Os recém-nascidos (RN) são mais vulneráveis a quadros infecciosos, pois apresentam sistema imune imaturo. A sepse é uma das principais causas de morte no período neonatal, chegando a 50% de mortalidade nos casos em que não é identificada e tratada em tempo hábil. Por isso a importância de você saber reconhecer esta patologia.
Classificação da sepse neonatal
Em relação ao momento de início do quadro, pode ser dividida em sepse neonatal precoce e tardia.
A sepse neonatal precoce é caracterizada pelo início na primeira semana de vida, principalmente nas primeiras 24 a 48h de vida. Embora o tempo de início possa ser controverso, a maioria dos especialistas definem como início nas primeiras 72h de vida. A sepse precoce está associada a organismos adquiridos da mãe, via placentária, via ascendente do colo uterino, adquirida de uma infecção urinária materna ou durante a passagem no trajeto do canal de parto. Os organismos mais associados são estreptococos do grupo B (EGB, S. agalactiae) e a Escherichia coli.
Já a sepse neonatal tardia é aquela que ocorre após a primeira semana de vida e frequentemente está associada à infecção hospitalar, embora também possa ser adquirida na comunidade após a alta hospitalar. Os principais microrganismos envolvidos na sepse tardia são bactérias hospitalar Gram-positivas como Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativos e Enterococcus, além de bacilos Gram-negativos como Enterobacter, Serratia e Pseudomonas aeruginosa.
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Fatores de risco
As causas de infecção neonatal podem ser de origem intrauterina, intraparto e infecções pós-natal. Nos casos de mais de um fator, há risco de 15% a mais de sepse. Os principais fatores de risco são expostos a seguir.
Fatores intrauterinos
- Desnutrição materna e fetal
- Febre materna
- Ruptura prematura de membranas amnióticas (>18h)
- Ausência ou pré-natal incompleto
- Mãe com membranas íntegras submetidas a cerclagem ou amniocentese
- Mãe portadora de EGB sem profilaxia intraparto ou profilaxia incompleta
- Corioamnionite
- Taquicardia materna (>100 bpm)
- Taquicardia fetal (>160 movimentos/minuto)
- Infecção urinária materna
Fatores intrapartos
- Parto prolongado
- Líquido amniótico fétido
Fatores neonatais
- Sexo feminino
- Índice de apgar baixo
- Prematuridade, principalmente se associada a muito baixo peso ou extremo baixo peso
- Líquido amniótico meconial
- Mãe colonizada com EGB não tratada intraparto
- RN que teve necessidade de reanimação
Manifestações clínicas
O quadro clínico é variável e cada criança pode se apresentar de uma forma. Inicialmente, pode haver instabilidade térmica, estase gástrica, taquipneia e apneia. Além disso, o RN pode apresentar hipoatividade, vômitos, queda da saturação, hipotensão, má perfusão e hipotonia. Nos quadros de sepse neonatal tardia, pode ocorrer abaulamento da fontanela e convulsões. Vale destacar que a meningite é mais comum na sepse neonatal tardia.
Sabe-se que os pacientes podem apresentar-se como oligo ou assintomáticos. Assim, nos casos de RN assintomáticos a termo e com fatores de risco, devem ser avaliados com hemocultura e outros exames laboratoriais, como hemograma e proteína C reativa.
Exames complementares
Os principais exames complementares são:
- Hemograma: deve ser coletado de 6 a 12h após o parto. A relação de neutrófilos imaturos/neutrófilos totais elevados (≥0,2 para nascidos a termo) é indicativo de sepse. Vale destacar que 50% dos casos de sepse apresentam hemograma com leucócitos normais.
- Proteína C reativa: um valor maior que 10mg/dL é 90% sensível na detecção de sepse neonatal, porém não é específica.
- Radiografia de tórax: deve ser solicitada em pacientes com sintomas respiratórios.
- Urinocultura: não está indicada de rotina em RN menores que 6 dias. Quando indicada, deve ser realizada por cateter vesical ou punção suprapúbica.
- Procalcitonina: é um precursor do peptídeo da calcitonina liberado em resposta a toxinas bacterianas. É equivalente ou até melhor que a proteína C reativa para detectar infecção bacteriana.
- Hemocultura: é o exame mais importante para diagnóstico de sepse neonatal. O volume ideal é de 2,0mL. A sensibilidade da hemocultura para detectar a bacteremia neonatal é de cerca de 90%.
- Punção lombar: não está indicada em todos os casos. Dessa forma, a punção lombar deve ser indicada em RN com hemocultura positiva; na presença de piora do quadro clínico mesmo em tratamento antimicrobiano; dados clínicos ou laboratoriais sugestivos de sepse bacteriana.
- Reação em cadeia de polimerase (PCR): é um método sensível e específico para diagnóstico de doenças bacterianas e com resultado em curto período de tempo.
Assim, uma ferramenta que utiliza exames complementares e que pode auxiliar no diagnóstico de sepse neonatal é o Escore hematológico de Rodwell. Esse escore utiliza dados do hemograma para precisar o diagnóstico de sepse neonatal. Esse é um método que auxilia no diagnóstico e não deve ser usado isoladamente para diagnosticar a sepse neonatal. Diante disso, um escore ≥ 3 pontos têm sensibilidade de 96% e especificidade de 78%. O escore considera um ponto para cada um dos seguintes achados:
- Leucopenia ou neutrofilia;
- Elevação de neutrófilos imaturos;
- Índice neutrofílico aumentado;
- Razão neutrófilos imaturos/neutrófilos segmentados superior a 0,3;
- Plaquetopenia ≤ 150.000.
Diagnóstico da sepse neonatal
O isolamento de um microrganismo na hemocultura é o único método que confirma o diagnóstico de sepse neonatal, porém seu resultado demora alguns dias e 10% dos resultados são falsos negativos. Logo, é essencial a avaliação clínica e laboratorial com exames complementares para que o tratamento empírico seja iniciado.
Na prática, um diagnóstico presuntivo de sepse autoriza o médico a iniciar a terapia antimicrobiana empírica. Esse diagnóstico é baseado nos fatores de risco maternos e neonatais descritos anteriormente, nas manifestações clínicas e nos exames laboratoriais sugestivos de sepse.
Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais de um quadro sugestivo de sepse neonatal são: infecções virais (citomegalovírus, herpes simples, influenza e vírus sincicial respiratório), sífilis, toxoplasmose congênita, infecções fúngicas e outras infecções bacterianas (infecção do trato urinário, osteomielite e artrite séptica).
Tratamento
O tratamento inicial para todos os casos é suporte clínico, começando com monitoramento dos sinais vitais. Nos casos de choque séptico, os RN devem receber expansão volêmica com solução cristaloide, de preferência soro fisiológico 0,9% na dose de 10 a 20mL/kg de peso, em 30 minutos. Essa expansão deve ser repetida nos casos de diurese insuficiente ou se a pressão arterial média for menor que 30 mmHg. Além disso, drogas vasoativas (dopamina, dobutamina e adrenalina) podem ser necessárias na refratariedade à reposição volêmica.
Sepse neonatal precoce
O tratamento é baseado nos patógenos mais frequentes (EGB e E. coli). Dessa forma, os antimicrobianos mais comumente usados são ampicilina e gentamicina. Nesse sentido, o tempo de tratamento é variável: pacientes sem foco de infecção podem ser tratadas por 10 dias; já nos casos de sepse atribuída ao EGB, devem ser tratadas por 14 dias.
Sepse neonatal tardia
No caso de suspeita de sepse tardia, a cobertura antimicrobiana deve envolver microrganismos associados a infecções hospitalares, incluindo S. aureus, S. epidermidis e Pseudomonas. Portanto, os antibióticos mais usados para tratamento empírico são vancomicina e cefalosporinas de amplo espectro (cefotaxima ou cefepima).
Referências: Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. 4 ed. São Paulo: Manole, 2017. v.2.