Pra começar a falar de doenças tireoidianas, qual a relação entre a tireoide e o eixo hipotálamo-hipófise-ovário?
Os hormônios produzidos pela glândula tireoide têm suma importância na função ovariana, sendo que as disfunções tireoidianas podem levar à alterações menstruais, anovulação e infertilidade como sintomas importantes. Além disso, são mais comuns nos indivíduos do sexo feminino, tanto em idade reprodutiva quanto na pós menopausa.
Estudos já mostraram que existem receptores para Hormônios Tireoestimulantes (TSH) e para os próprios hormônios tireoidianos (T3 e T4) nas células do ovário, porém ainda não são bem estabelecidos os mecanismos que controlam essa interação.
Além disso, os receptores de TSH também têm capacidade de responder às gonadotrofinas. Especula-se que os hormônios tireoidianos possam contribuir para o crescimento e maturação folicular devido à sua influência sobre as concentrações do Hormônio Antimülleriano (AMH), que reflete a reserva de folículos ovarianos.
Um estudo feito na cidade do Rio de Janeiro com mulheres maiores de 35 anos mostrou que 9,4% delas tinham hipotireoidismo e que há um aumento da incidência com o envelhecimento, chegando a 19,1% nas maiores de 75 anos.
O hipotireoidismo clínico e subclínico configura, portanto, a disfunção tireoidiana mais frequente, acometendo 5% da população geral.
Já o hipertireoidismo atinge 3% das mulheres e tem predomínio nas adultas jovens.
Pelo fato das alterações tireoidianas causarem, frequentemente, distúrbios ovarianos, eles são muito comuns na prática clínica em Ginecologia.
E o que é esse tal de hipotireoidismo?
O Hipotireoidismo é uma síndrome clínica em que ocorre a diminuição da concentração de hormônios tireoidianos circulantes.
O hipotireoidismo primário autoimune, ou tireoidite de Hashimoto, é a forma mais frequente deste distúrbio, correspondendo a 95% dos casos. Além disso, o hipotireoidismo pode ser de origem central, como nos casos de comprometimento do hipotálamo ou da hipófise.
Os principais sinais e sintomas de hipotireoidismo são:
1) Memória fraca (39%);
2) Intolerância ao frio (39%);
3) Olhos inchados (34%);
4) Voz rouca (21%);
5) Constipação (20%);
6) Voz mais grave (14%);
Além destes sinais e sintomas sistêmicos, o hipotireoidismo pode-se apresentar com distúrbios menstruais, como:
1) Aumento do fluxo menstrual;
2) Hipermenorragia;
3) Irregularidade menstrual, podendo chegar à amenorreia;
Correlaciona-se também a outros distúrbios, como:
1) Infertilidade;
2) Abortamento precoce;
3) Síndrome dos ovários policísticos (SOP);
4) Hiperandrogenismo;
É importante ter em mente que os sinais e sintomas ginecológicos costumam regredir quando se retorna ao estado de eutireoidismo.
E quanto aos exames laboratoriais nos casos de hipotireoidismo?
O hipotireoidismo primário, cujo principal representante é o hipotireoidismo primário autoimune ou tireoidite de Hashimoto, é caracterizado por:
1) Níveis de T3 e T4 baixos;
2) Níveis de TSH altos;
3) Presença de anticorpos anti-tireo-peroxidade (anti-TPO);
4) Presença de anticorpo anti-tireoglobulina;
O hipotireoidismo central, por sua vez, apresenta níveis normais ou baixos de TSH.
Além disso, pode-se encontrar:
1) Aumento da concentração de Testosterona total e livre;
2) Aumento da concentração de Estradiol;
3) Aumento da concentração de Hormônio Luteinizante (LH);
4) Aumento da concentração de Prolactina;
5) Diminuição da concentração de Globulina Carreadores Ligada aos Hormônios Sexuais (SHBG);
Portanto, o hipotireoidismo faz parte do diagnóstico diferencial de Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP).
É importante ter em mente que, apesar da dosagem de TSH ser considerada muito sensível, todos os exames laboratoriais devem ser interpretados mediante um contexto clínico.
Como exemplo disso, temos a Síndrome do Eutireoidiano Doente, em que o indivíduo com doença grave tem uma resposta adaptativa no organismo, sem ter nenhuma disfunção tireoidiana, ocorrendo em até 70% dos pacientes hospitalizados, tendo como características:
1) Valores baixos de hormônios tireoidianos;
2) Valores de TSH normais, baixos (nos casos mais graves) ou elevados (na fase e recuperação);
Para que você adquira uma noção de quando pedir ou que valor esperar, vamos colocar um resuminho dos diagnósticos e achados laboratoriais…
Dosagens laboratoriais para rastreio e diagnóstico de Hipotireoidismo
1) Rastreio de doença tireoidiana:
– Pedir TSH e T4 livre;
2) Diagnóstico de hipotireoidismo subclínico:
– TSH entre 5 a 10 mUI/L;
– T4 livre normal;
3) Diagnóstico de hipotireoidismo autoimune:
– TSH > 10 mUI/L;
– T4 livre baixo;
– anti-TPO e/ou anti-tireoglobulina positivos;
4) Hipotireoidismo central:
– TSH normal ou baixo;
– T4 livre baixo;
O médico deve ter em mente que o hipotireoidismo pode provocar aumento do volume do ovário, assim como produzir cistos, porém que são reversíveis com o tratamento. Esse efeito parece estar ligado à deposição de mucopolissacarídeos no estroma do ovário, e essa alteração no estroma pode alterar mecanismo de comunicação tanto autócrinos quanto parácrinos, o que causa prejuízo no desenvolvimento folicular, com disfunção na esteroidogênese ovariana.
Além disso, o hipotireoidismo pode causar infertilidade e abortamento de repetição, porém a prevalência destes quadros não é bem estabelecida. A explicação destes fenômenos reside no fato de que mesmo o hipotireoidismo subclínico compromete o metabolismo periférico de estrogênio, causa hiperprolactemia (por estímulo de TRH) e alteração na secreção do Hormônio Leberador de Gonadotrofina (GnRH), ou seja, essas repercussões ocorrem mesmo na ausência de autoimunidade tireoidiana.
E quando devemos suspeitar de hipotireoidismo?
Para facilitar o entendimento de vocês nessa parte, vamos listar alguns achados que, quando presentes, podem nos fazer lembrar de hipotireoidismo, mas é claro que não se espera de ninguém que decore tudo isso, até porque quase todos eles são achados em muitas outras doenças…
SINAIS E SINTOMAS CLÍNICOS
1) Irregularidade menstrual;
2) Infertilidade;
3) Galactorreia;
4) Hipertensão diastólica / Bradicardia;
5) Fadiga;
6) Intolerância ao frio;
7) Memória e raciocínio comprometidos;
8) Bócio;
9) Depressão;
10) Fraqueza muscular e câimbras;
11) Ataxia;
12) Ganho de peso;
13) Rouquidão / Edema periorbitário;
EXAMES LABORATORIAIS ALTERADOS
1) Hipercolesterolemia;
2) Hiponatremia;
3) Hiperprolactinemia;
4) Hiperhomocisteinemia;
5) Anemia;
6) Creatinofosfoquinase elevada;
ALTERAÇÕES RADIOLÓGICAS
1) Derrame pleural e pericárdico;
2) Hiperlplasia da hipófise;
MEDICAÇÕES QUE ALTERAM A FUNÇÃO TIREOIDIANA
1) Amiodarona;
2) Lítio;
3) Interferon alfa;
4) Talidomida;
5) Estavudina;
6) Aminoglutamida;
Deve-se suspeitar também de hipotireoidismo quando:
1) Período pós-parto;
2) Cirurgia tireoidiana prévia;
3) Radioterapia da cabeça e pescoço e terapia com iodo radioativo;
Fechamos a parte de hipotireoidismo… Agora vamos falar um pouco sobre o HIPERtireoidismo…
E o que é o hipertireoidismo, então?
O Hipertireoidismo é uma síndrome clínica em que ocorre um aumento da concentração dos hormônios tireoidianos circulantes.
O hipertireoidismo autoimune, ou Doença de Graves, é a forma mais comum, porém ele também pode ser causado por doença nodular tireoidiana (uni ou multinodular) e na primeira fase da tireoidite.
A tireoidite é uma doença que costuma acontecer em mulheres jovens em período pós-parto e é conhecida por ser uma doença trifásica, sendo que na primeira fase ocorre um quadro de hipertireoidismo transitório, por rotura de folículos tireoidianos.
Existem várias outras causas de hipertireoidismo de origem extra-tireoidiana, como por exemplo:
1) Tumor hipofisário secretor de TSH ou Tireotropinoma (raro);
2) Hipertireoidismo factício;
3) Struma Ovarii;
4) Mola Hidatiforme;
5) Coriocarcinoma;
O mais importante é saber que, independente da causa, as manifestações clínicas gerais são semelhantes. Curiosidade: a presença de orbitopatia e dermatopatia pré-tibial (rara) é exclusiva da doença de Graves…
E quais são as principais manifestações clínicas do hipertireoidismo?
Em relação às manifestações clínicas gerais do hipertireoidismo, nós temos:
1) Taquicardia (100%);
2) Nervosismo (99%);
3) Bócio (97%);
4) Tremor (97%);
5) Sudorese excessiva (91%);
6) Pele quente e úmida (90%);
7) Intolerância ao calor (89%);
8) Palpitação (89%);
9) Fadiga (88%);
10) Perda de peso (85%);
11) Aumento do apetite (65%);
12) Distúrbios menstruais (20%);
É importante notar que o hipertireoidismo pode causar irregularidade menstrual (21,5%) ou até mesmo infertilidade (5,8%), devido ao aumento da concentração de SHBG, testosterona e androstenediona, assim como uma maior conversão de estradiol.
E quanto aos exames laboratoriais nos casos de hipertireoidismo?
Nos casos do hipertireoidismo autoimune (doença de Graves), o diagnóstico laboratorial revela uma dose reduzida de TSH, uma dose elevada de T4 livre e, na maioria das vezes, a presença de anticorpos anti-receptor de TSH (TRAb) e/ou anticorpo anti-TPO e/ou anticorpo anti-tireoglobulina.
É importante lembrar que nos hipertireoidismo de origem tireoidiana (com exceção da tireoidite) ocorre o aumento da absorção de iodo pela tireoide de forma difusa (doença de Graves) ou focal (doença nodular tireoidiana uni ou multinodular).
Por fim, na tireoidite e nas causas extratireoidianas, ocorre uma diminuição ou até a ausência de captação de iodo pelo tecido da tireoide.
Vamos fazer um breve resuminho do diagnóstico laboratorial de hipertireoidismo…
Diagnóstico Laboratorial do Hipertireoidismo
1) Doença de Graves
– TSH suprimida;
– T4 livre alto;
– TRAb positivo;
– Captação tireoidiana aumentada;
2) Hipertireoidismo subclínico
– TSH suprimido;
– T4 livre normal;
– T3 livre alto;
3) Tireoidite
– TSH suprimido;
– T4 livre alto;
– TRAb negativo;
– Captação tireoidiana baixa;
– Hiperfluxo sanguíneo no doppler;
4) Hipertireoidismo central (tireotropinoma)
– TSH normal a elevado;
– T4 livre alto;
5) Causas extratireoidianas
– TSH suprimido;
– T4 livre alto;
– TRAb negativo;
– Captação tireoidiana baixa;
E quanto aos exames complementares para hipertireoidismo?
A USG tireoidiana com doppler é normal nas causas extratireoidianas.
Já nas tireoidites, a USG com doppler vai mostrar uma vascularização aumentada, podendo ou não ter bócios, o que vai ajudar para estabelecer o diagnóstico diferencial.
Por fim, como vai ser feito o tratamento dos hipertireoidismos?
As drogas antitireoidianas são muito eficazes para os pacientes que as tomam corretamente, mas podem ocorrer recidivas com taxas de até 10-90% de acordo com a literatura. Os esquemas de tratamento são os seguintes:
1) Metimazol 10 a 120 mg/dia; OU
2) Propiltiouracil 100 a 1200 mg/dia;
O iodo radioativo pode fazer com que o paciente atinja o eutireoidismo em até 80 a 100% dos casos, porém evolui para hipotireoidismo, na grande maioria das vezes, em até 10 anos.
A tireoidectomia total fica reservadas para as seguintes situações:
1) Pacientes com bócios muito grandes;
2) Suspeita de nódulos malignos;
3) Falha terapêutica dos demais tratamentos;