Você já imaginou um mundo sem cateterismo cardíaco e sem angioplastia coronariana? Você já parou para pensar como seria a cardiologia e a Medicina sem a angioplastia coronariana?
Bom, nesse artigo vamos falar um pouquinho sobre a história dessas duas técnicas. Quando surgiram, os nomes mais importantes para os seus avanços, como isso ocorreu no Brasil e muito mais.
Porém, antes de entrarmos nele, vou deixar uma videoaula aqui para você, a qual aborda tudo o que envolve a Doença Coronariana…
Agora vamos lá!
UMA PEQUENA INTRODUÇÃO:
Como outros artigos que já escrevi sobre a série “História da Medicina”, vamos trazer mais uma descoberta que causou um avanço muito importante no tratamento e no diagnóstico de diversas condições médicas.
Poucas inovações na história da medicina tiveram tanto impacto diagnóstico e terapêutico quanto o cateterismo cardíaco associado a cineangiocoronariografia.
O que possibilitou chegarmos ao exame de cineangiocoronariografia e, posteriormente, o surgimento de técnicas como a angioplastia foi a existência e descoberta dos raios-X, realizada por Wilhelm Konrad Roentgen (físico alemão), em 1895.
OS PRIMÓRDIOS DO CATETERISMO CARDÍACO:
A ideia de se colocar cateteres e tubos em vasos realizada em diversas oportunidades. No século XVIII, Stephen Hales aferiu a pressão arterial de cavalos através da ascensão da coluna sanguínea em tubos colocados nas carótidas e jugulares dos animais.
Já em 1861, dois franceses, o veterinário Jean-Baptiste Auguste Chauveau e o médico Etiene-Jules Marey, ambos interessados nos sons e eventos cardíacos e nas ondas de pressão arterial, iniciaram investigações para confirmar que o ictus cordis se iniciava com a sístole (afirmativa realizada por William Harvey).
Dessa forma, inseriram dois tubos no coração de um cavalo acordado e descreveram as curvas das pressões obtidas.
Esse foi o primeiro trabalho descrevendo medidas simultâneas a pressão arterial, ventricular direita, ventricular esquerda e de aorta através do uso de cateteres, demonstrando que a sístole ventricular e o batimento do ápice cardíaco se iniciam e se encerram simultaneamente.
Além disso, também foram os primeiros a fazerem referência à fase isométrica da contração cardíaca.
Seguindo nessa linha, Marey quase criou a cinecardiografia. Em 1882, construiu seu “canhão fotográfico”, estrutura capaz de documentar movimento. Com essa “engenhoca” ele conseguiu 24 figuras por segundo observando o voo das aves (isso seria um precursor para a cinecardiografia).
O INVENTOR DO CATETERISMO CARDÍACO:
Um jovem médico alemão, inconformado com diagnósticos muitas vezes errados com os artefatos que possuíam na época (verificação do pulso, estetoscópio, eletrocardiografia e radiografia), conseguiu inventar o cateterismo cardíaco.
Depois de alguns anos, Werner Forssmann confessou que a inspiração veio do trabalho de Etiene-Jules Marey:
“Como estudante, vi a reprodução de uma antiga gravura num livro de fisiologia. Originou-se de um trabalho de Marey que mostrava tocante, ingênue apresentação de um homem parado diante de um cabalo e segurando um tubo que havia sido introduzido pela veia jugular no coração do animal. O lúmen do tubo era fechado por uma borracha que, dentro do ventrículo, transmitia as modificações pressóricas para um tambor de Marey e, consequentemente, para uma pena que desenhava as curvas de pressão.Essa figura excitou-me em tal grau que me perseguia dia e noite. Mesmo hoje eu a vejo extamente quando fecho os olhos. As palavras desses clássicos fisiologistas franceses convenceram-me de que seus estudos experimentais podiam ser aplicados sem perigo no homem”.
Além dos propósitos anunciados acima, o objetivo imediato de Forssmann foi encontrar “uma maneira satisfatória para injeção intracardíaca de droga”. Sendo assim, aos 25 anos, em 1929, Werner aoresentou a ideia de cateterizar o coração ao seu chefe e amigo, Professor Richard Schneider.
Na época, o professor achou uma ideia excelente, mas a enfrentou de forma desconfiada e com temor. Sugeriu mais experimentos com animais, enquanto Forssmann achava desnecessário, pois já havia treinado diversas vezes a inserção de cateteres em ventrículos direitos de cadáveres.
Com isso, o médico alemão decidiu agir por conta própria e, após a tentativa de convencer algumas pessoas de o ajudarem para inserir um cateter em sua própria veia braquial de maneira frustrada, ele conseguiu fazê-lo.
Anestesiou sua própria fossa antecubital esquerda e inseriu um cateter uretral e 65 centímetros em sua veia braquial. Após isso, foi até a sala onde se encontravam os raios-X e se colocou atrás de um fluoroscópio e, através disso, e com um espelho segurado por Gerda DItzen (sua enfermeira ajudante), ele controlava a progressão do cateter até o coração.
Na primeira tentativa desse procedimento, o cateter não atingiu o ventrículo direito como o médico havia calculado, não atingindo nem a aurícula.
Em 5 de novembro de 1929, no Klinische Wochenschrift (um importante jornal médico europeu, desde 1888), foi publicado o primeiro artigo sobre o cateterismo cardíaco humano. Na época, não foi tão bem visto pelos seus colegas médicos. Chegou a ser acusado até mesmo de plágio.
“Contra tudo e contra todos”, Forssmann seguiu determinado e continuou se autopuncionando e inserindo cateteres até seu coração, além de usar animais para inserir esses dispositivos e injetar contraste para “melhorar o diagnóstico cardíaco”.
Em 1931, em um congresso de cirurgia, apresentou seus resultados e foi praticamente boicotado, com os colegas se demonstrando desinteressados. Na ocasião, quem o consolou foi seu tio, médico de área rural, dizendo: “Não se entristeça. Estes idiotas não compreendem o que você tem na cabeça. Um dia você ganhará o Prêmio Nobel.”.
Durante algum tempo ainda fez vários experimentos se usando de cobaia e com outros animais, mas Forssmann não soube lidar com as críticas e desprezo dos colegas médicos, mudou de especialidade e nunca mais escreveu sobre cardiologia (é muito curioso como as pessoas que mais contribuíram para revoluções, ou descobertas revolucionárias, são vistas inicialmente como loucas ou com um certo desprezo – talvez por estarem realmente à frente de seu tempo).
Levou mais de uma década para o método do jovem médico alemão vencer os preconceitos, medos e dificuldades técnicas para, então, começarem as pesquisas sobre o tema nos Estados Unidos (EUA).
Depois da 2ª Guerra Mundial, médicos ingleses e alemães passaram a prestigiar Forssmann e diversos estudos começaram a ser realizados e a técnica cada vez mais aprimorada.
Em 1956, como previu seu tio lá em 1931, Forssmann ganha o Prêmio Nobel de Medicina, em conjunto com Cournand e Richards, pelo pioneirismo sobre o cateterismo cardíaco.
Ironia da vida e do destino, esse gênio faleceu em 1979, após 2 episódios de infarto agudo do miocárdio.
Falando nessa complicação, sugiro que você assista a uma videoaula do Jaleko sobre a Abordagem ao Infarto de Miocárdio, para complementar o seu estudo
A CORONARIOGRAFIA DO CATETERISMO CARDÍACO:
Apesar de desde 1931 o cateterismo cardíaco ter sido descoberto, um longo caminho teve de ser percorrido até o contraste injetado no coração por Forssmann viesse a ser injetado também nas coronárias.
Esse fato foi realizado pela primeira vez pela escola sueca de medicina. Em 1933, Rousthoi e Reboul e Racine descreveram a opacificação parcial das artérias coronárias após realização de aortografia ascendente respectivamente por punção arterial e por punção ventricular esquerda.
Nesse trabalho, Rousthoi demonstrou que o coração do rato poderia ser contrastado após punção da carótida direita do animal, chamando o procedimento de angiocardiografia e extrapolou afirmando que isso também poderia ser realizado em humanos.
Cinco anos depois, Robb e Steinberg demonstratam que o coração, vasos centrais e aorta poderiam ser visualizados em filmes radiológicos a partir de injeção venosa periférica de contraste. Em 1939, Castellanos e Pereira conseguem adquirir um aortograma após injeção de contraste em artéria braquial.
Nos anos seguintes, várias e várias pequenas ténicas foram sendo demonstradas. Em 1947, após aprimorar muito suas técnicas, Radner, na Suécia, entrou com cateter na artéria radial, atingindo a aorta e injetou contraste perto das válvulas semilunares, conseguindo visualizar as coronárias.
Sones foi capaz de introduzir uma técnica que injetava contraste de forma seletiva nas coronárias, o que seria, de fato, a precursora da cineangiocoronariografia atual.
Em 1950, surgiu o intensificador de imagem, que permitiu a filmagem contínua de uma cineangiocardiografia, com imagens mais nítidas e necessidade de menor volume de contraste e menor exposição à radiação.
Entre 1959 e 1962 foram realizadas as primeiras mil coronariografias por dissecção braquial no laboratório de Sones.
A PRIMEIRA CORONARIOGRAFIA NO BRASIL:
O primeiro procedimento deste tipo (através da técnica de Sones), no Brasil, foi realizado por J. Eduardo Sousa, em 1966, no Institudo Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo.
A ANGIOPLASTIA CORONARIANA:
Como várias outras descobertas na ciência e na medicina, o conceito de angioplastia surgiu por acaso. Em 1960, Dotter viu regredir uma placa aterosclerótica numa artéria ilíaca após a passagem de um cateter diagnóstico.
Isso acendeu uma luz de alerta. Dotter ficou curioso e pensou que seria possível realizar dilatação vascular com cateteres e iniciou sua pesquisa com cadáveres.
Em 1964, programou, em conjunto com Melvin Judkins, a primeira dilatação. Realizada em uma mulher de 82 anos com obstrução arterial de poplítea.
Após descreverem o método, conseguiram publicar na Circulation o tratamento de 11 paientes com obstrução arterial de membros inferiores após a inserção de cateteres (vários cateteres eram sobrepostos um após o outro). Esse foi o método que introduziu a ideia de angioplastia.
No entanto, as complicações desse método eram diversas e numerosas, como sangramentos, dissecções arteriais, tromboses, e acabou sendo abandonado. Apesar disso, a ideia de dilatar artérias e, posteriormente, as coronárias, permaneceu!
Na década de 1970, Richard Myler e Dotter tentaram desenvolver balões para a dilatação de artérias coronárias e periféricas, sem muita atenção do meio médico. No entanto, surgiu Andreas Gruentzig.
. O balão de Gruentzig: Andreas Gruentzig era um médico alemão que, após diversos estágios na Alemanha, foi à Suíça e começou a desenvolver um balão associado ao cateter de Dotter, em 1972. Meses após meses foi tentando aperfeiçoar a forma e os materiais dos balões. Em 1973 e 1974, utilizou, tanto em animais quanto em humanos, sua criação dentro de artérias com placas ateroscleróticas. O médico inseria o cateter com o balão, ultrapassava a placa e insuflava-o, esmagando a mesma e refazendo a circulação sanguínea. Dessa forma, foi criada a angioplastia transluminal percutânea.
Ano após ano, as técnicas e materiais foram sendo aprimorados, até chegar na alta tecnologia e variedade do que temos hoje.
GRANDES MARCOS DA ANGIOPLASTIA – UMA PEQUENA REVISÃO:
– Em 1964, os radiologistas americanos Charles Dotter e Melvin Judkins usaram a angioplastia com balão para tratar a doença aterosclerótica em uma artéria da perna;
– Em 1977, o cardiologista alemão Andreas Gruntzig realizou com sucesso uma angioplastia com balão em artérias coronárias.
– Em 1986, Dotter e outros colegas implantaram stents expansíveis em artérias coronárias.
Hoje, todas essas técnicas citadas no artigo são muito utilizadas para diversos tipos de testes diagnósticos e intervenção terapêutica, com materiais cada vez mais confiáveis e excepcionais, com técnicas cada vez mais seguras, reduzindo exponencialmente os riscos de complicações dos procedimentos e aumentando cada vez mais o sucesso terapêutico.