Introdução:
Tenho certeza que você já ouviu falar nesse sobrenome: Janeway. Em alguma aula da sua faculdade, você deve ter se deparado com esse nome, mas aposto que você nunca se perguntou quem era o médico ou o pesquisador que se esconde por trás desse epônimo. Os epônimos, no século passado, eram de grande valia para reconhecermos estruturas anatômicas e/ou achados clínicos de doenças sistêmicas, auxiliando de maneira inenarrável a vida de médicos e acadêmicos de Medicina a formularem um diagnóstico etiológico de maneira mais precoce para os seus doentes.
Edward Gamaliel Janeway:
Filho de George Jacob Janeway e Julia A. Matilda Smith Janeway, Edward Janeway nasceu no dia 31 de agosto de ,1841 no estado de Nova Jersey, (mais especificamente na cidade de New Brunswick), nos Estados Unidos. Primeiramente, se formou em Direito no Colégio Rutgers, em 1860, mas só em 1864, quando se mudou para Nova York, que recebeu o seu diploma oficial de médico, agora pelo colégio de médicos e cirurgiões de Nova York. Após concluir a sua graduação em Medicina, deu início a sua carreira trabalhando no Hospital Bellevue, instituição aonde começou também os seus trabalhos no magistério, assumindo o cargo de professor de patologia e anatomia prática.
Casou-se com Frances Strong Rogers, com quem teve quatro filhos: Theodore, Matilda, Frances e Grace, porém nenhum teve a sorte de chegar até o fim da vida de seu pai. Edward faleceu no dia 10 de fevereiro de 1911, em sua cidade natal.
Contribuições para a Medicina:
Não podemos dizer que sua passagem pela Medicina foi sempre um mar de rosas, pois, no início, Edward se frustrou com a metodologia de ensino da sua universidade, que mantinha a prática médica distante dos conhecimentos teóricos. Mas isso logo foi resolvido com seu estágio no Hospital Bellevue, local aonde conheceu Austin Flint (lembram do sopro de Austin Flint?), sendo o seu sucessor quando Austin veio a falecer, no ano de 1886.
Podemos listar, em ordem cronológica, os cargos adquiridos por Edward Janeway (que não foram poucos), para vocês terem conhecimento de como esse médico se dedicou em crescer profissionalmente e também ajudar no aperfeiçoamento da Medicina. Janeway foi vice-presidente da Sociedade de patologia de Nova York (1874), comissário de saúde por 7 anos, presidente do The New York Journal Association, fundador da Associação de Médicos Americanos (1886), presidente de Medicina Interna no Bellevue Medical College por 6 anos, presidente da Academia de Medicina por 2 anos, entre outros cargos de grande importância nos hospitais por onde trabalhou.
Além de muito se interessar pela área da medicina interna, Janeway também se aprofundou no estudo da saúde pública nos Estados Unidos, estudando doenças que estavam em epidemia na época, como, por exemplo, a Tuberculose. Ele era um profissional bastante interessado no estudo da anatomia patológica, mais especificamente em relacionar os achados clínicos de determinadas doenças com as características da anatomia patológica. Além disso, Edward foi um dos responsáveis por criar a especialidade Medicina Interna nos Estados Unidos, que, até então, não existia oficialmente dentro dos currículos das universidades.
Embora suas grandes contribuições na Medicina tenham sido, de maneira geral, todas bastante importantes para o crescimento da área médica em si, foi ao descrever lesões específicas na pele de pacientes acometidos por uma doença cardiológica que seu nome fez história.
Endocardite infecciosa:
Como já vimos anteriormente, Janeway se destacou ao detalhar um achado na semiologia de doenças cardíacas, sendo uma delas a endocardite infecciosa. Essa patologia nada mais é do que a infecção do endocárdio de um indivíduo por microrganismos, ou até mesmo a infecção da prótese colocada em seu lugar (se o paciente for portador da mesma). Isso ocorre devido a procedimentos que envolvam sangramento de mucosa, como por exemplo uma extração dentária, na maioria das vezes, porém a endocardite pode possuir outras etiologias. Nesses casos de extração dentária, devido a manipulação da cavidade, as bactérias podem chegar até a circulação sanguínea e podem atingir essas regiões cardíacas, aonde irão se aderir com mais facilidade e provocar a doença. Os indivíduos acometidos apresentam uma lesão característica da doença, que é a vegetação, coágulos formados por plaquetas e fibrina que se mostram infectados, podendo até mesmo conter leucócitos e/ou hemácias em seu interior.
Os agentes etiológicos mais frequentes associados à essa condição são Streptococcus spp. e Staphylococcus aureus. As manifestações clínicas podem variar, porém, normalmente, os pacientes costumam apresentar febre, sopro cardíaco, anemia, esplenomegalia e “petéquias” por toda pele e conjuntiva (as manchas ou lesões de Janeway, como veremos a seguir). Todavia, é uma lesão que conseguimos controlar com o uso de uma associação de antimicrobianos, além de algumas medidas para prevenção. As drogas de escolha são oxacilina, penicilina G cristalina e gentamicina, quando o agente etiológico for Staphylococcus, streptococcus e bactérias gram negativas. Quando se suspeitar de infecções hospitalares causadas por S. epidermidis, a vancomicina também pode ser utilizada, possuindo efeito benéfico no tratamento dos indivíduos.
Lesões de Janeway:
Edward Janeway foi capaz de identificar essas manchas nos pacientes que estavam acometidos com o quadro agudo da endocardite. As lesões, que por serem primeiramente identificadas por ele, e receberam o seu nome, caracterizam-se por máculas e pápulas eritemato-violáceas, hemorrágicas, localizadas com mais frequência nas palmas das mãos e nas plantas dos pés. Essas lesões são indolores para o paciente, e estão representando embolias que ocorrem naqueles vasos periféricos. Elas não requerem nenhum tipo de tratamento específico, e, na grande maioria das vezes, somem quando a doença de base que levou ao seu aparecimento é tratada. Além de ser uma manifestação de endocardite infecciosa, as lesões de Janeway também podem ser um sinal de uma outra doença rara chamada aneurisma micótico.
Considerações finais:
Edward Janeway viveu grande parte da sua vida se dedicando à Medicina, trilhando esse belo caminho ao lado de outros profissionais que marcaram a história da medicina interna, como Austin Flint, que descreveu o sopro capaz de diferenciar a estenose mitral de uma insuficiência aórtica grave. É evidente que o reconhecimento daquelas manchas que Janeway correlacionou no século passado com a patologia da endocardite infecciosa trouxe diversos benefícios, tanto para o paciente, como para a saúde pública do Brasil e do mundo, dando oportunidade aos pacientes de serem tratados mais precocemente, diminuindo, assim ,os gastos que os hospitais possuíam com a internação prolongada desses doentes.
Por isso, devemos valorizar o estudo incansável que esses médicos tiveram, pois, embora pareça que eles não fizeram “mais do que a sua obrigação”, as pesquisas representaram inúmeros benefícios para o nosso estudo nos tempos atuais. Logo, da próxima vez que você encontrar um paciente com endocardite infecciosa, que estiver apresentando as manchas de Janeway, lembre-se de Edward e de como foi trabalhoso chegar aonde ele chegou e ser reconhecido pelas suas especialidades.