Muito se sabe sobre o benefício da utilização da classe dos betabloqueadores naqueles pacientes com insuficiência cardíaca (principalmente naqueles com disfunção ventricular), inclusive com aumento de sobrevida.
No entanto, o que sabemos sobre a utilização naqueles pacientes no contexto de pós infarto agudo do miocárdio (IAM) e que não tenha insuficiência cardíaca (IC)? Todo paciente deve ter a prescrição de betabloqueador por longa data após um episódio de IAM?
Bom, neste artigo, tentaremos falar do que há de atual sobre esse tema, se devemos utilizar o betabloqueador nesse contexto ou não, se há benefícios e como utilizar.
Para isso, vamos utilizar um artigo de revisão publicado no Jornal Europeu do Coração (European Heart Journal – “Long-term beta-blocker therapy and clinical outcomes after acute myocardial infarction in patients without heart failure: nationwide cohort study”) neste ano de 2020.
UMA BREVE INTRODUÇÃO:
Na era “pré reperfusão”, a utilização de betabloqueadores era capaz de reduzir a mortalidade nos pacientes que sofriam um infarto agudo do miocárdio. No entanto, na era após intervenções percutâneas (ex.: angioplastia), os dados que sustentam o uso desses fármacos, de maneira rotineira, após um episódio de IAM são poucos.
QUAIS SÃO OS EFEITOS DOS BETABLOQUEADORES QUE PODERIAM CONTRIBUIR PARA UM MELHOR DESFECHO NESSES PACIENTES?
É sabido que essa classe medicamentosa possui efeitos antiisquêmicos, antiarrítmicos e propriedades antiadrenérgicas. O uso precoce de betabloqueadores é capaz de reduzir dano miocárdico e é associado com melhores resultados, mesmo nos pacientes que serão submetidos a alguma intervenção percutânea primária.
Sendo assim, logo que possível, e que o paciente tolere, é importante iniciarmos o betabloqueador na fase precoce do IAM.
A grande dificuldade é saber até quando manter o betabloqueador na prescrição, naqueles pacientes que não possuam uma indicação tão específica para seu uso (ex.: insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida).
Com isso, vamos utilizar de exemplo o estudo citado nos tópicos acima, para que a gente possa ter uma ideia melhor sobre o uso, ou não, do betabloqueador por tempo prolongado nos pacientes pós IAM.
QUAIS FORAM OS MÉTODOS UTILIZADOS NESSE ESTUDO QUE USAREMOS DE EXEMPLO?
O estudo foi um estudo populacional, realizado na Coreia do Sul, sendo uma coorte retrospectiva, que utilizou o NHIS (The National Health Insurance Service), que é o sistema único de saúde desse país.
Foram incluídos todos os homens e mulheres, acima de 18 anos, submetidos à angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM) entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015 (totalizando 54.195 pacientes), e estes foram acompanhados até dezembro de 2016.
Todos os pacientes com história de insuficiência cardíaca, uso prévio de betabloqueador (até 6 meses antes do IAM), CRVM prévia, aqueles com contraindicação ao uso do fármaco, foram excluídos do estudo.
QUAIS FORAM OS DESFECHOS ESTUDADOS?
O desfecho primário foi “todas as causas de morte”, e os secundários foram recorrência de IAM e hospitalização por IC nova.
E OS RESULTADOS?
Nesse estudo, o betabloqueador mais prescrito foi o carvedilol (52,9%), depois o bisoprolol (33%). Após o primeiro ano do evento de IAM inicial, os pacientes que receberam betabloqueador por 1 ano ou mais teve menor prevalência de fibrilação atrial (FA) ou flutter, menos morbidades, quando comparados aqueles que receberam a medicação por menos de 1 ano.
Após um seguimento médio de 3 anos e meio, foi visto que os pacientes que receberam betabloqueador por mais de 1 ano tiveram uma redução importante de todas as causas de morte, além de uma menor recorrência de IAM.
Ainda na mesma observação, foi extrapolado o uso para mais de dois anos em alguns pacientes, e também foi visualizado que quem utilizou o betabloqueador por mais de 2 anos obteve melhores desfechos do que os que utilizaram por menor período.
O QUE PODEMOS AVALIAR A PARTIR DESSES DADOS ENTÃO?
Vamos lá, pessoal! O uso dos betabloqueadores no meio cardiológico não deixa muitas dúvidas quanto a algumas indicações como, por exemplo, na insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida, na fase inicial do IAM, no controle de frequência, dentre outras indicações.
No entanto, sempre foi uma dúvida por quanto tempo utilizar o betabloqueador após um episódio de IAM.
Nesse estudo nacional que utilizamos de base, o uso prolongado (por mais de 1 ano após o evento inicial) foi associado com menor risco de todas causas de morte quando comparado ao uso menor que 1 ano. Óbvio que mais estudos, mais completos e mais complexos, devem ser realizados para que possamos recomendar isso de maneira universal.
Para que isso ocorra, um estudo clínico randomizado deve ser realizado para estabelecer a melhor duração de terapia nesses casos. Entretanto, esses resultados já favorecem uma possível reflexão sobre o tema.
QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS LIMITAÇÕES DESSA COORTE?
Podemos citar uma serie de limitações dessa coorte. Por exemplo, muitos dos pacientes que toleraram ou utilizaram betabloqueador por menos de 1 ano, talvez, tivesses um perfil mais grave do que os que toleraram por mais tempo e, por isso, também tiveram desfechos piores.
Além disso, há todas as limitações inerentes a um estudo coorte.
GUILHERME, E QUAIS SÃO AS DESVANTAGENS DE UM ESTUDO COORTE? BOM, JÁ QUE SURGIU A DÚVIDA, VAMOS FALAR MAIS UM POUQUINHO ENTÃO:
– Os estudos coorte são estudos observacionais, portanto, sujeitos a fatores de confusão. O que isso quer dizer? Quer dizer que outros fatores que estão relacionados ao objeto de estudo podem explicar algumas ou todas as associações observadas;
– Há uma incapacidade para examinar doenças mais raras ou que possuem um longo período de latência. Os estudos de coorte podem ser ineficientes nessas situações.
OK! MAS, ENTÃO, POR QUANTO TEMPO EU PRESCREVO BETABLOQUEADOR PARA O MEU PACIENTE QUE INFARTOU?
A pergunta a ser feita aqui é: “Ele possui indicação para o uso prolongado ou por toda a vida como, por exemplo, insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida?”. Ou seja, o seu paciente possui alguma indicação indiscutível para o uso dessas medicações a longo prazo? Se ele possui indicação, não há o que discutir, tendo infartado ou não.
Por outro lado, se a única indicação foi o episódio de IAM, não temos dados suficientes para, obrigatoriamente, prescrever o betabloqueador por longo prazo.
Devemos utilizá-lo na fase precoce do evento (como já falamos, possui propriedades antiisquêmicas, antiarrítmicas e antiadrenégicas, que são muito vantajosas nesse processo inicial pós IAM), e julgar de maneira individual, caso a caso, até quando vamos manter a droga.
Por exemplo, um paciente que mantém uma frequência cardíaca elevada, sem uma causa secundária para isso, e que tenha infartado, talvez se beneficie da manutenção do betabloqueador. Ou aquele paciente que evolui com diversos episódios de extrassístoles, e é muito sintomático, também possa se beneficiar.
Portanto, enquanto não tivermos maiores estudos sobre o tema, o uso prolongado (mais que 1 ano após o evento) do betabloqueador deve ser pensado e discutido caso a caso.