Quando se fala em depressão, logo pensamos em uma pessoa triste, com humor deprimido, desinteressada de suas atividades, ou seja, um misto de sentimentos negativos.
Mas o que é a depressão e o que leva o indivíduo a desenvolvê-la? E principalmente, há tratamento? Qual o mecanismo do tratamento? Essas são algumas questões importantes e que você deve saber, pois, como sabemos, a depressão é o “mal do século”, então você vai se deparar com isso muitas vezes, e sempre deve se atentar a essa condição.
Seguindo hoje o modelo biopsicossocial, em que olhamos o paciente na totalidade, independente da especialidade médica, é importante que durante a conversa com o paciente, além de buscar informações biológicas a respeito da clínica apresentada, busquemos também informações sobre o estado emocional do paciente, como ele se sente e se ele notou alguma alteração de seu humor.
Distúrbios como a depressão podem influenciar negativamente na adesão à qualquer que seja o tratamento, e pode inclusive estar contribuindo na gênese de determinadas doenças.
Leia também:
- Depressão: o mal do século
- Antidepressivos: usados somente para tratar depressão?
- Serotonina e a Depressão
O que é a depressão?
Figura 1: Tristeza
A depressão é um transtorno do humor, onde há perda do sistema de autocontrole, do sistema de compensação.
Fisiologicamente, temos um sistema de compensação, e assim nossas expressões afetivas são proporcionais e de acordo com a situação, por exemplo, ganhar na loteria gera uma expressão afetiva de intensa felicidade, isso indica que o sistema de compensação está funcionando bem. Mas imagine, alguém ganhar na loteria e sentir tristeza, não é o esperado, podendo indicar que há uma desregulação desse sistema de compensação.
A depressão, além dos sintomas depressivos (humor deprimido, tristeza, desinteresse, irritabilidade), cursa também com ideação suicida.
Causas da depressão
A depressão é uma doença multifatorial. Diversos fatores podem estar envolvidos, como os fatores genéticos, fatores biológicos e fatores psicossociais.
Os fatores genéticos são muito importantes, visto que familiares de primeiro grau do indivíduo com transtorno depressivo, tem risco 2 a 4 vezes maior de desenvolver a doença, do que a população geral.
Os fatores biológicos, como a redução de neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e dopamina) são importantíssimos na fisiopatologia da doença, e são esses fatores que podem ser “modificados” pelo tratamento.
Os fatores psicossociais, que envolvem principalmente o ambiente no qual o indivíduo se encontra, seja o ambiente familiar, ou de trabalho, quando esses agem como estressores.
Além disso, agentes estressores presentes na infância são importantíssimos e devem ser analisados, pois, o paciente pode estar desenvolvendo no presente um transtorno depressivo decorrente de algo que aconteceu a muitos anos atrás.
Diagnóstico da depressão
Para diagnosticar um transtorno depressivo maior, são utilizados os critérios do DSM-V (Diagnostic and Statitical Manual of Mental Disorders), sendo a última edição publicada pela American Psychiatris Association em 2013.
Segundo esse manual, para diagnóstico de transtorno depressivo, é necessário a presença de 5 ou mais sintomas, por no mínimo 2 semanas. Desses 5 sintomas, obrigatoriamente 1 deles tem que ser humor deprimido OU perda do prazer (anedonia).
Os sintomas podem ser:
- Humor deprimido
- Redução intensa do interesse ou prazer
- Alterações do sono – pode ser insônia ou hipersonia
- Alterações do apetite, levando a ganho ou perda de peso
- Agitação ou retardo psicomotor – no retardo psicomotor o indivíduo pode apresentar a fala lenta e baixo tom de voz
- Fadiga ou perda de energia
- Dificuldade de pensar, de se concentrar ou de tomar decisões
- Sensação de culpa ou de inutilidade
- Pensamentos sobre morte, ideação suicida ou até mesmo planejamento suicida.
Muitos desses sintomas são relatados pelo paciente, até mesmo por afetarem grandemente as suas atividades diárias. Além disso, ao ver o paciente, durante a ectoscopia, na maioria das vezes é possível notar a tristeza, o descuido com a aparência e a tendência ao choro.
Após o diagnóstico de depressão, como tratar o paciente?
Sabemos que o tratamento é necessário, tanto para garantir bem-estar ao paciente quanto para garantir a segurança do mesmo.
O tratamento deve ser uma associação de medidas não farmacológicas e farmacológicas.
Medidas não farmacológicas
Figura 2: Psicoterapia
A psicoterapia é uma medida não farmacológica que se faz essencial para a melhora do paciente. Além disso, é de suma importância que sejam avaliados os estressores presentes na vida do paciente, e que eles sejam minimizados.
Figura 3: Busque o caminho do relaxamento, atentando-se as fontes de estressores e minimizando-as ao máximo.
Medidas farmacológicas para depressão
Quanto aos medicamentos, temos diversas linhas de fármacos, de diferentes mecanismos de ação, como veremos a seguir.
Os mecanismos principais são: bloqueio na recaptação dos neurotransmissores envolvidos (serotonina, noradrenalina e dopamina), aumentando assim a concentração dessas substâncias no terminal sináptico; inibição das enzimas que metabolizam os neurotransmissores, uma vez que não são metabolizados, continuam atuando; bloqueio de receptores modulatórios negativos, receptores esses que quando ativos reduzem a liberação dos neurotransmissores.
Agora vamos ver as classes medicamentosas mais utilizadas no tratamento do transtorno depressivo.
Antidepressivos Tricíclicos
Os antidepressivos tricíclicos, primeira classe de medicamentos antidepressivos, já foram muito utilizados no tratamento da depressão. Hoje não são a primeira escolha.
Eles atuam inibindo a recaptação de serotonina e noradrenalina, e assim aumenta a concentração desses neurotransmissores. Além disso, eles levam ao down regulation dos receptores dos neurotransmissores.
Os antidepressivos tricíclicos podem ser classificados de acordo com o grau de afinidade com o NET (transportador de noradrenalina) ou com o SERT (transportador de serotonina).
Os tricíclicos secundários, como a nortriptilina, possuem maior afinidade ao NET, sendo esse o principal alvo de bloqueio. Já os terciários, como a amitriptilina e imipramina, possuem maior afinidade ao SERT. E por fim, os tetracíclicos, como a maprotilina, que possuem a afinidade igual por NET e SERT.
E se esses fármacos aumentam a concentração de noradrenalina e serotonina, resolveria um os fatores etiológicos principais, os fatores biológicos, certo? E por que esses fármacos não são muito utilizados atualmente?
Uma das principais causas para que esses medicamentos não sejam mais a primeira escolha medicamentosa, são os diversos efeitos colaterais que eles provocam, pois o bloqueio não é seletivo.
Leia também: Fases do Luto: você as conhece?
Ao bloquearem NET e SERT, além do efeito terapêutico, há também efeitos colaterais. O aumento de serotonina provoca redução de dopamina, e a redução de dopamina pode cursar com redução das gonadotrofinas, redução da libido, hiperprolactinemia, e, em pacientes com Parkinson pode ocorrer agravamento.
Além disso, eles fazem bloqueio muscarínico (causa visão turva, boca seca, constipação, aumento da frequência cardíaca), bloqueio H1 (sedação e ganho ponderal), bloqueio alfa-adrenérgico (interfere na pressão arterial) e bloqueio de canais de sódio (causa arritmia).
Entendeu o motivo para não serem os mais utilizados atualmente? São muitos os efeitos colaterais.
Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS)
Os ISRS é outra classe muito importante para o tratamento da depressão. Alguns medicamentos dessa classe são muito conhecidos e utilizados, como, por exemplo, a fluoxetina, sertralina, paroxetina, escitalopran e citalopran.
O mecanismo de ação, como o próprio nome sugere, é a inibição do SERT, levando ao aumento das concentrações de serotonina. Assim como a classe anterior, ocorre também down regulation dos receptores.
Também provocam efeitos colaterais, principalmente pelo aumento de serotonina, provocando náuseas e até mesmo diarreia. O aumento de serotonina também leva à redução de dopamina e com isso efeitos como agravamento da síndrome de Parkinson (lembrando que não gera Síndrome Parkinsoniana, mas sim agrava em pacientes que já possuem a doença), redução de gonadotrofinas, redução da libido, e hiperprolactinemia.
Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina
Há medicamentos que inibem a recaptação tanto de serotonina quanto de noradrenalina, mas ao contrário dos tricíclicos, a inibição é seletiva para os transportadores, SERT e NET, o que reduz a ocorrência de efeitos colaterais.
Um medicamento da classe é a venlafaxina. A venlafaxina bloqueia SERT e NET, consequentemente aumentando as concentrações de serotonina e noradrenalina, respectivamente. Mas uma característica importante é o bloqueio do NET no córtex pré-frontal.
Nessa região existem neurônios dopaminérgicos que secretam a dopamina, um neurotransmissor que, se reduzido, também está envolvido na gênese dos transtornos depressivos, principalmente quando esses cursam com anedonia e redução de sentimentos positivos (redução da alegria, felicidade, prazer e etc).
Porém, não há nessa região o transportador de dopamina (DART), e assim quem desempenha o papel de realizar a recaptação de dopamina no córtex pré-frontal é o NET. Uma vez que o NET está bloqueado, não ocorre também a recaptação de dopamina. Portanto, há aumento da concentração de noradrenalina, serotonina e dopamina.
O principal efeito colateral é a estimulação adrenérgica. Em pacientes hipertensos deve-se ter cuidado em relação à dose administrada.
A utilização desse medicamento tem uma boa eficácia.
Inibidores Seletivos da Recaptação de Dopamina e Noradrenalina
Como a redução da dopamina juntamente a redução de noradrenalina pode ser a causa do transtorno depressivo, há medicamentos que atuam aumentando a dopamina e a noradrenalina. Um exemplo é a bupropiona.
Os fármacos dessa classe são utilizados principalmente quando o quadro depressivo é mais marcado pela anedonia, pois nesses casos percebe-se que a dopamina está mais envolvida do que a serotonina.
A ação se dá por bloqueio do DART e do NET.
Esses fármacos não causam agravamento de síndrome de Parkinson, ou redução da libido sexual, justamente por não reduzirem a dopamina, mas sim aumentarem, o que garante o efeito terapêutico.
Inibidores Seletivos da Recaptação de Noradrenalina
Fármacos como a reboxetina podem ser utilizados no tratamento de transtornos depressivos onde há aumento de sintomas negativos como tristeza, irritabilidade, fadiga e etc.
Esses medicamentos inibem o NET, aumentando as concentrações de noradrenalina, e aumentam também as concentrações de dopamina no córtex pré-frontal (onde o NET faz a recaptação de dopamina).
O efeito colateral importante é a estimulação adrenérgica.
Desinibidores
Os fármacos desinibidores são aqueles que bloqueiam os receptores de modulação negativa (como o alfa-2) – lembrando que a ativação de receptores alfa-2 no neurônio noradrenérgico e até mesmo em neurônios serotoninérgicos, provoca a redução da liberação de noradrenalina e de serotonina, respectivamente.
O principal representante é a mirtazapina.
Ao inibirem os receptores modulatórios negativos, não ocorre a redução de liberação de neurotransmissores, e assim aumenta as concentrações de noradrenalina e serotonina. E a dopamina? Além dessa ação de inibir alfa-2, por exemplo, há bloqueio de receptores serotoninérgicos que inibiam a liberação de dopamina.
Assim, o efeito final é aumento de noradrenalina, serotonina e dopamina no córtex pré-frontal.
Poucos são os efeitos colaterais, entre eles observam-se principalmente sedação, sonolência e ganho de peso, por bloqueio de receptores H1.
Outro fármaco que bloqueia a modulação negativa é a trazodona. O mecanismo de ação responsável pelo efeito terapêutico é o bloqueio de receptores 5HT1A, receptores esses que quando ativados bloqueiam a liberação de serotonina.
Ao serem bloqueados, não ocorre a modulação negativa, e assim há aumento das concentrações de serotonina. Porém, esse medicamento provoca alguns efeitos colaterais como priapismo e bloqueio alfa-1 e H1. Não é a primeira escolha no tratamento da depressão.
Inibidores da MAO (monoamino oxidase)
Os inibidores da metabolização, aumentam as concentrações de neurotransmissores justamente por esses não serem metabolizados.
Um exemplo é a tranilcipromina.
Porém, esses fármacos são pouco utilizados uma vez que levam a um aumento excessivo de noradrenalina, causando muitos efeitos colaterais, e por terem meia vida curta precisam ser tomados muitas vezes ao longo do dia, reduzindo a adesão ao tratamento.
Tratar a depressão não é algo nada fácil. Como vimos os medicamentos além de seu efeito terapêutico, cursam com muitos efeitos colaterais, e assim a avaliação de qual classe medicamentosa escolher deve ser muito criteriosa e avaliada caso a caso, de acordo com as peculiaridades de cada indivíduo.
Não é receita de bolo! Lembre-se sempre de avaliar seu paciente como um todo. Além disso, a escolha do tratamento deve ser realizada juntamente com o paciente, buscando abranger as necessidades do paciente, e facilitando assim a adesão ao tratamento.
E não se esqueça do que disse o psiquiatra Carl Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
Meus parabéns por seu artigo, ficou muito bom e muito intuitivo para se entender, eu espero um dia conseguir escrever um artigo como esse para também poder ajudar meus leitores, Desejo que Deus continue lhe dando inspiração para que você ajude mais e mais pessoas.
Abraços!!
Saiba que, após ler esse comentário e consequente elogio, você acaba de deixar o nosso dia mais alegre! (=