados e muitas vezes com contenções físicas.
Pinel, defendia que os pacientes deveriam ser estimulados a pensarem em seus atos e considerar a consequência dos mesmos. Por vezes deveriam receber pequenas punições, mas nada como a violência empregada anteriormente.
Havia um equilíbrio entre gentileza e firmeza. Porém, não foi bem assim que o método foi empregado. A realidade é que a violência continuava, e qualquer ação poderia servir como razão para os maus tratos e “submissão dos loucos”.
No fim do século XIX, especificamente em 1853, foi criado o primeiro hospital psiquiátrico no Brasil, o Hospital Asilo Pedro II, localizado no Rio de Janeiro.
E a reforma continuou no século XX, quando surgiu Sigmund Freud. Freud acreditava que os sonhos ou qualquer figura que aparecesse na mente do indivíduo poderia ser o acesso à mente inconsciente, onde existem pensamentos e sentimentos reprimidos que poderiam ter influenciado na situação mental, provocando tal instabilidade.
Mundo Contemporâneo
Nos séculos XX e XXI as tentativas em curar os transtornos mentais continuaram. Diversos foram os métodos: psicocirurgia, psicofármacos e terapia eletroconvulsiva, mas a realidade é que a efetividade era baixa.
Na metade do século XX, iniciou-se a reforma psiquiátrica, que tinha como intuito dar fim ao modelo manicomial e aos estigmas existentes, e passar a tratar os pacientes psiquiátricos como um todo, e considerando-os como protagonistas do processo.
No Brasil, uma médica psiquiátrica que contribui mundialmente para a reforma psiquiátrica, foi Nise da Silveira, revolucionando a saúde mental no Brasil.
Já na década de 90, há cerca de 30 anos atrás, houve uma importante evolução no que concerne aos tratamentos utilizados. O lítio foi incluído nos psicofármacos e se mostrou bastante eficaz para tratar distúrbios mentais.
Século XXI – Cenário Atual
Hoje, além dos psicofármacos que são muito utilizados, as abordagens da saúde mental se reinventam.
Vemos hoje formas de tratamento que incluem estilo de vida, prática de atividades de lazer, arte, técnicas de relaxamento e meditação, enfim, abordagens que podem trazer inúmeros benefícios aos pacientes.
Hoje, discutimos saúde mental e importância da manutenção da mesma.
Os estigmas ainda existem, mas muito já se evoluiu.
Saúde Mental e Pandemia do COVID-19
A pandemia do Novo SarsCov-2 trouxe consigo uma série de inseguranças, medo, problemas financeiros, incertezas. Todos esses sentimentos afetam grandemente a saúde mental. Muitas pessoas com problemas pré existentes, tiveram o seu quadro agravado, e muitos previamente sadios desenvolveram transtornos mentais.
Além disso, a pandemia levou a interrupção dos serviços à saúde mental em 93% dos países. Ou seja, frente a um aumento da demanda, os serviços foram obrigados a parar.
Entre esses serviços, pesquisas da OMS mostram que houve redução da oferta de aconselhamento, psicoterapia, serviços críticos de redução de danos, tratamento de manutenção para dependência de opioides, intervenções de emergência (como convulsões prolongadas, síndrome de abstinência, delírio) e acesso a medicamentos para transtornos mentais e neurológicos.
No Brasil, um estudo feito pela Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apontou que dobraram os casos de depressão, desde quando se iniciou a quarentena.
Além da campanha “Move for mental health: let’s invest” que busca aumentar os investimentos na saúde mental, que é tida pela OMS como uma prioridade, a OMS publicou também em março de 2020, um guia com cuidados para a saúde mental durante a pandemia.
Esse guia traz dicas de como enfrentar as consequências mentais e psicológicas decorrentes da pandemia. O guia traz orientações à profissionais de saúde, crianças e idosos, líderes de equipes e pessoas em quarentena.
Guia com Cuidados Para a Saúde Mental durante a pandemia
À população geral
O guia traz a população geral a seguinte frase “O COVID-19 não tem bandeira, demonstre sua empatia!”, mostrando que, não há distinção de raças, etnias, ou qualquer outra bandeira, todos nós fomos afetados, e todos devem demonstrar empatia uns com os outros, especialmente aos infectados.
E lembrar que, todos somos pessoas, e não apenas “números” ou “vítimas”. Todos têm uma vida, uma família, uma história.
Além disso, o guia traz orientações como cuidado com notícias em excesso, que podem causar ansiedade ou estresse. E além de reduzir o contato com as notícias, busque sempre fontes confiáveis.
Criar uma rede de apoio também é essencial. Agora não podemos ter o contato presencialmente com nossos amigos e conhecidos, mas mantenha o contato por meio de telefonemas e redes sociais.
Saiba que os profissionais de saúde estão fazendo o melhor para a população!!
Aos agentes de saúde
O guia traz a importância dos profissionais de saúde gerenciarem sua saúde mental, buscando manter o bem estar psicossocial.
Esse cuidado pode ser feito realizando pausas no atendimento, alimentando-se bem, praticando exercícios físicos e mantendo o contato, ainda que virtualmente, com família e amigos.
Evitar uso de drogas como tabaco, álcool entre outras, é essencial.
Manter a comunicação com aqueles que estão no hospital também é importante, e sempre procure usar linguagens acessíveis a todos.
Líderes de equipe e supervisores em postos de saúde
Como líder busque manter sua equipe saudável e o mais livre possível do estresse. É sempre importante lembrar que é uma situação de curso longo, então deve-se manter a saúde mental.
Fornecer informações à equipe também é importante, assim como fazer uma rotação de áreas mais estressantes para as menos estressantes.
O guia também incentiva que seja facilitado o acesso dos profissionais de saúde e dos líderes aos serviços de apoio psicossocial e mental. Além disso, é importante orientar os profissionais que atuam na área da saúde sobre como fornecer apoio emocional básico.
Separar os serviços em clínica geral e emergência, facilitando o atendimento.
E assegurar que os medicamentos sejam fornecidos para todos aqueles pacientes que fazem uso contínuo e não podem ter interrupções.
Cuidadores de crianças
O guia traz dicas como ajudar as crianças a se expressarem, a expor os seus medos e ansiedades, utilizando formas lúdicas. Além disso, a criança deve ser mantida perto dos pais ou responsáveis, por ser um “ambiente seguro”. E mesmo se longe dos pais fisicamente, o contato virtual deve ser mantido.
Além disso, as rotinas familiares devem ser mantidas e pode-se criar novas rotinas. Sempre é importante conversar e, na medida do possível, informar sobre a situação, pois esses momentos de conversa podem reduzir o estresse e a ansiedade, e estimulam a criança a desenvolver seus mecanismos de lidar com as emoções e sentimentos.
Idosos, cuidadores e pessoas com problemas de saúde
Os idosos, muitas vezes já fragilizados, tiveram um grande impacto com a pandemia. O guia da OMS orienta que, os idosos em isolamento e que já possuem alguma comorbidade como demência, podem desenvolver uma série de sintomas psicológicos, como estresse, ansiedade, raiva e agitação.
É de suma importância que seja oferecido o apoio emocional por redes de apoio.
Explicar o que está acontecendo, por meio de conversas, mensagens escritas ou até mesmo desenhos pode ser muito útil.
É importante atentar-se também se os medicamentos necessários estão sendo disponibilizados.
Orientar os idosos também em situações de emergência, sobre como agir, quem procurar, e qual medicamento utilizar.
É importante lembrar também que, exercícios físicos são importantíssimos para a saúde como um todo, e podem ser realizados dentro de casa.
Pessoas em isolamento
E por fim, o guia traz orientações aos que se encontram em isolamento.
É importante manter contato com amigos e conhecidos, de forma virtual. Manter a rotina também é importante.
Sempre fique atento aos sentimentos e emoções, e busque relaxar, manter alimentação saudável, prática de exercícios físicos, sono regular.
E, cuidado com o excesso de informações e as famosas fake News”.
Assim, o guia traz orientações à diversos grupos, na tentativa de auxiliar no enfrentamento.
O guia completo está disponível aqui.
Transtornos mentais
Os transtornos mentais representam hoje, um grupo de doenças que, dentre muitas, engloba transtornos de humor como ansiedade e depressão, algumas das doenças mais incapacitantes do século XXI, além de ser uma importante causa de suicídio.
Diversos são os transtornos mentais. Temos como exemplos, transtornos do humor (depressão, ansiedade, transtorno bipolar, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), retardo mental, distúrbios de conduta, transtornos psicóticos (exemplo, esquizofrenia), transtornos alimentares, transtornos mentais orgânicos como delirium, demência e transtorno amnésico.
A depressão é o conhecido mal do século, sendo um transtorno mental frequente e que afeta todas as áreas da vida do indivíduo que pode vir a apresentar uma importante perda da qualidade de vida e incapacidade. Leia mais sobre depressão https://blog.jaleko.com.br/serotonina-e-a-depressao/, https://blog.jaleko.com.br/depressao-o-mal-do-seculo/, e https://blog.jaleko.com.br/depressao-principais-tratamentos/.
Um outro transtorno que pode vir a acometer os profissionais, em especial os da saúde, é a Síndrome de Burnout, que é um estresse ocupacional, sendo caracterizada por um estado de exaustão mental, física, e emocional, ou seja, um esgotamento profissional.
Leia mais sobre Síndrome de Burnout em https://blog.jaleko.com.br/sindrome-de-burnout-por-que-os-medicos-sao-tao-afetados/ e também em https://blog.jaleko.com.br/burnout-na-faculdade-de-medicina-2/.
Principalmente em tempos de pandemia, é importante atentar-se à possíveis sintomas que possam aparecer, como tristeza profunda e contínua, apatia, desânimo, perda do interesse por atividades que gostava (anedonia), pensamentos negativos (sentimento de incapacidade, culpa, fracasso), alterações do sono e alterações do apetite.
No Brasil, os pacientes com transtornos mentais contam com uma rede de serviços como o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), serviços residenciais terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Cultura e leitos de atenção integral.
E diante de tudo isso aqui exposto, vemos que, a saúde mental, que já foi interpretada das mais diversas formas, faz parte da saúde como um todo, e, portanto, deve receber a atenção necessária.
A negligência da saúde mental pode acabar levando a diversos agravos e perda da qualidade de vida. Assim, é necessário que cuidemos de nossa saúde mental, realizando atividades físicas, alimentação saudável, prática de técnicas de relaxamento, e manejar nossas situações diárias para que sejam o menos estressantes possível.
Cuide de sua saúde mental!!!