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História da Medicina: a Epilepsia e seu tratamento

Epilepsia
Escrito por Guilherme Pompeo
4.6
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Você já parou para pensar como que os médicos e as pessoas nos anos, séculos, milênios atrás viam a epilepsia? Será que a viam como uma doença como a vemos hoje? Provavelmente não!

Neste artigo da série “História da Medicina”, vamos comentar um pouco sobre o que temos de dados da trajetória da epilepsia e de seu tratamento até os tempos atuais.

Para começar, quero deixar uma sugestão de videoaula para você, sobre a crise convulsiva epiléptica!

Poucas doenças na história da medicina geraram tanta polêmica e debate quanto a epilepsia. De doença espiritual, à psiquiátrica, posteriormente chegando a sua verdadeira causa neurológica.

O mais velho relato detalhado sobre epilepsia está contido em um manuscrito no Museu Britânico. É um capítulo de um livro texto babilônico de Medicina, que data de 2.000 a.C.

O documento detalha o que conhecemos como epilepsia hoje, porém enfatizando a natureza sobrenatural do acometimento, e cada tipo de ataque era associado com um espírito específico ou deus (em geral, do mal).

Portanto, assim como sua causa (imaginada na época), o tratamento também era baseado em cuidados espirituais.

Isso não era visto assim apenas no tempo babilônico. Em diversas culturas antigas, a doença era associada à possessão de espíritos, ataque demoníacos, feitiçaria, ou experiências proféticas capazes de colocar o indivíduo em contato com algum deus.

EPILEPSIA E PSIQUIATRIA:

Posteriormente, e durante muito tempo, houve uma crença muito forte que as crises convulsivas e epilepsia estavam extremamente relacionadas com doenças psiquiátricas.

Muitos pacientes eram internados em sanatórios para “doentes mentais”. Apenas no século XVIII que se iniciou a separação entre psiquiatria e neurologia.

Ainda nos dias atuais, a epilepsia pode ser confundida com doenças psiquiátricas, muito pelo desconhecimento da população leiga sobre a doença (além de todo estigma ainda proveniente do passado).

UMA PEQUENA LINHA DO TEMPO:

– Grécia antiga (400 a.C.): Hipócrates escreve sobre o assunto, e relata que a epilepsia não era uma doença sagrada nem divina, mas sim um distúrbio cerebral, com forte suspeita de ter origem familiar. No entanto, a maior parte da sociedade (inclusive médica) ainda acredita que a enfermidade estava associada a aspectos místicos.

– 175 d.C: Galeno reconhece que a epilepsia se trata de uma doença cerebral, e a separa em epilepsias de causas desconhecidas e as causadas como resultado de outras doenças.

– Idade Média (final do século XV): em 1482, no período da Santa Inquisição, há grande perseguição aos considerados hereges, e também aos pacientes psiquiátricos e portadores de crises epilépticas. Esses eram candidatos à fogueira, já que toda doença a qual não se conhecia a verdadeira causa, deveria ser considerada fruto de feitiçaria.

– Século XVIII: vários conceitos que se opõem às explicações sobrenaturais e demoníacas para a epilepsia (reparem quanto tempo durou com essa crença). No entanto, o estigma até aquele momento era tão forte que, mesmo com novos conceitos, as concepções antigas não foram alteradas totalmente. Ainda se acreditava que a lua poderia interferir e influenciar nos corpos humanos, podendo estar relacionada com as causas da epilepsia.

É escrito o Tratado da Epilepsia por Samuel-Auguste Tissot, descrevendo diversos tipos de crises e síndromes.

– Século XIX: marcado por diversos avanços nas ciências biológicas e médicas, sendo um século importante no maior conhecimento sobre a epilepsia.

Em 1857, o médico britânico Charles Locock observou as propriedades anticonvulsivantes do brometo de potássio (KBr), um sal. A interpretação que ele teve é que o KBr era capaz de “acalmar o desejo sexual” e que isso estava diretamente relacionado com o sucesso de tratar as crises convulsivas (um conceito totalmente errado).

Em 1868, o psiquiatra escocês Thomas Clouston conduziu diversos testes clínicos para encontrar a dosagem correta de KBr para tratamento das crises convulsivas.

Ele percebeu que realmente os pacientes reduziam a frequência de crises quando utilizavam o sal. Com isso, em meados da década de 1870, toneladas de KBr eram consumidas apenas no Hospital Nacional de Londres.

A partir da segunda metade do século XIX, aparecem os centros especializados em epilepsia na Alemanha. Ainda assim, quando se tornava impraticável que a família mantivesse o cuidado do paciente (por gravidade severa, frequência de crises), os portadores de epilepsia eram enviados para prisões, asilos ou leprosários da época.

Do século XIX à primeira metada do século XX, alguns médicos pelo mundo (inclusive EUA) rotulavam as pessoas acometidas por epilepsia, tendo os seus direitos de matrimônio e até de reprodução restringidos.

– Atualidade: o início do século XX é marcado por grandes avanços e mudanças em diversas áreas da Neurologia. Em 1906, Santiago Ramón y Cajal e Camillo Golgi ganham o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina pelos seus trabalhos envolvendo a teoria do neurônio.

Novos meios de diagnóstico são iniciados, como mielografia, eletroencefalografia, eletromiografia e angiografia.

Todos esses progressos contribuíram para uma melhor compreensão das patologias neurológicas e abriram caminho para a ciência conhecida como Epileptologia hoje.

Atualmente, considera-se que a epilepsia é caracterizada por um grupo de síndromes heterogêneas, influenciada por condições a nível cognitivo, emocional e comportamental. Vários genes humanos foram identificados e relacionados com a epilepsia e há uma compreensão melhor sobre os mecanismos celulares e base da enfermidade.

ERA DE JOHN HUGHLINGS JACKSON:

John Hughlings Jackson (1835-1911), considerado o “Pai da epilepsia”, neurofilósofo, teve um conceito revolucionário para a época sobre a enfermidade.

Descreveu que as crises epilépticas tinham origem no córtex cerebral, secundárias a “descargas” de energia neuronal.

Segundo ele, uma crise convulsiva era apenas um sintoma após descarga desordeira, excessiva e ocasional do tecido nervoso nos músculos.

Foi ele também o precursor para a descoberta das crises convulsivas focais.

A TERAPÊUTICA PRÉ FARMACOLÓGICA:

Diversas foram as tentativas de tratamento para a epilepsia antes da era medicamentosa e do conhecimento real sobre a causa da enfermidade. É extenso a quantidade de relatos de terapêuticas malsucedidas.

Várias práticas aleatórias e até mesmo cruéis existiram até o tratamento eficaz. Temos como exemplos: consumo de sangue humano recentemente morto, uso de “pó de crânio humano”, digitálicos e nitrato de prata, sangria, evitar atividade sexual, dentre várias outras.

Além disso, como durante anos e anos a epilepsia foi relacionada a causas espirituais, as pessoas recorriam a templos e igrejas, amuletos, santos, e as mais diversas crenças.

A PRIMEIRA DROGA REALMENTE EFICAZ PARA A EPILEPSIA:

Foi o sal brometo de potássio (KBr). Um medicamento mais eficaz não foi encontrado até meados de 1912, quando o fenobarbital foi lançado no mercado.

Uma curiosidade é que o KBr ainda é utilizado para o tratamento de crises em cães e gatos (e, por incrível que pareça, em alguns países também utilizado em humanos até hoje).

Após o fenobarbital, houve o surgimento da fenitoína (1938), outro anticonvulsivante. Durante muitos anos, essas foram as únicas drogas utilizadas para esse fim.

Na década de 1980, surgem a carbamazepina e o valproato, drogas muito mais seguras e com menos efeitos adversos. Com o passar do tempo, outros medicamentos foram surgindo e o arsenal para a terapia anticonvulsivante se tornou mais vasto.

Os novos fármacos anticonvulsivantes são mais eficientes e mais seguros. Com eles, é possível controlar a ocorrência das crises em aproximadamente 70-80% dos indivíduos que sofrem com epilepsia.

No entanto, cerca de 20-30% dos pacientes evoluem ou apresentam crises severas e refratárias ao tratamento conservador. No caso de localização específica de uma área cerebral, pode se considerar a ressecção.

Isso depende de diversos fatores, como localização, extensão da área epileptogênica, possibilidade de ressecção.

O ELETROENCEFALOGRAMA (EEG):

Exame importantíssimo para a contribuição no diagnóstico das crises convulsivas, surge nos inícios dos anos 1930, com apenas 1 canal, na Harvard University e Illinois University. Em 1935, na mesma Harvard, já temos o EEG de 3 canais. Atualmente, o mais utilizado possui 12 canais.

CURIOSIDADES: PERSONALIDADES E A EPILEPSIA:

No Brasil, temos relatos de algumas personalidades que sofriam de epilepsia como, por exemplo, Dom Pedro I (acredita-se que possuía transtorno de incidência familiar) e Machado de Assis.

Outras personalidades da História sofriam de crises convulsivas: Pitágoras (582-500 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), Dante Alighiere (1265-1321), Joana D’Arc (1412-1431), Leonardo da Vinci (1452-1519), Napoleão Bonaparte (1769-1821), Alfred Nobel (1833-1896).

EPILEPSIA E CRISES CONVULSIVAS NÃO SÃO SINÔNIMOS!

As crises convulsivas podem ser de diversos tipos como, por exemplo, focais ou generalizadas, e ocorrerem de maneira isolada, uma ou duas vezes, em um mesmo indivíduo durante a vida. Isso não caracteriza epilepsia.

No entanto, no caso de um mesmo individuo apresentar um quadro de duas ou mais crises convulsivas, caracterizando corretamente a repetição dessas ocorrências, seu tipo, e possível causa, aí sim podemos falar que o indivíduo possui o diagnóstico de epilepsia.

PERSISTÊNCIA DAS CRENÇAS:

Apesar de todos os avanços científicos e da disponibilização e facilidade de maior informação nos dias atuais, a crença na origem sobrenatural da epilepsia ainda é um fato.

Em diversas regiões do planeta, como Árabia Saudita, Haiti, comunidades específicas, e até mesmo no Brasil, persiste o “achismo” das causas místicas por trás da epilepsia.

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Guilherme Pompeo

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