Quando falamos da descoberta de alguma medicação inovadora sempre é algo que repercute de maneira gigante a humanidade, a indústria farmacêutica e a medicina em si. Não foi diferente com a descoberta e uso da classe de drogas dos betabloqueadores. Atualmente, importante no tratamento de diversas condições clínicas, muitas delas com redução de mortalidade, os betabloqueadores fazem parte de um grande avanço e inovação para a medicina da época.
O primeiro betabloqueador oficialmente “descoberto”, reproduzido e utilizado pela indústria farmacêutica no tratamento de doenças, foi o propranolol. Este foi “descoberto” no ano de 1964 e, a partir dele, houve um marco na inovação terapêutica de doenças cardiovasculares, modificando o que se conhecia sobre estas até então.
COMO AGEM OS BETABLOQUEADORES?
Como o nome já diz, eles bloqueiam algum receptor “beta”. E que receptor seria esse? Bom, a classe tem como principal ação o bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos (alguns são seletivos para um tipo de receptor, outros não).
A HISTÓRIA POUCO CONHECIDA DOS BETABLOQUEADORES:
Tudo começou aproximadamente na metade do século passado, época em que os laboratórios Eli Lilly, nos Estados Unidos (EUA), mais precisamente em Indianópolis, começaram projetos de pesquisas com o objetivo de alcançar medicamentos que atuassem ao nível da resposta fisiológica da adrenalina. Com isso, o químico John Mills sintetizou análogos modificados de adrenalina. Como resultado, obteve um derivado com grupamento estericamente mais volumoso do que a substância original (derivado conhecido como isoproterenol) e posteriormente foi modificado quimicamente pela caracterização de propriedades antidrenérgicas que possuía.
Em 1958, o composto final conhecido como dicloroisoprenalina (DCI) foi estudado em laboratórios de farmacologia liderados por Irwin Slater, que publicou e descreveu as propriedades antiadrenalina da substância no Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics (JPET).
Com isso, diversos estudos foram iniciados em diversos laboratórios do território norteamericano, chegando às conclusões dos efeitos antiadrenérgicos da substância, principalmente no tecido cardíaco.
JAMES W. BLACK E O AVANÇO DA HISTÓRIA:
Depois desses anos iniciais, os resultados chegaram ao conhecimento de James W. Black, médico escocês que lecionava fisiologia na Universidade de Glasgow. Black era um grande entusiasta da fisiologia da angina pectoris e outras enfermidades cardiovasculares. Também atuava nos laboratórios da Divisão Farmacêutica da Imperial Chemical Industries (ICI), em Londres, com grande interesse em substâncias que pudessem ter efeitos betabloqueadores (realizava experimentos com a DCI e outros fármacos). Entre essas substâncias utilizadas em estudos estava o pronetalol, derivado da DCI, porém modificado em um grupo naftila. Esse composto chegou a ser lançado no mercado e utilizado via oral com efeito betabloqueador seletivo, atuando como tratamento de angina. Algum tempo depois também verificaram efeitos hipotensores em pacientes com diagnóstico de hipertensão arterial e que utilizavam o pronetalol.
A GRANDE “SACADA” DE JAMES BLACK:
O médico escocês sabia que a adrenalina era secretada em maior quantidade durante períodos de estresse do corpo humano, e culminava em aumento da frequência cardíaca e na força da contração do miocárdio (ou seja, cronotropismo e inotropismo positivo). Com isso, raciocinou que se pudesse reduzir essa resposta cardíaca à adrenalina, também conseguiria contribuir para o tratamento de pacientes portadores de cardiomiopatia.
Com sua atenção voltada aos receptores beta (como mencionado no tópico anterior), Black e seus colaboradores foram adicionando cada vez mais alterações aos compostos já descobertos. Sua tentativa foi obter uma substância cada vez mais parecida com a molécula da própria adrenalina, tendo como objetivo e hipótese que o composto pudesse se ligar ao receptor e bloquear a ação da mesma. A comparação utilizada pelos pesquisadores na época era “como se enfiasse um chiclete em uma fechadura para evitar que uma chave abra a porta.”, técnica que ficou conhecida como design racional.
Com a determinação daquele médico escocês, certamente algo de bom ocorreria para a Medicina da época.
O PRIMEIRO MEDICAMENTO BETABLOQUEADOR, O PROPRANOLOL:
No início dos anos 1960, Black descobriu o primeiro medicamento betabloqueador clinicamente importante, o propranolol, que serviu como um gatilho para mais e mais pesquisas sobre betabloqueadores, substâncias que seriam importantíssimas para diversas condições clínicas futuramente.
Talvez foi uma das primeiras drogas do mundo capaz de gerar bilhões de dólares para a indústria farmacêutica como conhecemos hoje.
O PRÊMIO NOBEL:
Em 1988, Black recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho de design de medicamentos, que incluiu também a criação da cimetidina, usada em síndromes dispépticas.
Quando informado que havia ganhado o prêmio, Black brincou: “Gostaria de ter meus betabloqueadores às mãos.”.
Vocês conseguiram entender a “piadinha” do grande médico? Caso não tenham entendido, conseguirão compreender no tópico que falamos das aplicações clínicas dos betabloqueadores.
QUAIS SÃO AS APLICAÇÕES CLÍNICAS DOS BETABLOQUEADORES?
Vocês já devem saber que possuímos diversos betabloqueadores no mercado atualmente. Uns seletivos, outros não; alguns com redução da mortalidade cardiovascular em pacientes com insuficiência cardíaca, outros não; e por aí vai. Exemplos de betabloqueadores, além do propranolol: nebivolol, bisoprolol, carvedilol, atenolol, metoprolol…
Algumas das indicações do uso dos betabloqueadores: tratamento da angina de peito, uso em pacientes com insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida (é uma das classes capazes de reduzir a mortalidade cardiovascular desses pacientes, ou seja, são “cardioprotetores”), controle da frequência cardíaca, tratamento da hipertensão arterial (embora não sejam medicações de escolha para tal. Atualmente, estão como uma das últimas opções, caso a única indicação seja a hipertensão arterial), em arritmias cardíacas, na profilaxia da migrânea (enxaqueca), no tratamento do glaucoma, na ansiedade de desempenho (ex.: pessoas que ficam muito ansiosas e nervosas de forma impeditiva quando necessitam se apresentar em público), redução de alguns tipos de tremores.
E AÍ? O QUE ACHAM? A DESCOBERTA DOS BETABLOQUEADORES FOI OU NÃO FOI UM DOS MARCOS DA NOSSA MEDICINA?