Você já deve ter ouvido falar em necrose caseosa, e se não ouviu o termo provavelmente sabe o que é superficialmente. Mas, saber superficialmente este assunto não é nada legal, por ser extremamente importante e recorrente na prática médica.
O processo de necrose em si, consiste em um tipo de morte celular. É uma morte acidental (pode ocorrer por exemplo por traumatismos e doenças), um tipo passivo de morte, e que consiste num processo patológico. Ocorre quando a célula chega a um estado de injúria celular irreversível, um estágio de não retorno, em que ela perde a capacidade de restaurar o equilíbrio homeostático. E assim, sem ter condições nem mesmo de gerar energia, ela entra no processo necrótico, que, comumente é chamado de “morte suja”, pois a célula que sofre necrose acaba extravasando todo o seu conteúdo no tecido adjacente.
A necrose é um processo que ocorre sem gasto energético (uma vez que a produção de ATP – “a moeda energética” – está comprometida); seguidamente há perda da estabilidade da membrana (por deficiência da bomba Na/K/ATPase); extravasamento do conteúdo celular; e perda da compartimentalização citoplasmática. Além disso, o núcleo sofre três processos em sequência: picnose (o núcleo reduz o tamanho e a cromatina é condensada); cariorrexia (o núcleo é fragmentado e a cromatina está irregular); e cariólise (perda do núcleo e dissolução da cromatina).
Agora que você já sabe sobre esses conceitos básicos da necrose, vamos à necrose caseosa.
A necrose caseosa é um tipo especial de necrose que possui alguns agentes causadores, como Francisella tularensis, Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis, e Mycobacterium tuberculosis (Bacilo de Koch – o causador da tuberculose), sendo o último o mais frequente.
O Francisella tularensis é um cocobacilo aeróbio gram-negativo intracelular e altamente virulento, sendo considerado como um agente potencial para o bioterrorismo. É o causador da doença conhecida como tularemia. Histologicamente, a doença leva ao desenvolvimento de um granuloma, com centro de necrose caseosa e rodeado epitelioide.
Já o Histoplasma capsulatum é um fungo, contraído pela inalação de conídeos na natureza. Causa a doença histoplasmose. O fungo chega aos alvéolos pulmonares, estimulando uma resposta inflamatória, do tipo Th1, que leva à ativação de macrófagos que então lisam as leveduras intracelulares do fungo. Essa resposta promove a formação de granulomas epitelioides, com células gigantes e necrose parcialmente caseosa central, que posteriormente fibrosam e calcificam.
O Paracoccidioides brasiliensis é um fungo, também contraído por meio da inalação de conídeos na natureza, sendo os pulmões e vias aéreas superiores os primeiros locais acometidos, podendo haver disseminação posterior. Causador da Paracoccidioidomicose, que pode acometer qualquer órgão, mas o pulmão têm sido o local mais relatado na literatura. A doença consiste numa infecção crônica de caráter granulomatoso e progressão insidiosa. O granuloma formado contém a área central de necrose caseosa.
E, o M. tuberculosis, uma micobactéria que suscita um processo necrótico devido a resposta inflamatória. É o causador da tuberculose, com ocorrência principalmente no tecido pulmonar, mas não exclusivamente. O M. tuberculosis é um bacilo, estritamente aeróbico (por isso o pulmão é o primeiro alvo), difícil de ser destruído. Em sua parede celular possui ácido micólico, ceras e fosfatídios. O ácido micólico confere à parede uma resistência maior, além disso estimula resposta imune pela dificuldade do bacilo em ser eliminado, e essa resposta imune se apresenta na forma de inflamação granulomatosa e necrose caseosa. Macroscopicamente, a lesão da tuberculose pode se apresentar em focos pulmonares, o Complexo de Ghon (em geral único, de consistência amolecida) quando a atividade do sistema imunológico foi eficaz e levou a cicatrização da reação granulomatosa. Porém, em casos mais intensos, por exemplo em um indivíduo com imunossupressão (seja por AIDS, radioterapia, quimioterapia, etc), pode ocorrer progressão do quadro necrótico caseoso, formando abcessos e então levando a apresentação de cavidades, as cavernas, que podem ter desde alguns centímetros até ocupar todo o tecido pulmonar.
A necrose caseosa (“caseum”) se apresenta macroscopicamente com aspecto de massa de queijo friável, esbranquiçado e quebradiço.
Microscopicamente, observa-se a formação do granuloma (reação de hipersensibilidade tardia – hiper IV) que corresponde a um processo de inflamação crônica. O granuloma contém:
- área de necrose caseosa central – é gerada pela resposta inflamatória de macrófagos e células T, que pela liberação de diversas substâncias como linfotoxinas (ex.: TNF-alfa), e produtos citotóxicos dos macrófagos (exs.: citocinas, enzimas lisossomais, espécies reativas de oxigênio, óxido nítrico), que levam a uma alteração do meio intracelular, queda do pH e com isso desnaturação proteica e liquefação de lipídios, apresentando-se, portanto, numa área rósea (devido as proteínas tissulares ali presentes) com núcleos picnóticos e em cariorrexe, principalmente na periferia e núcleos em cariólise na região central. As células perdem seus contornos e os detalhes estruturais.
- células epitelióides (macrófagos modificados com aumento do citoplasma);
- células gigantes (células multinucleadas, em que seus núcleos se apresentam organizados em formato de ferradura, também chamadas de Células de Langhan);
- halo linfocitário (Linfócitos T);
- fibroblastos.
Figura 1: Granuloma de tuberculose com necrose caseosa central
Portanto, saber identificar o padrão de necrose caseosa é muito importante, uma vez que a mesma ocorre em algumas doenças, como as descritas acima, sendo algumas menos frequentes na população, e outras com maior frequência, como é o caso da tuberculose. Sendo assim, identificar e compreender a necrose caseosa, em suas causas, mecanismos patológicos e características histológicas, por exemplo, é de suma importância, pois auxilia o profissional no diagnóstico da patologia.
Bons estudos sempre! Abraços!!!