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Explicando o “Dapa Heart Failure” – Uso da Dapaglifozina na Insuficiência Cardíaca

Dapaglifozina
Escrito por Guilherme Pompeo
4.9
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Uso da Dapaglifozina na Insuficiência Cardíaca: esse é um dos temas mais “quentes” da atualidade na “endocárdio”, aquela área da Medicina que tem muito em comum das duas especialidades, a Endocrinologia e a Cardiologia.

Muito se tem falado, após demonstração nos últimos anos, de fármacos inicialmente usados para o tratamento da Diabetes Mellitus tipo 2 alterando a morbimortalidade de pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca, mesmo quando não diabéticos.

Nesse artigo do blog. iremos explicar um pouquinho melhor um dos estudos mais famosos nesse tema: o “Dapa Heart Failure”, publicado em novembro de 2019, no “New England Journal of Medicine”.

Ele corresponde a um trial testando o uso da Dapaglifozina (inibidor do cotransportador 2 sódio-glicose – SGLT2) em pacientes com diagnóstico de insuficiência cardíaca, não diabéticos, comparando desfechos como descompensação da insuficiência cardíaca (IC), morte cardiovascular e morte por qualquer causa em comparação com pacientes em uso de placebo.

Aliás, falando de descompensação da insuficiência cardíaca, temos uma videoaula, na Plataforma do Jaleko, sobre IC Descompensada, que pode ser do seu interesse.

ANTES DE TUDO, COMO FUNCIONAM OS INIBIDORES DE SGLT2 NO TRATAMENTO DA DM2?

De forma básica, esses fármacos orais inibem a reabsorção de glicose a partir do rim, independentemente da insulina ou das células beta pancreáticas, reduzindo os níveis de glicose sérica.

Um adulto saudável é capaz de filtrar nos glomérulos renais aproximadamente 180 g de glicose por dia, porém grande parte dela é reabsorvida pelos cotransportadores de sódio-glicose (SGLT), presentes nos túbulos proximais.

O epitélio tubular renal possui, na membrana apical de suas células, os cotransportadores de sódio-glicose (SGLT1 e SGLT2 – transporte contra o gradiente de concentração), que reabsorvem a glicose do túbulo e a mesma é levada para o interstício, por difusão, através dos transportadores da glicose (GLUTs). Nos segmentos iniciais do tubo contornado proximal, o SGLT2 é expresso em grandes níveis e é responsável pela maior parte da reabsorção da glicose (cerca de 90%).

OUTROS MECANISMOS E EFEITOS DOS INIBIDORES DE SGLT2:

– pode resultar em perda de peso (principalmente nos primeiros 6 meses de uso);

– provoca queda média de 3 a 5 mmHg na pressão arterial sistólica;

– aumentam a metabolização das cetonas e ácidos graxos pelo coração, o que pode levar a uma maior eficiência energética, além de exercer atividade anti-inflamatória;

– vasoconstrição da arteríola aferente renal, reduzindo a pressão intraglomerular (nefroproteção);

– aumentam o LDL em 3 a 5 mg/dL, o que pode ser um malefício (efeito ainda não determinado a longo prazo).

VOLTANDO AO ESTUDO, COMO FOI REALIZADO?

Critérios de eleição para inclusão no estudo:

  • Ter, no mínimo, 18 anos;
  • Classe Funcional NYHA II, III ou IV;
  • Nível sérico de NT-proBNP de, no mínimo, 600 pg/mL (≥ 400 pg/mL, se o paciente teve internação por insuficiência cardíaca descompensada nos últimos 12 meses);
  • Os pacientes deveriam estar em terapia otimizada para insuficiência cardíaca (IC);
  • Pacientes com diagnóstico de DM2 deveriam continuar utilizando seus esquemas de hipoglicemiantes orais.

Critérios de exclusão: recente tratamento com inibidor de SGLT2 ou efeitos adversos graves com o seu uso; DM1; sintomas de hipotensão ou pressão arterial sistólica < 95 mmHg; clearance de creatinina menos que 30.

Após aplicados todos os critérios, foram randomizados 4744 pacientes com Classe Funcional NYHA II-IV e fração de ejeção ≤ 40% para receber 10 mg/dia de dapaglifozina (inibidor de SGLT2) ou placebo (realizado em 410 centros médicos em 20 países diferentes). O período de avaliação

QUAIS SERIAM OS DESFECHOS AVALIADOS?

Os desfechos avaliados no estudo seriam piora da insuficiência cardíaca (hospitalização ou necessidade de medicação parenteral) ou morte de causa cardiovascular (desfechos primários).

Enquanto os desfechos secundários seriam internações por insuficiência cardíaca (mesmo as repetidas), piora da função renal (definida como piora de mais de 50% na função basal) e morte por qualquer causa.

OK, GUILHERME! E QUAIS RESULTADOS TIVEMOS NESSE ESTUDO?

Bom, de forma objetiva, vamos lá:

– Os desfechos primários ocorreram em 386 pacientes do grupo da dapaglifozina (16,3%), enquanto em 502 pacientes do grupo placebo (21,2%) com um intervalo de confiança de 0,65-0,85; p < 0,001;

– O perfil de desfechos secundários favoreceu também a dapaglifozina: 231 foram hospitalizados por descompensação da IC no grupo da medicação (9,7%), enquanto 318 (13,4%) no grupo placebo;

– Um total de 276 pacientes (11,6%) no grupo dapaglifozina e 329 (13,9%) no grupo placebo morreram por qualquer causa;

– Durante o período de estudo, o número de pacientes que precisariam ter sido tratados com dapaglifozina para evitar um evento primário foi de 21;

– Desidratação foi relatada em 29 pacientes (1,2%) e 40 pacientes (1,7%) no grupo dapaglifozina e placebo, respectivamente. Evento adverso renal mais relevante ocorreu em 38 pacientes (1,6%) e 65 pacientes (2,7%), na mesma ordem.

GUILHERME, UMA DÚVIDA! PACIENTES DIABÉTICOS FORAM INCUÍDOS NO ESTUDO?

Sim! Aproximadamente 42% dos pacientes randomizados já possuía o diagnóstico de Diabetes Mellitus previamente.

E O QUE PODEMOS TIRAR DE RELEVANTE, EM RELAÇÃO À DAPAGLIFOZINA, DESSE ESTUDO?

Nesse estudo randomizado, controlado, envolvendo pacientes com IC com fração de ejeção ventricular reduzida, o risco de descompensação da doença de base e morte cardiovascular foi reduzido com o uso da dapaglifozina, tanto em pacientes diabéticos quanto não diabéticos.

Isso sugere que a droga possa ter vários outros benefícios, além da ação hipoglicemiante, podendo mesmo ser uma nova droga no arsenal de fármacos para tratamento da IC de fração de ejeção reduzida.

Sendo assim, acredita-se que a dapaglifozina pode transcender o efeito diurético, tendo impacto hemodinâmico, antifibrótico e metabólico ao nível do miocárdio, culminando em efeito cardioprotetor.

QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS LIMITAÇÕES DO ESTUDO?

– Como qualquer outro estudo, foram usados critérios específicos de inclusão e exclusão, o que limita os resultados a um tipo particular de população;

– Menos de 5% dos indivíduos estudos eram da raça negra (o que deixa dúvidas sobre os mesmos resultados nessa população);

– Poucos pacientes estavam em uso de sacubitril-valsartana (droga com efeitos benéficos em indivíduos específicos com IC). Com isso, não temos tanta segurança para afirmar sobre efeitos adversos na associação dessas drogas.

JÁ ESTAMOS AUTORIZADOS A USAR DAPAGLIFOZINA NO TRATAMENTO DE IC, MESMO EM NÃO DIABÉTICOS?

Sim! A comunidade médica já está autorizada a utilizar essa medicação para o tratamento da IC de fração reduzida, em pacientes diabéticos ou não. Um detalhe é que, como todos os estudos foram realizados dessa forma, o fármaco só deve ser incluído no tratamento após o paciente se encontrar com a terapia para IC otimizada, ou seja, já se encontrar em uso de betabloqueador + IECA/BRA/ARNI + espironolactona.

UMA NOVIDADE SOBRE A DAPAGLIFOZINA MUITO BENÉFICA PARA O BRASIL:

A medicação já foi recentemente incorporada pelo SUS! Por ora, ela está liberada pelo SUS para o uso no tratamento da diabetes mellitus tipo 2. Isso tem embasamento na Portaria nº 16, de 19 de abril de 2020, do Ministério da Saúde.

Quem sabe, em um futuro próximo, também não esteja liberada para o uso na IC pelo Sistema Único de Saúde do nosso país?

É ISSO, PESSOAL! É UM ASSUNTO “QUENTE” E IMPORTANTE PARA OS ALUNOS DE MEDICINA, E TAMBÉM MÉDICOS QUE ATUAM COM ESSAS ÁREAS!

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Guilherme Pompeo

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