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A Doença Arterial Coronariana é diferente nas mulheres?

Doença Arterial Coronariana
Escrito por Guilherme Pompeo
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A doença arterial coronariana (DAC) é uma das principais causas de morbimortalidade do mundo. Como sabemos, as doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito no planeta. Sendo assim, há uma gama enorme de dados e estudos sobre tais assuntos.

Inclusive, na Plataforma do Jaleko, contamos com uma videoaula completíssima sobre a Doença Coronariana.

O que todos nós sabemos é que a doença arterial coronariana pode se manifestar de forma mais atípica em pacientes idosos, diabéticos e também nas mulheres. Nesta última população, não só os sinais/sintomas, mas os valores e resultados de exames complementares diferem em relação aos homens. Com isso, este artigo vai tentar abordar alguns dos tópicos mais importantes sobre as peculiaridades da DAC no público feminino.

ALÉM DISSO TUDO, QUAL A IMPORTÂNCIA DE CONHECER ESSAS PARTICULARIDADES?

Bom, durante muito tempo houve uma subestimação da importância da DAC em mulheres. No entanto, ela também é a principal causa de morte no sexo feminino. E, há sim, muita diferença da DAC nas mulheres.

Por incrível que pareça, as mulheres são mais propensas a hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, hipercolesterolemia, doença vascular periférica e angina instável, sendo esta última mais grave do que no sexo masculino. Do ponto de vista morfológico, em comparação aos homens, apresentam uma doença menos extensa ou menos grave.

Embora as mulheres apresentem menor incidência de infarto agudo do miocárdio (IAM) do que os homens, as taxas de morbimortalidade são mais altas.

DIFERENÇAS NA ANATOMIA E NA FUNÇÃO DO SISTEMA CARDIOVASCULAR:

O coração feminino, após a puberdade, tem dimensões menores, além de menor massa e complacência de ventrículo esquerdo (VE), e os vasos coronarianos também são menores e menos elásticos do que os dos homens (essa diferença permanece mesmo após se ajustar pela superfície corporal de homens e mulheres).

Isso pode explicar, em parte, o maior índice de mortalidade perioperatória e os altos índices de complicações periprocedimento relatados em mulheres (terapia de reperfusão).

Há maior grau de aterosclerose, disfunção endotelial e do músculo liso no sexo feminino.

Na área diagnóstica, as mulheres apresentam angina com maior frequência em testes ergométricos, mesmo com cineangiocoronariografia normal (conhecido como “síndrome X”) – até o momento atribuída à disfunção endotelial.

O QUE PODE JUSTIFICAR ESSAS DIFERENÇAS?

Além de toda distinção da própria anatomia, acredita-se que a função hormonal tenha papel fundamental nisso. Por exemplo, a expressão do óxido nítrico (ON), que é responsável pela dilatação vascular, é regulada por estrogênios, que também regulam a atividade da ON sintetase – maior disponibilidade de ON nas mulheres do que nos homens.

O mesmo hormônio também influencia no metabolismo das lipoproteínas hepáticas. Os hormônios masculinos e femininos também atuam na manipulação do cálcio no miocárdio, causando diferenças na função cardíaca de acordo com o gênero.

Por fim, as células endoteliais e da musculatura lisa femininas transportam receptores que possuem uma ligação mais forte aos estrogênios.

GUILHERME, ENTÃO HÁ ALGUMA JUSTIFICATIVA PARA TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO HORMONAL EM DOENÇAS CARDÍACAS LIGADAS ÀS MULHERES?

Não! Não há embasamento científico algum para esse tipo de terapia como prevenção ou tratamento de doenças cardiovasculares em mulheres.

HÁ ALGUMA DIFERENÇA TAMBÉM NOS BIOMARCADORES (PROTEÍNA C REATIVA, TROPONINA, CPK, BNP…)?

Como era de se esperar, sim! As mulheres são mais propensas a apresentarem aumento de proteína C reativa (PCR) e de BNP, enquanto homens a creatinafosfoquinase (CPK) e de troponina.

ANTES DA MENOPAUSA AS MULHERES ESTÃO MAIS PROTEGIDAS EM RELAÇÃO A IAM DO QUE OS HOMENS?

Sim! Conhecidamente as mulheres possuem uma proteção biológica, antes da menopausa, para a ocorrência de IAM. A DAC apresenta-se, geralmente, dez anos mais tarde e o IAM 20 anos depois nas mulheres em relação aos homens.

DIFERENÇA EM RELAÇÃO AOS SINTOMAS DA DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA:

Em mulheres, no quadro inicial de DAC, a angina de peito é o sintoma predominante, enquanto nos homens pode ser o IAM ou a morte súbita.

Segundo o Coronary Artery Surgery Study (CASS), cineangiocoronariografias (cateterismo cardíaco – CATE) são normais em cerca de 30% das mulheres com quadro de angina típica, contra apenas 7% no sexo masculino. Em 64% da população feminina com DAC, a manifestação é de angina atípica, enquanto nos homens apenas 34%.

Quanto à ocorrência do IAM, o sintoma de dor torácica é o mais comum em ambos os sexos, mas as mulheres são mais propensas aos relatos de sintomas atípicos, como dispneia, dor abdominal, dor na região cervical, no ombro, além de náuseas e vômitos. E, como relatado anteriormente, as mulheres apresentam DAC com sintomas mais graves para uma mesma extensão de doença.

E QUANTO AO DIAGNÓSTICO DA DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA?

Como há um número elevado de mulheres com dor anginosa em que o CATE se apresenta completamente normal, no sexo feminino se preconiza que o diagnóstico seja realizado com uma constatação objetiva, além da história clínica.

UM GRANDE DILEMA: O TESTE ERGOMÉTRICO PARA PESQUISA DE DAC EM MULHERES.

O teste ergométrico, com avaliação do eletrocardiograma durante o esforço, é uma boa ferramenta para a pesquisa de sinais/sintomas de isquemia miocárdica em pacientes que estão em busca desse diagnóstico.

No entanto, no público feminino, há alguns pormenores!

O fato de possuírem artérias, lesões coronarianas, VE menores, além de doença de vaso único, doença microvascular, espasmos vasculares, limitação ao exercício, artefatos nas imagens secundários à sobreposição das mamas, menor fração de ejeção do VE e influências hormonais, contribui para padrões no eletrocardiograma que sugerem isquemia miocárdica, muitas vezes significando testes falso positivos (ou seja, o exame fornece resultado positivo, em um paciente que não possui a doença).

Sendo assim, o teste ergométrico nas mulheres, em busca de isquemia miocárdica, é um exame com baixa sensibilidade e baixa especificidade. Por outro lado, um teste de esforço com resultado negativo para isquemia em uma mulher, tem um alto valor preditivo negativo, ou seja, há um alto valor diagnóstico para inexistência de DAC.

QUASE TERMINANDO – HÁ DIFERENÇAS NO TRATAMENTO DA DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA?

As estratégias terapêuticas tendem a ser, historicamente, menos agressivas nas mulheres do que nos homens. Além disso, são menos submetidas a intervenções agudas como trombólise, CATE, angioplastia coronariana e cirurgia de revascularização miocárdica. Isso provavelmente se deve à subestimação que ocorre da DAC no sexo feminino, além da maior presença de sinais / sintomas atípicos.

Por incrível que pareça, não só as estratégias invasivas, mas também a prescrição de drogas importantes para a prevenção secundária de evento cardiovascular (ex.: inibidores da enzima conversora de angiotensina, dupla antiagregação plaquetária, estatinas, betabloqueadores) ocorre com menor frequência nas mulheres.

Como também já mencionado em outro tópico neste mesmo artigo, a taxa de mortalidade pós IAM e de complicações peri ou pós procedimentos (trombólise, angioplastia, cirurgia) é maior no sexo feminino do que no masculino.

RELEVÂNCIA PSICOSSOCIAL:

É documentado que, após um evento cardiovascular agudo, os homens possuem vantagem com relação à qualidade de vida (Dueñas et al). Após um IAM, as mulheres possuem maior predisposição à piora da capacidade física e da saúde mental, com retorno mais tardio ao trabalho e com menor participação em programas de reabilitação cardíaca.

A depressão pós IAM (que é, de maneira independente, relacionada à maior mortalidade e reinternação) também é mais prevalente nas mulheres.

CONCLUSÕES RELEVANTES SOBRE A DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA:

Há, de fato, diferenças relevantes em relação à DAC em homens e mulheres. Com isso, é de suma importância um esforço maior para que haja uma redução esta lacuna entre os gêneros, em relação ao diagnóstico, tratamento e também resultados pós IAM.

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Guilherme Pompeo

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