Direto ao Ponto: Injúria Renal Aguda (IRA)
A Injúria Renal Aguda, mais conhecida como Insuficiência Renal Aguda (IRA) é uma síndrome caracterizada por perda abrupta da função renal, geralmente acompanhada por oligúria, e fortemente associada com aumento de morbidade e de mortalidade do paciente, em curto e longo prazo, além de desenvolvimento subsequente de Doença Renal Crônica (DRC).
As estimativas da incidência da IRA variam de acordo com a população estudada e com os parâmetros utilizados para seu diagnóstico. Estudos epidemiológicos apontam a incidência de IRA no ambiente hospitalar entre 1,9% e 7%. Quando consideradas os pacientes internados em UTI, 5% a 20% dos pacientes desenvolvem IRA.
DEFINIÇÃO:
As Diretrizes do KDIGO (Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury) definem IRA como: um aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/ dl em 48 horas; ou um aumento da creatinina sérica ≥ 1,5 vezes o valor basal, conhecido ou presumido, como tendo ocorrido nos últimos 7 dias; ou um volume urinário < 0,5 ml/kg/h por 6 horas.
CLASSIFICAÇÃO:
1. IRA Pré-renal: ocorre como uma resposta fisiológica do rim à diminuição na perfusão sanguínea renal, geralmente ocasionada por quadros que cursam com hipovolemia (sangramentos, diarreia, sepse, insuficiência cardíaca, hepatopatia). A IRA pré-renal é a causa mais comum de IRA. Geralmente reversível e sem representação histológica, porém, pode progredir para necrose tubular aguda (NTA) isquêmica se não for tratada adequadamente.
2. IRA Renal: pode ter origem isquêmica ou nefrotóxica (rabdomiólise, mieloma, drogas nefrotóxicas). A principal causa de IRA renal é a NTA que, em conjunto com a IRA pré-renal, é responsável por aproximadamente 75% dos casos de IRA. A sua patogênese envolve alterações do endotélio, com consequente vasoconstrição, resultando em alteração de sua função e morte celular, tanto por necrose quanto apoptose.
3. IRA Pós-renal: ocorre em consequência da obstrução das vias urinárias em qualquer nível extra-renal (pelve, ureteres, bexiga e uretra) como, por exemplo, ocasionada por cálculo ureteral, hiperplasia prostática ou neoplasias.
MANIFESTAÇÃO CLÍNICA:
A IRA é habitualmente acompanhada por redução de diurese. A oligúria é definida como diurese inferior a 400 ml/24h e pode anteceder as alterações dos marcadores laboratoriais. Quando há manutenção da diurese a despeito da perda de função, denominamos a IRA como não-oligúrica (comum na NTA nefrotóxica). A instalação súbita de anúria, definida como diurese inferior a 50 ml/24h, é incomum e sugere a ocorrência de obstrução pós-renal total, trombose arterial bilateral, trombose venosa bilateral ou necrose cortical.
O quadro clínico da IRA é muito variável. Praticamente todos os órgãos e sistemas do organismo podem ser acometidos como consequência de uremia, hipervolemia ou distúrbios hidroeletrolíticos.
DIAGNÓSTICO:
O diagnóstico etiológico da IRA é essencialmente clínico, mas alguns exames complementares são úteis na diferenciação entre as diferentes etiologias possíveis.
Dentre os mais importantes, encontram-se o exame de urina com análise de sedimento urinário, o cálculo das frações de excreção de sódio e ureia, os exames de imagem (USG renal, Doppler artérias renais, tomografia computadorizada) e a biópsia renal (indicada em casos de IRA de etiologia incerta, suspeita de glomerulonefrites, nefrite intersticial e em casos de IRA prolongada – definida como a não-recuperação da função renal dentro de 4 a 6 semanas após o diagnóstico, sem que ocorram novos insultos renais nesse período).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA IRA BASEADO EM ÍNDICES URINÁRIOS:
IRA pré-renal IRA renal (exemplo: NTA)
Relação U/Cr* > 40:1 < 40:1
UNa (mEq/l) * < 20 > 20
FENa (%)* < 1 > 1
FEUréia (%)* < 35 > 50
Osmolalidade U (mOsm/kg) > 500 250-500
Densidade urinária > 1.020 1.010-1.020
Sedimento urinário Cilindros hialinos Cilindros granulares
Relação U/Cr = relação uréia/creatinina séricas; UNa= sódio urinário; FENa= fração de excreção do sódio; FEUréia= fração de excreção da uréia.
TRATAMENTO:
O melhor tratamento da IRA é a sua prevenção. Essas medidas baseiam-se na manutenção da volemia, otimização de débito cardíaco e não-utilização de drogas nefrotóxicas.
A prescrição médica deve ser revista constantemente e a administração de drogas nefrotóxicas evitada sempre que possível. A dose de todas as medicações prescritas deve ser corrigida de acordo com a taxa de filtração glomerular medida ou calculada (equação de Cockcroft-Gault, MDRD).
Quando o uso de drogas nefrotóxicas é indispensável, devemos corrigir a dose de acordo com a função renal do paciente. Algumas drogas podem ter sua concentração plasmática monitorizada.
IRA pré-renal:
O tratamento consiste basicamente na reposição volêmica, na otimização hemodinâmica e nas medidas gerais citadas acima.
IRA pós-renal:
Deve ser tratada com o procedimento desobstrutivo adequado, o qual deve ser realizado rapidamente. A IRA é, em geral, prontamente reversível quando a desobstrução é feita em horas a poucos dias. Entretanto, obstruções prolongadas, de semanas a meses, podem determinar lesão crônica, de caráter irreversível.
IRA renal:
O tratamento depende da etiologia. O tratamento de vasculites e glomerulopatias é complexo e baseia-se no uso de imunossupressores e corticosteroides. Em casos de Nefrite intersticial aguda, além da suspensão da droga causadora, a administração de corticosteroide pode ser útil.
Terapia de Reposição Renal:
Apesar de ainda haver muita discussão na literatura, para a IRA ainda não existe consenso sobre o momento ideal para o início da diálise, o melhor método dialítico a ser utilizado e a dose de diálise a ser administrada. Ainda assim, sabemos que o procedimento dialítico não deve ser iniciado tardiamente, quando as complicações urêmicas e congestivas já estão avançadas, expondo o paciente a riscos desnecessários. As indicações clássicas para o início de diálise são: edema pulmonar não responsivo a tratamento conservador; hipercalemia não responsiva a tratamento conservador; acidose metabólica não responsiva a tratamento conservador; uremia sintomática (encefalopatia e pericardite).