Todas as pessoas precisam dormir, isso é fato! Outro fato é que nós, seres humanos, não hibernamos.
Mas todos nós passamos todos os dias por um ciclo conhecido como ciclo sono – vigília, no qual passamos um certo período acordados, em vigília, e um outro período dormindo.
E é claro que isso varia entre os indivíduos, de acordo com diversos fatores, como, por exemplo, a idade e a rotina.
Temos uma alternância circadiana – entre dia e noite – fisiologicamente. O estado de sono e vigília são completamente diferentes, óbvio, mas uma importante diferença fisiológica é a questão do limiar de excitabilidade cortical.
Na vigília, o limiar de excitabilidade é muito menor quando comparado ao sono, pois durante o sono precisa haver um estímulo muito maior para haver ativação cortical.
Pense em um indivíduo dormindo… Para acordá-lo, o estímulo, como por exemplo a voz, precisa ser mais alto para ativar o córtex e ele acordar.
Se ele estivesse em vigília, esse estímulo poderia ser de menor intensidade e já seria suficiente para promover a ativação cortical, e ele perceber que está sendo chamado.
Relógio Biológico: Vigília
Temos um relógio biológico. Você alguma vez já deve ter ouvido alguém reclamar de ter acordado muito cedo, desnecessária e involuntariamente, e frequentemente culpam o tal relógio biológico.
E, realmente, ele tem uma importante parcela de culpa, juntamente com fatores externos que podem alterar o sono. Esse “relógio biológico” está localizado em áreas do sistema nervoso central, especificamente no núcleo supraquiasmático do hipotálamo, núcleo esse envolvido na vigília.
Um fator que possui importante influência no relógio biológico, mas não obrigatoriamente precisa estar presente, é a luz.
Comparativamente, a luz solar é muito mais eficiente do que a luz artificial, mas ambas promovem o mesmo efeito: ativar o núcleo supraquiasmático e inibir a produção de melatonina, em diferentes intensidades.
Assim, dois mecanismos distintos atuam em prol de manter o indivíduo acordado. Por isso, se você dormir em um local onde há grande quantidade de luz solar pela manhã, você corre o risco de acordar cedo, pois a luz solar pode passar a informação de que está na hora de entrar em vigília.
Os neurônios colinérgicos, produtores de acetilcolina, também desempenham importante papel ativando o núcleo supraquiasmático.
Outro fator externo que induz ao estado de vigília são estímulos externos de maior intensidade, como um grito, toque, ou até mesmo aquele que sempre te acorda pela manhã, o despertador.
Outro estímulo é o estresse que também ativa o estado de vigília, por meio da ação do cortisol – está presente fisiologicamente, principalmente pela manhã, quando ocorre sua liberação pela glândula adrenal.
Todos esses fatores ativam o sistema monoaminérgico ativador ascendente, traduzindo: produção de monoaminas adrenérgicas, como adrenalina, noradrenalina, histamina e serotonina, que promovem ativação cortical, induzindo à vigília.
Quando observamos o estado de vigília em um eletroencefalograma (EEG), há duas apresentações: A primeira é quando você está de olhos abertos, prestando atenção em alguma coisa, ouvindo uma aula, o ritmo é chamado de Ritmo Beta, onde observa-se maior frequência de ondas, porém com uma menor amplitude.
A outra situação é quando você está acordado, porém está recebendo poucos estímulos. Por exemplo, está com os olhos fechados, ou em um lugar silencioso. O ritmo visualizado é o Ritmo Alfa, onde há baixa frequência e baixa amplitude.
O EEG de um estado de vigília é dessincronizado, pois há uma ativação de diferentes áreas do córtex cerebral.
Alterações da Vigília
Diversos fatores podem influenciar no estado de vigília. Um desses é o uso de cocaína. A cocaína aumenta as monoaminas, principalmente a noradrenalina (NOR) na fenda sináptica, e, assim, há ativação do sistema monoaminérgico ativador ascendente, por elevação de NOR, aumentando, assim, o tempo de vigília.
Já os anti-histamínicos, em especial os de 1ª geração, que atravessam a barreira hematoencefálica, e bloqueiam os receptores H1 no sistema nervoso central, provocam uma inibição do estado de vigília e induzem ao sono, pois a histamina é uma monoamina ativadora de vigília e, estando seu efeito inibido, inibe a vigília. Por isso, o paciente que faz uso de alguns antialérgicos tem intensa sonolência.
Existe no mercado farmacológico um agonista, melatoninérgico, como a agomelatina, que é utilizada no tratamento de insônia (“excesso de vigília”), e se liga ao receptor da melatonina, desempenhando o papel de induzir o estado de sonolência.
E já que estamos falando tanto em sonolência, vamos falar um pouco sobre essa ação fisiológica do nosso organismo.
Sono
O sono é crucial para a vida, para nosso bem-estar físico, mental, emocional, e também para o nosso desenvolvimento nas atividades cotidianas.
Pense em alguém que dorme muito mal… Como ela se encontra no dia seguinte? Cansada, sem ânimo, estressada, o rendimento em suas atividades cai muito, concorda?! Isso porque o sono é o momento de descanso mental e físico.
Temos um hormônio muito importante para o estabelecimento do sono, que é a melatonina. A melatonina é produzida pela glândula pineal, nos momentos de escuridão. Sua função é contribuir para a indução da sonolência.
Ela sofre uma importante regulação da luz, como vimos, pois a luz inibe a sua produção. Sendo assim, o pico de produção de melatonina se dá em períodos noturnos de baixa luminosidade.
Temos um outro importante gatilho à indução do sono. Durante o dia, temos um grande metabolismo neuronal, o que gera gasto de ATP, que vai sendo utilizado e levando à geração de adenosina. Essa adenosina se acumula durante todo o dia.
E o que a adenosina pode fazer no SNC? Ela se liga a receptores A1, no elemento pré – sináptico nos neurônios colinérgicos do prosencéfalo basal. Assim, ela impede a liberação de acetilcolina.
Uma vez que a acetilcolina é importante para manter o estado de vigília, a sua ausência leva a dificuldade em tal manutenção, e, com isso, temos o gatilho para iniciar o sono.
Você com certeza já ouviu falar que o café “tira o sono”, ou talvez além de ouvir falar, você mesmo seja testemunha de tal ação. Mas por que isso acontece?
É simples, a cafeína bloqueia os receptores A1, em que a adenosina se liga. Com isso, a liberação de acetilcolina se mantém, e continuamos em vigília, o que causa a dificuldade em iniciar o sono.
Nosso sono é dividido em algumas etapas: o sono NREM (sem movimentos oculares rápidos) e o sono REM (com movimentos oculares rápidos).
O sono não REM, é um sono lento, e não possui movimentos oculares rápidos. Se divide em 4 estágios (I, II, III, e IV). Normalmente, dura cerca de 90 a 120 min, e é o momento em que nosso organismo se repõe fisicamente. Há uma intensificação da atividade parassimpática, com miose, redução da pressão arterial, bradicardia, redução da ventilação pulmonar.
Há também o aumento da secreção de GH – o hormônio do crescimento, umas das causas para crianças e adolescentes necessitarem de mais horas de sono – , há também a secreção de prolactina – o hormônio do leite – sendo muito importante para a puérpera dormir adequadamente, o que, na maioria das vezes, é muito difícil.
O EEG é sincronizado e homogêneo, pois há baixa atividade cortical, os neurônios estão disparando estímulos mais lentamente e em um ritmo sincronizado. Há a presença de Ondas delta, que são ondas de baixa frequência e alta amplitude.
Já o sono REM, dura pouquíssimo tempo, cerca de 5 a 10 minutos, é o sono que promove descanso cerebral e tem-se a percepção de descanso. É o momento em que é mais difícil acordar, pois o indivíduo está mais “afastado do meio externo”.
Ao contrário do sono NREM, no sono REM há movimentos rápidos oculares. A atividade simpática é intensificada, havendo taquicardia, aumento da pressão arterial, taquipneia.
Há também um intenso relaxamento muscular… Sabe quando você está com muito sono e começa a cochilar e a “cabeça cai”? Pois é, isso ocorre no sono REM, por conta do intenso relaxamento.
Mas também podem haver abalos musculares bruscos, o que acaba te despertando devido ao susto. Quanta coisa em um sono com duração tão pequena, não é mesmo!?
É durante o sono REM que sonhamos. Outra importância de ter boas noites de sono, é que durante o sono REM, ocorre a formação de memória, pois as sinapses são formadas. E os homens ainda possuem um efeito que é a ereção peniana durante o sono REM.
É um sono com características paradoxais, pois é o momento de descanso cerebral, mas nessa fase do sono o EEG apresenta-se com Ritmo Beta, o mesmo ritmo de um indivíduo acordado e ativo.
Passamos por esses dois “sonos” seguidamente. Primeiro o sono NREM, passando por seus estágios (duram de 90 a 120 minutos) e depois alcançamos o sono REM, que tem uma curta duração, como vimos.
O sono NREM pode ser encurtado, e o indivíduo passa rapidamente por ele, e, então, chega ao sono REM, mas não se pode partir da vigília e ir direto ao sono REM. Nosso organismo segue a sequência, e isso se repete ao longo da noite, de acordo com o tempo de sono do indivíduo.
Uma pessoa com privação de sono, por exemplo, entra no sono NREM (é encurtado) e rapidamente chega ao sono REM, mas não pula etapas.
E para acordar? Podemos acordar em qualquer dos sonos, seja o NREM ou o REM. Como conversamos, é mais difícil acordar no sono REM, mas pode acontecer. E quando isso acontece, acordamos no sono REM, o resultado pode ser acordar com a sensação de cansaço, mal estar e mau humor.
Transtornos do sono
Vamos falar rapidamente de algumas alterações do sono que podem ocorrer. Temos dois grupos importantes: as dissonias e as parassonias.
Dissonias
As dissonias são transtornos que afetam a qualidade e/ou quantidade do sono, e, assim, interfere nas atividades cotidianas, pois o indivíduo se sente cansado, insatisfeito com o sono, pode levar a dificuldade de concentração ao longo do dia, cochilos.
Os representantes principais desse grupo são: insônia, apneia, narcolepsia.
De acordo com o DSM – IV (Dicionário de Saúde Mental), a insônia é a dificuldade em iniciar ou manter o sono, e ainda não ter um sono reparador.
A apneia do sono é um distúrbio no qual há a cessação da respiração repetidas vezes ao longo da noite, devido ao bloqueio da via aérea por relaxamento da faringe e da base da língua, criando uma barreira à passagem do ar.
O indivíduo geralmente desperta rapidamente, mas muitas vezes nem percebe, pois esse despertar é muito breve e ele dorme novamente. Porém, ainda que sejam rápidos os despertares, eles interrompem o ciclo do sono, o que afeta a qualidade do sono do indivíduo e, no dia seguinte, provoca todos os sintomas das dissonias, como a sonolência diurna.
A narcolepsia, é um distúrbio neurológico que provoca um sono súbito e incontrolável.
Ela possui algumas características importantes em seu quadro clínico: a sonolência excessiva diurna, sintoma importantíssimo, e o que mais afeta os indivíduos; a cataplexia, onde há perda súbita do tônus muscular esquelético, havendo intensa fraqueza muscular, exceto o músculo diafragma que é poupado; paralisia do sono, onde o indivíduo está consciente mas não consegue se mover, falar, fica realmente paralisado porém consciente; alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas que ocorrem durante o sono; e o sono noturno fragmentado, acorda várias vezes, grande movimentação, e o sono não é satisfatório.
Parassonias
As parassonias ocorrem também durante o sono, mas não interferem na qualidade ou quantidade do sono, além de não afetar as atividades do dia seguinte (não há sonolência diurna, cansaço, mal estar, nada). Alguns representantes do grupo são:
Sonilóquios: pacientes que falam enquanto estão dormindo.
Bruxismo: ranger ou apertar os dentes durante o sono.
Paralisia do sono REM: ocorre quando o indivíduo acorda durante o sono REM, sono esse que, como vimos, há um intenso relaxamento muscular. No caso da parassonia da paralisia do sono REM, esse relaxamento se mantém temporariamente quando o indivíduo acorda, incapacitando-o de se mexer.
Pesadelos: ocorrem durante o sono REM, onde sonhamos. O pesadelo é um sonho ruim.
Terror noturno: ocorre na fase IV do sono NREM, não é decorrente de pesadelos. Há gritos e choro, que continuam ao despertar, pois não responde a estímulos rapidamente. Além disso, há amnésia ao episódio ocorrido.
Sonambulismo: ocorre na fase IV do sono NREM, na transição para o sono REM, e o indivíduo pode andar, falar, comer, enfim, realizar várias atividades motoras, mesmo estando dormindo.
Enurese: Urinar na cama durante o sono após os 5 anos de idade.
Gemidos (catatrenia): é uma parassonia que cursa com gemidos profundos e barulhentos durante o sono.
Síndrome da cabeça explosiva: ao adormecer, há a sensação de que a cabeça está explodindo, além de ouvir sons de trovões, tiros, explosões, e etc.
Enfim, muitos podem ser os transtornos do sono, e é importante diferenciar entre parassonias e dissonias.
Como vimos ao longo dessa conversa, o ciclo sono e vigília é muito amplo em suas peculiaridades, e muito interessante, pois, mesmo dormindo, ainda temos padrões, sequências e atividades que são realizadas. A partir de todas essas informações, é bem simples compreender a falta que uma boa noite de sono faz, tanto fisicamente quanto mentalmente.
Espero que vocês tenham captado todas essas informações importantes a respeito da neurofisiologia do sono! Bons estudos pessoal! Abraços!
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Muito bom o texto, bem esclarecedor, Joyce.
Tenho um sensação de breve apagão, algo em torno de um segundo, onde sinto um silêncio assustador quando estou tentando pegar no sono. É intermitente, ocorre de 15 em 15 segundos mais ou menos. Mas essa noite foi bem frequente, quase de 2 em 2 segundos. Já ouviu ou leu algo similar a isso?
Olá, muito obrigado pela mensagem. A sua descrição não permite chegar a uma conclusão, recomendo que procure um médico especialista do sono.
Faço uso recente da melatonina – já tomei zolpidem e acho que o efeito era melhor em mim; com a melatonina tenho muitos pesadelos e acordo com sensação de pânico, coração acelerado. Isso é normal?
A melatonina, quando usada como remédio pode mesmo causar ansiedade, irritabilidade, nervosismo. Para melhorar sua qualidade de sono o recomendável é procurar um especialista que vai conversar sobre e “higiene do sono”, fazer o diagnóstico do seu problema e, se necessário prescrever uma medicação.
Tenho sentido o mesmo