Também conhecida como “crupe”, a difteria é uma doença bacteriana aguda, causada pelo bacilo Corynebacterium diphtheriae, pouco frequente no Brasil.
É uma doença de notificação compulsória, infectocontagiosa, respiratória, se instalando, sobretudo, nas amígdalas, faringe, laringe, nariz, e, em alguns casos, nas mucosas e na pele.
Neste artigo, vamos saber um pouco mais da epidemiologia, transmissão, patogenia e formas clínicas dessa doença. Além disso, descobriremos como diagnosticar, tratar e prevenir a difteria.
Epidemiologia e Transmissão da difteria:
Tem como único reservatório conhecido o Homem. Possui maior incidência na população infantil, após episódios de gripes e resfriados, mas também pode ocorrer em adultos não vacinados. A letalidade esperada varia de 5 a 10% dos casos.
É endêmica em muitos países da África, América do Sul (Venezuela – onde ocorre aumento da incidência atual), Sul e Sudeste da Ásia, Haiti e República Dominicana. Pode estar presente em viajantes que retornam ou em migrantes de países onde a doença é endêmica.
Nos dias atuais, é rara nos países desenvolvidos, pois a imunização infantil é generalizada. Com a cobertura vacinal, que tende a se deslocar para as faixas etárias maiores, a doença vem se tornando menos frequente no Brasil (dificultando o diagnóstico), mas ainda não foi erradicada.
A transmissão da forma faringoamigdaliana ou diftérica (principal) se dá por gotículas respiratórias, contato direto com secreções nasofaríngeas, contato direto com lesões de pele infectadas e, eventualmente, fômites recentemente contaminados.
Alguns pacientes desenvolvem uma forma cutânea que serve como um reservatório de contaminação. O período de incubação médio é de 2 a 4 dias.
Características gerais do bacilo Corynebacterium diphtheriae:
- Morfotintoriais:
– Bastonetes gram positivos: apresentam as extremidades dilatadas (1 ou amabas);
– Formam agrupamentos paralelos entre si, denominados “paliçadas”;
– Formam ângulos entre si, o que lhes confere um aspecto de “letras chinesas”;
– Na coloração de Albert-Laybourn, apresentam-se com granulações metacromáticas (granulações metacromáticas que se coram diferente do restante da célula, principalmente nos pólos).
– Na pele e mucosas, estão presentes na microbiota bactérias denominadas difteróides que apresentam características morfotintoriais similares ao Corynebacterium.
– Algumas corinebactérias podem atuar como patógenos oportunistas, como a C. minutissimum.
Virulência da difteria:
O principal fator de virulência do Corynebacterium diphtheriae é a toxina diftérica. As cepas de Corynebacterium são infectadas por um bacteriófago, que transporta o gene codificador da toxina, produzindo-a.
Essa toxina possui tropismo (preferência) especial para o miocárdio (músculo do coração), sistema nervoso periférico e rins, onde há maior disponibilidade de receptores.
As cepas não produtoras de toxina também podem causar infecção nasofaríngea e, algumas vezes, doenças sistêmicas (como endocardite, artrite séptica).
A toxina diftérica é liberada quando se liga ao seu receptor e é endocitada (“absorvida pela célula”). Uma vez presente dentro da célula, irá inibir a síntese de proteínas celulares, acarretando a morte celular.
Patogenia da difteria:
- Forma Faringoamigdaliana ou Diftérica (forma clínica típica doença). Irá ocorrer a seguinte sequência:
Portador / Doente > gotículas respiratórias > transmissão e infecção de outra pessoa > colonização da mucosa do trato respiratório superior > produção da exotoxina (que provocará 2 caminhos: 1. Ação local > necrose tecidual no sítio da liberação, causando danos linfáticos e capilares > exsudato fibrino-purulento > estrutura de pseudomembrana – diagnóstico clínico; 2. Absorção > ação sistêmica > sítios-alvo).
O que é a estrutura da pseudomembrana?
É uma placa pseudomembranosa constituída a partir de um exsudato (líquido rico em proteínas, leucócitos e restos celulares. Semelhantes a “placas de pus”), contendo ainda fibrina, eritrócitos e restos da bactéria.
Localiza-se mais frequentemente nas amígdalas, podendo progredir para faringe e laringe. Também pode ser encontrada em outros locais, como na cavidade nasal, pele, conjuntiva, conduto auditivo, entre outros.
Caracteriza-se pela consistência e aderência nos locais de formação, fazendo com que a tentativa de removê-la provoque sangramento. Por isso, não é recomendado, uma vez que favorece uma maior absorção da toxina.
Formas clínicas da difteria:
Forma Faringoamigdaliana ou Diftérica ou Angina Diftérica
É a forma mais comum. Inicia-se com discreto aumento das amígdalas, faringe hiperemiada (avermelhada), febre moderada (38º a 38,5ºC) – porém, febre alta não exclui a doença (pode haver associação com outra infecção), dor de garganta e prostração (adinamia profunda). Após 24h, já se nota a implantação da pseudomembrana (placa).
Ocorre adenomegalia (linfonodos / gânglios aumentados) submandibular e cervical anterior, o que é importante para o diagnóstico diferencial. A placa pode progredir até a laringe, gerando um quadro de Laringite Diftérica com tosse, rouquidão, dificuldade de fala e dificuldade respiratória.
Causas de agravamento do estado geral: i) progressão da pseudomembrana (expansão); ii) absorção progressiva da toxina (pela tentativa de remoção da placa); iii) desprendimento da pseudomembrana causando obstrução respiratória (sobretudo quando se localiza em epitélios superiores, os quais possuem células caliciformes – produtoras de muco, responsáveis pela maior lubrificação – havendo menos aderência).
- Complicações dessa forma:
– Miocardite: principal causa de óbito a partir da 2ª semana, por desprendimento da pseudomembrana. É classificada em precoce (3º ao 7º dia) e tardia (8º ao 15º dia), gerando alterações no débito cardíaco, frequência cardíaca, entre outras.
– Neurites: afetam o Sistema Nervoso Periférico (nervos, gânglios nervosos e órgãos terminais). Geralmente, são tardias e, às vezes, a doença já está aparentemente curada. Determinam paralisias (afetam principalmente os músculos de acomodação dos olhos – estrabismo, visão-dupla; músculos da garganta – voz anasalada, regurgitamento pelo nariz, broncodilatação; diafragma – insuficiência respiratória).
– Renais: Albuminúria (presença de albumina na urina) em diferentes proporções. Nas formas graves, pode ocorrer IRA (Insuficiência Renal Aguda).
- Outras Formas Clínicas:
– Difteria Hipertóxica ou Difteria Maligna: é uma forma grave, com comprometimento geral intenso desde o início. As placas assumem aspecto necrótico (enegrecido), reproduzindo hálito fétido. O aumento dos gânglios cervicais, associado ao edema periganglionar, confere um aspecto típico o paciente: Pescoço taurino ou de touro.
– Rinite Diftérica: é uma forma que ocorre, principalmente, em lactentes e, geralmente, é concomitante à faringite diftérica, sendo uma extensão da mesma. Ocorrem descargas de secreção nasal serosanguinolentas, gerando lesões na borda do nariz e no lábio superior. Pode ter a pseudomembrana localizada.
– Difteria Cutânea: pode haver colonização de lesões pré-existentes sem determinar doença ou determinar lesões ulcerosas, às vezes com pseudomembrana. Os pacientes com esta forma são considerados de importância epidemiológica, pois são considerados grandes reservatórios de transmissão. A evolução é subaguda ou crônica de difícil cicatrização, levando semanas ou mais.
– Outras localizações: vagina, pênis, ouvido, conjuntiva. São mais raras e caracterizam-se pelo exsudato pseudomembranoso.
Diagnóstico Laboratorial da difteria:
- Bacterioscopia direta: possui baixa especificidade, uma vez que existem outras bactérias que possuem as mesmas características morfotintoriais que a Corynebacterium diphtheriae.
- Coleta de secreção da oro e nasofaringe: devem ser coletados 2 swabs – 1º introduzido na nasofaringe (nas duas narinas); 2º para a superfície da garganta, amígdalas e úvula (cautelosamente ao redor da pseudomembrana – placa – para não removê-la). Os swabs são semeados em meios específicos de transporte (PAI ou Loeffler, que são à base de soro) e encaminhados para o laboratório.
- Isolamento: é realizado em meio seletivo para semeadura (com telurito de potássio, que inibe outros membros da microbiota respiratória, como o ágar chocolate telurito) e não seletivo, pois algumas cepas são sensíveis ao telurito (ágar sangue, para detecção de Streptococcus e outras bactérias). O isolamento bacteriano é considerado o “padrão-ouro” para o diagnóstico laboratorial.
- Teste de Toxigenicidade: possui interesse clínico e epidemiológico, para saber se o bacilo é produtor ou não da toxina. Os testes utilizados são de imunodifusão (Elek ou Elek modificado).
Critério laboratorial para confirmação de caso da difteria:
Caso suspeito com:
– Cultura positiva do agente e provas de toxigenicidade positivas;
– Cultura positiva do agente, mesmo sem provas de toxigenicidade positivas.
Tratamento da difteria:
Soro antidiftérico (SAD): é a medida especifica de tratamento. É um soro heterólogo, de base equina. Administrado principalmente por via endovenosa, em unidade hospitalar.
Porém, não possui mais efeito sobre as toxinas já ligadas aos seus receptores. Tem como finalidade bloquear as toxinas que ainda estão sendo produzidas e circulando. Sua administração deve ser baseada a partir de uma suspeita com quadro clínico compatível.
Previamente, recomenda-se fazer um teste intradérmico de sensibilidade (semelhante ao PPD para tuberculose) e, caso seja positivo, realizar dessensibilização do paciente.
Como funciona o teste intradérmico?
Aplica-se 0,1mL de SAD diluído na face ventral do antebraço dentro da derme e, após 20min, verifica-se se houve ou não a formação de um nódulo eritematoso reacional (uma erupção).
O teste será positivo se o nódulo tiver tamanho maior ou igual a 1 cm. A dessensibilização será realizada, portanto, com anti-histamínico administrado 5min antes da aplicação do soro.
- Penicilina G cristalina ou procaína ou Eritrominicina: antibioticoterapia durante 14 dias, como medida auxiliar.
- Carnitina: administrada via oral, como prevenção de formas graves de miocardite. A carnitina é um nutriente à base de Lisina que consegue corrigir a degeneração lipídica, reduzindo a ocorrência de formas graves miocárdicas.
Profilaxia e Controle da difteria:
Vacinação: é a principal medida preventiva.
Rotina para menores de 7 anos:
– DTP (D= toxoide diftérico inativado; T= toxóide tetânico; P= componente celular do Pertussis / Coqueluche) + Hib (componente capsular tipo B do Haemophilus influenzae) – aos 2, 4 e 6 meses de vida.
– DTP 1º reforço: 15 meses.
– DTP 2º reforço: 4 a 6 anos.
– dT (vacina para difteria e tétano para adulto): 1 reforço a cada 10 anos. Possui uma menor quantidade de antígenos.
- Vacina pós-alta: a doença nem sempre confere imunidade. Após a alta, o paciente deve continuar o esquema normal de vacinação.
- Comunicantes (indivíduos que mantiveram contato íntimo com caso suspeito, seja do mesmo domicílio ou não).
– Devem ser submetidos a um exame clínico e vigilância por, no mínimo, 7 dias;
– Verificar a situação vacinal do comunicante para avaliar a necessidade de iniciar ou atualizar o esquema (se esquema vacinal completo: 1 dose de reforço, se o último reforço foi feito há mais de 5 anos);
– Deve-se coletar material (nasofaringe, orofaringe, lesão de pele ou outras) para pesquisa de portadores entre os comunicantes. Se cultura positiva: reexame para saber se o indivíduo é um portador ou já é um caso clínico, visando decidir se ele receberá quimioprofilaxia ( 1 ampola de Penicilina G procaína intramuscular) ou tratamento (14 dias).
– Comunicantes que trabalhem em profissões que envolvam a manipulação de alimentos, ou contato frequente com grande número de crianças (grupo de maior risco) ,ou com pessoas imunodeprimidas, recomenda-se o afastamento dos seus locais de trabalho, até que se tenha o resultado da cultura. Se positivo, o afastamento deverá ser de 48h após a administração do antibiótico.
- Não administrar soro profilaticamente, pois o mesmo pode desencadear um choque anafilático.
Agora, além da epidemiologia, transmissão, patogenia e formas clínicas da difteria, já sabemos como diagnosticar, tratar e prevenir a doença em questão. Sempre reforce a necessidade de manter a caderneta de vacinação do seu paciente em dia!
Bons estudos e até o próximo artigo!
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