Se existe uma situação que pode estressar um plantão de forma inacreditável, ela se chama Delirium. Às vezes parece que o Delirium se alastra de uma forma incontrolável como uma epidemia,mas a verdade é que hoje estamos com tratamentos mais intensivos, doentes mais idosos e uma medicina cada vez mais hospitalizada.
Isso tudo ajuda a explicar as dificuldades que temos para manejar uma agitação de forma adequada.
A #DicaJaleko de hoje é do Dr. Thiago Peres Martins e da nossa Jovem professora Andréia Loureiro, eles vão expor de forma objetiva como manejar adequadamente a sedação e o Delirium na UTI.
Sedação e delirium na unidade de terapia intensiva (UTI)
A sedação excessiva e o delirium são condições que, se não detectadas e tratadas precocemente, estão associadas ao aumento de morbimortalidade.
De acordo com o princípio de que tratar a doença é melhor do que mascará-la, os sedativos devem ser usados somente quando a dor e o delirium já tiverem sido abordados.
Dor, analgesia e sedação na UTI
Evidências mostram que a maioria dos pacientes que esteve em UTI sentiu dor, de modo que a avaliação e o fornecimento de analgesia adequada são componentes essenciais do tratamento. As consequências a curto prazo da dor não tratada são alto gasto energético e imunomodulação e, a longo prazo, maior risco de estresse pós-traumático. A avaliação da dor no paciente em UTI pode ser difícil, uma vez que este muitas vezes não está suficientemente interativo para fornecer respostas válidas. Indicadores fisiológicos, como hipertensão e taquicardia, tem correlação fraca com outras mensurações válidas de dor.
A escala comportamental de dor (Behavioral Pain Scale – BPS) e as ferramentas de observação de dor em pacientes em estado crítico (Critical-Care Pain Observation Tool – CPOT) são atualmente os melhores métodos de avaliação da dor.
A literatura corrente fala a favor do uso de menor nível sedação possível para os pacientes. Em um estudo que comparou a interrupção diária de sedação com a interrupção determinada por decisão médica, os pacientes nos quais a sedação foi interrompida rotineiramente receberam menor sedação total e permaneceram menos dias na ventilação mecânica (VM) e na UTI.
Outro estudo que realizou interrupção diária de sedação mostrou que essa prática reduziu a administração de benzodiazepínicos, a duração da VM, o tempo de internação em UTI e aumentou a taxa de sobrevivência dos pacientes.
Em um ensaio controlado, no qual todos os pacientes em VM receberam morfina numa abordagem “analgesia primeiro”, comparou-se um protocolo de “não sedação” com um de uso rotineiro de sedação com interrupção diária. O grupo do protocolo de “não sedação” teve menor tempo de internação em UTI e maior tempo fora de VM.
Tomados em conjunto, os estudos mostram que a minimização da sedação tem benefício clínico.
Escolha do sedativo
Os sedativos mais usados em UTI são os benzodiazepínicos (midazolam e lorazepam), propofol, dexmedetomidina e remifentanil (opióde com efeito sedativo). Os benzodiazeopinicos agem por meio dos receptores GABA A ,assim como o propofol,. Já a dexmedetomidina é um agonista α2 e o remifentanil, um agonista do receptor opióide μ.
Tendo como meta um menor nível e duração de sedação, o uso de agentes de curta ação e que podem ser rapidamente ajustados, como propofol e remifentanil, é preferível. Comparado com os benzodiazepínicos, o uso do propofol não leva a redução de mortalidade, mas pode resultar em menor tempo de internação em UTI.
Dexmedetomidina também apresenta vantagens sobre os benzodiazepínicos – uma vez que produz analgesia, causa menos depressão respiratória e aparentemente promove uma sedação qualitativamente diferente, na qual o paciente fica mais interativo, além de estar relacionado a menor ocorrência de delirium e menor tempo de VM. Não há diferença significativa de benefício entre o uso do propofol e de dexmedetomidina.
Quando comparado ao uso de midazolam isolado, midazolam associado a fentanil, fentanil isolado e morfina, o remifentanil apresentou redução do tempo de VM e de UTI, mas ainda há necessidade de estudos mais aprofundados sobre sua terapêutica.
Prevenção e tratamento do delirium
De acordo com a quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) há quatro domínios do delirium : distúrbio de consciência, alteração da cognição, desenvolvimento em um curto período e caráter flutuante das manifestações. A característica mais comum do delirium é a desatenção e esse distúrbio decorre de manifestações inespecíficas, e geralmente reversíveis, de um distúrbio agudo. A fisiopatologia do delirium ainda não foi estabelecida, mas o aumento do risco associado ao uso de agonistas GABA A e anticolinérgicos levam a crer que os sistemas GABAérgico e colinérgico estejam envolvidos.
Estudos com ressonância magnética mostram uma associação direta entre duração do delirium e atrofia cerebral e alterações na substancia branca, indicando que o delirium causa alterações estruturais ou que atrofia cerebral/alterações na substancia branca aumentam a susceptibilidade ao delirium.
O diagnóstico dessa condição é clínico e está associado ao aumento da mortalidade e declínio da função cognitiva a longo prazo. Dentre os fatores de risco identificados estão idade avançada e a presença de mais de uma condição associada ao coma.
Há 2 formas de delirium, o hipoativo e o hiperativo (agitado) – sendo que alguns pacientes apresentam uma forma mista. O hipoativo é caracterizado por desatenção, pensamento desorganizado e decréscimo do nível de consciência, sem agitação (os pacientes com a forma hipoativa tem menor chance de sobrevivência, mas os que sobrevivem, tem melhor funcionalidade a longo prazo do que os com delirium hiperativo ou misto).
Avaliação e monitoramento da sedação e delirium
Escalas de sedação
As escalas mais comuns são a Richmond Agitation Sedation Scale (RASS) e Riker Sedation- Agitation Scale (SAS). Para a maioria dos casos de VM, um alvo apropriado é um escore de SAS 3 à 4 ou RASS -2 à 0, o que corresponde a um paciente calmo, interativo e sem dor . Poucas condições tem indicação de sedação profunda contínua, como hipertensão intracraniana, insuficiência respiratória grave, status epilepticus refratário e no uso de bloqueadores neuromusculares.
Identificação do delirium
As duas escalas mais comuns para identificação do delirium na UTI são a Confusion Assessment Method for the ICU (CAM-ICU) e a Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC). Quando utilizadas sem uma escala de sedação, nenhuma das duas é capaz de diferenciar o delirium hiperativo do hipoativo. Além disso, tanto o CAM-ICU quanto o ICDSC apenas identificam a presença ou ausência de delirium e não dão uma gradação dessa condição.
Prevenção e tratamento do delirium
Prevenção
Em pacientes hospitalizados, a reorientação repetida, redução do barulho, estimulação cognitiva, recolocação de óculos e aparelhos auditivos, hidratação adequada e mobilização precoce podem reduzir a incidência de delirium.
A sedação com dexmedetomidina, quando comparada aos benzodiazepínicos, mostra menor incidência de delirium na UTI.
Tratamento
Um estudo comparando quetiapina versus placebo, mostrou que o delirium foi mais rapidamente resolvido no grupo tratado com quetiapina.
Num ensaio piloto em pacientes com delirium hiperativo, a terapia com dexmedetomidina se associou a menor tempo de intubação e internação na UTI, quando comparada ao haloperidol. De modo semelhante, outro estudo evidenciou mais rápida resolução do quadro com dexmedetomidina, quando comparado ao midazolam. No entanto, ainda não há uma evidência conclusiva sobre uso desse medicamento para o tratamento do delirium.
Conclusão
A evidência literária atual sugere que melhores desfechos estão relacionados ao uso de protocolos nos quais o nível de sedação e a presença de dor e delirium sejam monitorizados, a dor seja prontamente tratada, a administração de sedativos seja a menor possível para o conforto do paciente e que esse seja precocemente mobilizado.
Esqueça de tudo menos isso:
- Sedação excessiva e delirium são condições prevalentes em UTIs e devem ser abordadas precocemente.
- Manter o menor nível de sedação possível está associado a melhores desfechos. Nos pacientes em VM, um alvo adequado seria um nível de sedação SAS 3 ou 4/RASS -2 a 0.
- A sedação com dexmedetomidina leva a menor ocorrência de depressão respiratória, menor tempo de VM e menor ocorrência de delirium, quando comparado aos benzodiazepínicos.
- O delirium é marcado por distúrbio da consciência, alteração da cognição, desenvolvimento em um curto período e flutuação.
- Seu diagnóstico é clinico e essa condição está associada a maior mortalidade.
- Na UTI, as escalas CAM-ICU e ICDSC avaliam a presença de delirium.
- Para a prevenção do delirium, deve-se reorientar repetidamente, promover redução do barulho, estimulação cognitiva, recolocação de óculos e aparelhos auditivos, hidratação adequada e mobilização precoce do paciente.