Introdução
Você sabe o que é o pulso paradoxal? Já ouviu falar nele? Em termos técnicos, utilizamos a nomenclatura pulso paradoxal para nos referirmos a uma queda superior a 10 mmHg na pressão arterial sistólica durante a fase inspiratória da respiração. É um sinal clínico inespecífico, o qual pode indicar diversas condições, incluindo as possibilidades de tamponamento cardíaco, de pericardite, de apeia obstrutiva do sono crônica, de crupe, além de doenças obstrutivas dos pulmões, como a asma e o DPOC.
Uma visão geral
Sabemos que a pressão arterial sistêmica não é constante, mas varia de acordo com os batimentos cardíacos e entre inspiração e expiração. Normalmente, de forma fisiológica a pressão arterial sistólica diminui em menos de 10 mmHg durante a inspiração, mas um declínio dessa magnitude não é detectável no exame do pulso periférico.
No entanto, algumas condições clínicas são capazes de induzir alterações hemodinâmicas, as quais têm o potencial de aumentar a queda inspiratória na pressão arterial sistólica. Sendo assim, essa queda exagerada na pressão arterial sistêmica durante a inspiração é denominada pulso paradoxal, nomenclatura batizada por Kussmaul (sim, o mesmo do ritmo respiratório de Kussmaul, lembra?).
Nesse sentido, embora Kussmaul tenha chamado esse fenômeno de pulso paradoxal, o paradoxo ao qual ele se referiu não foi propriamente a mudança na pressão arterial, mas sim o fato de que o pulso palpado ao exame é variável, enquanto a atividade precordial é regular. O nome dado pode, portanto, ser um pouco impreciso e levar ao engano, uma vez que a direção da mudança da pressão arterial sistólica é a mesma que em indivíduos normais, embora haja, de fato, uma exacerbação desse fenômeno em determinadas instâncias patológicas. Apesar disso, de qualquer forma, não podemos dizer que o achado em si consiste em um paradoxo.
Fisiopatologia do pulso paradoxal
O que ocorre em condições fisiológicas?
Em condições normais, sempre que inspiramos profundamente ocorre uma redução da pressão intratorácica e, como consequência, há o aumento do retorno venoso para cavidades direitas do coração, ou seja, chega mais sangue ao ventrículo direito (VD). Em seguida, esse sangue que chega tende a promover um discreto abaulamento do septo interventricular em direção à cavidade do ventrículo esquerdo (VE). Nesse sentido, na fisiologia normal, o volume de sangue que aumenta nas câmaras cardíacas direitas e no leito pulmonar durante a inspiração decorrente do aumento do retorno venoso causa uma redução relativa da volemia nas câmaras esquerdas, o que gera uma pequena redução da PA nessa fase do ciclo respiratório.
E em condições patológicas, o que é alterado?
Em algumas condições patológicas, como por exemplo no tamponamento cardíaco, a presença de sangue envolvendo o ventrículo esquerdo causa certa compressão na cavidade e, por isso, esse abaulamento do septointerventricular em direção ao ventrículo esquerdo (VE) durante a inspiração realmente diminui a cavidade do VE transitoriamente, pois o ventrículo esquerdo simplesmente não tem para onde se expandir, já que está sendo comprimido de um lado pelo septo interventricular e de outro lado pelo sangue que o envolve. Dessa maneira, a diminuição da cavidade do ventrículo esquerdo leva à queda do débito sistólico e gera uma diminuição da pressão arterial sistólica de mais de 10 mmHg durante a inspiração, a qual é denominada pulso paradoxal.
Em síntese, pode- se dizer que na inspiração há o aumento do volume no ventrículo direito (VD), devido ao maior retorno venoso sistêmico. Ao mesmo tempo, o volume no ventrículo esquerdo (VE) diminui, devido ao menor retorno venoso pulmonar, sendo esse efeito acentuado no tamponamento cardíaco em outras condições patológicas, devido a equalização da pressão sobre o coração, por não haver, nessas situações, pressão ventricular grande o suficiente para ser capaz de impedir o desvio do septo ventricular para a esquerda.
Qual é a técnica para verificação do pulso paradoxal?
O pulso paradoxal pode ser medido pelo médico usando um esfigmomanômetro operado manualmente. Nesse caso, não existe a opção de se utilizar aparelhos automáticos para a medida da pressão arterial, já que, nesse caso, esses tipos de aparelho não são capazes de medir com precisão o pulso paradoxal. Alternativamente, em pacientes com monitorização contínua da pressão arterial invasiva, o pulso paradoxal pode ser medido diretamente a partir dos registros invasivos da pressão arterial.
Para medir o pulso paradoxal, deve- se utilizar um esfigmomanômetro operado manualmente e proceder com a aferição da pressão arterial na moda padrão, mas com um detalhe adicional: o manguito deve ser esvaziado mais lentamente do que o habitual. Como assim?
Durante o esvaziamento do manguito, os primeiros sons de Korotkoff passam a ser audíveis, com batimentos cardíacos ocorrendo apenas durante a expiração. No entanto, à medida que se progride com o esvaziamento, os sons de Korotkoff tornam-se audíveis em todos os batimentos cardíacos durante o ciclo respiratório. Dessa forma, pode- se determinar a diferença entre a pressão sistólica na qual os primeiros sons de Korotkoff são ouvidos durante a expiração e a pressão em que são ouvidos durante todo o ciclo respiratório, o que quantifica o pulso paradoxal.
Entretanto …
Além disso, o pulso paradoxal também pode ser quantificado por uma medida arterial invasiva e também pode ser observado pela variação da forma de onda da oximetria de pulso. Uma vez que o pulso paradoxal reflete principalmente o declínio inspiratório no volume sistólico do ventrículo esquerdo, tem- se que, quando medido através de uma cânula intra-arterial, tal pulso manifesta- se como um declínio nas pressões sistólica e de pulso, associado a mínima mudança na pressão diastólica.
Quando vigente o pulso paradoxal grave, definido variavelmente em uma medida acima de 10 a 20 mmHg, esse com frequência pode ser palpado nos pulsos radial, braquial ou femoral, o que se traduz pela diminuição ou até mesmo desaparecimento do pulso durante a inspiração. No entanto, na maioria dos pacientes, o pulso paradoxal não é tão grave e é mais facilmente identificado durante o registro da pressão arterial.
Atenção!
Como a profundidade da respiração influencia a gravidade do pulso, o paciente não deve ser instruído a mudar de padrão de respiração durante esta avaliação; ou seja, o paciente não deve ser incentivado a respirar profundamente no meio do exame e qualquer mudança espontânea na respiração entre as observações deve ser levada em consideração. Vale mencionar também que a magnitude das alterações relacionadas ao esforço respiratório pode ser exagerada em pacientes obesos e naqueles com doença pulmonar.
Em que condições é mais comum ser identificado o pulso paradoxal? Ele é um sinal específico de alguma doença?
Não, o pulso paradoxal não é específico de nenhuma condição clínica! Apesar de classicamente ser associado ao tamponamento cardíaco, pode ocorrer também em outras situações clínicas. As condições em que é mais comum haver o encontro desse sinal semiológico incluem as afecções do pericárdio, essencialmente na pericardite constritiva, na pericardite com derrame e no tamponamento pericárdico. Além dessas possibilidades, o pulso paradoxal também pode estar presente em casos de doença pulmonar obstrutiva crônica, de insuficiência respiratória aguda, de asma brônquica e de obstruções respiratórias altas.
Descrição de algumas causas do pulso paradoxal
O que mais causa o pulso paradoxal?
São muitas as condições que podem cursar com o pulso paradoxal. Inclusive, pode- se dizer que a própria hipovolemia também é capaz de gerar o pulso paradoxal em situações de maior gravidade, com grande perda volêmica. Mancionamos aqui as principais condições que cursam frequentemente com pulso paradoxal, tanto as cardíacas, quanto as não cardíacas. Vamos lá?
Problemas relacionados ao coração:
Pericardite constritiva
O pulso paradoxal na pericardite constritiva pode ser detectado em cerca de um terço dos pacientes acometidos pela patologia. A explicação para esse fenômeno ainda não foi totalmente elucidada e não é universalmente aceita. No entanto, acredita- se que a pericardite constritiva previne a transmissão da queda inspiratória da pressão intratorácica para o átrio direito, de modo que não ocorre aumento suficiente do retorno venoso ao coração direito durante a inspiração, quando em vigência do tamponamento.
Por outro lado, também se observa que a queda do enchimento ventricular esquerdo durante a inspiração é maior do que no tamponamento cardíaco, pois o ventrículo esquerdo não percebe a queda da pressão pleural. O coração direito aumenta em volume apenas pela interação ventricular, a qual ocorre, nesses casos, em vigência de um ventrículo esquerdo com volume cavitário diminuído.
Tamponamento cardíaco
As estimativas de incidência de pulso paradoxal no tamponamento cardíaco têm se mostrado amplamente variáveis, com relatos que variam entre 12 a 75 % dos casos. A detecção do pulso paradoxal em pacientes que apresentam derrame pericárdico é bastante importante, uma vez que é considerado que a sensibilidade do pulso paradoxal para tamponamento cardíaco excede 80% e é maior do que qualquer outro achado físico isolado ( Roy CL, Minor MA, Brookhart MA, Choudhry NK. Does this patient with a pericardial effusion have cardiac tamponade? JAMA 2007; 297:1810. )
Além disso, a constatação da presença de pulso paradoxal maior do que 10 mmHg aumenta a probabilidade de tamponamento em cerca de 3,3 vezes, ao passo que a sua ausência diminui bastante essa probabilidade (embora, de fato, não seja capaz de eliminar completamente a possibilidade de tamponamento cardíaco).
O pulso paradoxal também pode, nesses casos, ser um sinal de alerta, uma vez que, em geral, ele é considerado como um possível fator que precede uma deterioração hemodinâmica grave. Portanto, quase todos os pacientes com derrame pericárdico que apresentam pulso paradoxal devem ser avaliados quanto à necessidade de drenagem imediata do líquido pericárdico. Isso porque, nesse caso, se houver efetivamente tamponamento cardíaco, trata- se de uma emergência médica, a qual requer um tratamento rápido.
Condições não cardíacas
Como dito anteriormente, o pulso paradoxal pode ser visto em condições sem patologia pericárdica, incluindo a asm, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a apneia obstrutiva do sono (SAHOS), o pneumotórax hipertensivo, a embolia pulmonar, o infarto do miocárdio ventricular direito (IAM de VD), o derrame pleural bilateral, a cardiomiopatia restritiva, a obesidade, o choque hipovolêmico, o pectus excavatum, a compressão cardíaca extrínseca, dentre outros.
O que ocorre para gerar o pulso paradoxal nessas condições não cardíacas?
Nesse contexto, as causas mais frequentes de pulso paradoxal sem doença pericárdica associada são a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Nessas condições, a variação respiratória na pressão intratorácica, que normalmente varia da pressão atmosférica na expiração final até 2 a 5 mmHg abaixo da pressão atmosférica no pico da inspiração, é muito amplificada e pode chegar a 40 mmHg. Dessa forma, quando essas variações de pressão são transmitidas para a aorta extratorácica e para os vasos que se seguem, o pulso paradoxal pode ser detectado.
É importante ressaltar que quando o pulso paradoxal resulta de uma fonte não pericárdica, a pressão diastólica oscila na mesma medida que a pressão sistólica, e a pressão de pulso é relativamente constante, o que se contrasta com o pulso paradoxal no tamponamento- já que, no caso do tamponamento, há um declínio nas pressões sistólica e de pulso, com mínima mudança na pressão diastólica. Apesar disso, em casos raros de doença pulmonar crônica ou embolia pulmonar, o pulso paradoxal se desenvolve, afetando a pressão arterial sistólica, mas não diastólica, comparável aos achados na patologia cardíaca.
A asma
Na asma, a pressão arterial sistólica pode cair em mais que 10 mmHg, o que se deve ao grande aumento da pressão negativa intratorácica no decorrer da inspiração, associada à elevação da pressão intrapleural durante a expiração (o que, por sua vez, ocorre graças à vigência de obstrução brônquica). Dessa maneira, esse aumento na variabilidade da pressão intratorácica afeta o retorno venoso e, como consequência, afeta também o débito cardíaco e a pressão de ejeção do ventrículo esquerdo (VE).
Sabe- se que um valor detectado na pesquisa de pulso paradoxal acima de 25 mmHg pode designar em adultos asma severa. Já no caso de crianças, esse valor varia entre cerca de 20 a 40 mmHg. Além disso, vale ressaltar que a ausência de pulso paradoxal em casos graves de asma também pode designar agravamento, pois à medida que a insuficiência respiratória progride, pode ocorrer, por conseguinte, certa diminuição do esforço inspiratório decorrente da vigência de fadiga muscular.
Curiosidade: de onde vem o termo pulso paradoxal?
Kussmaul (sim, aquele mesmo do sinal de Kussmaul, que ocorre na percardite constritiva) usou esse termo pela primeira vez em um artigo 1873. Nele, relatava a queda acentuada ou mesmo desaparecimento do pulso radial em pacientes com pericardite constritiva. Ao observar que o ictus cordis não mudava absolutamente nada na inspeção mas o pulso radial desaparecia durante a inspiração, ele optou por batizar esse fenômeno de “pulso paradoxal”, já que não conseguia definir um mecanismo claro que explicasse o achado.
E por que este termo não é adequado nos dias de hoje? Isso ocorre porque, hoje em dia, sabe-se muito bem qual a gênese do pulso paradoxal. Nesse sentido, de forma sucinta, pode- se dizer que o pulso paradoxal nada mais é que uma exacerbação de um fenômeno fisiológico (queda da PA durante a inspiração), não tendo, portanto, nada de paradoxal.