Vamos lá, pessoal! Neste artigo vamos abordar um tema que, para muitos, trata-se de um assunto de pediatria, que só criança tem essa doença, porém não é verdade, pelo contrário. Apesar da cobertura vacinal satisfatória, todos os anos são verificados surtos de caxumba em diversos locais do mundo. Países como Estados Unidos, Bélgica e Reino Unido, mesmo com altíssima cobertura vacinal, relataram surtos de caxumba nos últimos anos. E, no Brasil, isso não é diferente! Um exemplo recente disso é o jogador Richarlison, que hoje joga a Copa América de 2019 e foi diagnosticado com caxumba. No momento ele teve que ser afastado da competição por conta da doença.
Neste artigo vamos explicar do que se trata a doença, como suspeitar, diagnosticar, prevenir e também o porquê desses surtos recorrentes.
O QUE É?
A parotidite infecciosa (ou caxumba) é uma doença infecciosa imunoprevenível de transmissão respiratória. É causada pelo vírus da caxumba e, frequentemente, resulta em infecção com manifestação discreta ou de forma assintomática.
A doença, em geral, possui evolução benigna e é mais comum em crianças, embora tenhamos notado diversos surtos de parotidite infecciosa em adultos em vários locais do mundo. Quando há a infecção de adultos susceptíveis, a doença pode ocorrer com maior gravidade. A imunidade para a infecção é permanente, ou seja, se a pessoa já contraiu a doença alguma vez na vida, não terá outro episódio.
COMO SE DÁ A TRANSMISSÃO DA DOENÇA?
O vírus tem distribuição mundial e a caxumba possui variação sazonal (mais presentes nos meses de inverno e primavera). A doença ocorre majoritariamente em locais onde há baixa cobertura vacinal. O ser humano é o único hospedeiro natural do vírus. A transmissão para uma pessoa susceptível se dá através do contato com as secreções respiratórias (espirro, tosse, gotículas de saliva) de um indivíduo infectado (ou seja, não ocorre por aerossol), mesmo quando se encontra assintomático. O período em que uma pessoa pode transmitir para outra vai desde uma semana antes até 9 dias após a inflamação das glândulas salivares (principalmente parótidas).
Aliás, não sei se viram, mas a equipe médica da seleção brasileira resolveu vacinar todos os jogadores na Copa América depois que o Richarlison teve o diagnóstico. Bem, eu adoro vacina e sem dúvida é benéfico vacinar, mas prestem atenção, quando o Richarlison teve o diagnóstico ele já tinha passado pelo período de incubação e é justamente nesta fase, logo antes de ter sintomas até os primeiros dias de após o diagnóstico, que se tem maior chance de transmitir. Ou seja, a vacina vai proteger nossos jogadores para o futuro, mas quem ia pegar caxumba do Richarlison estava com ele na fase que mais infecta (menos o Neymar que foi cortado com lesão no tornozelo). Ah, ali embaixo eu vou falar mais da vacina, mas segue o spoiler: uma dose só é pouco.
QUAIS SÃO OS NÚMEROS REAIS DA DOENÇA NOS DIAS ATUAIS?
Ainda é uma doença comum na maioria dos países em desenvolvimento. Na maior parte do mundo, a incidência anual é de 100 a 1000 casos para cada 100.000 habitantes com surtos frequentes (a frequência varia de região para região, sendo mais comum a cada 2-5 anos). No Brasil, esses surtos existem praticamente todos os anos. Alguns exemplos: cidade de São Paulo – surtos anuais; Campinas (SP) – grande surto em população universitária em 2007; no Rio de Janeiro (capital) – foram 19 surtos em 2017. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Sergipe e Amazonas registraram surtos cada vez mais frequentes nos últimos três anos.
A caxumba não faz parte da lista de doenças de notificação compulsória. A recomendação é que Unidades Básicas de Saúde devam ser avisadas em caso de ocorrência de surtos.
E O QUE SÃO CONSIDERADOS SURTOS EM RELAÇÃO À CAXUMBA?
O surto ocorre quando há dois ou mais casos da doença em um mesmo local como, por exemplo, escola, creche, empresa, ou qualquer outro. O que chama atenção é que, nos últimos anos, no nosso país, a maioria dos surtos foi documentado em adultos e jovens, contradizendo o argumento de ser uma doença apenas infantil.
QUAIS SÃO OS SINTOMAS DE UM PACIENTE COM CAXUMBA?
Geralmente apresenta um período de incubação (aquele tempo entre adquirir de fato a infecção e iniciar as manifestações da doença) entre 12 a 25 dias. Na maioria das vezes, a infecção é oligossintomática ou totalmente assintomática. Quando os sinais / sintomas estão presentes, as manifestações mais comuns são febre baixa, mialgia generalizada (“dor no corpo”), perda do apetite, fadiga e cefaleia. Cerca de 30-40% dos indivíduos com a doença apresentam, até o 2º dia, aumento e dor uni ou bilateral das glândulas salivares (principalmente as parótidas). A inflamação da parótida dura aproximadamente 7-10 dias e possui resolução espontânea.
“JÁ OUVI FALAR QUE A CAXUMBA PODE COMPLICAR! O QUE SÃO AS COMPLICAÇÕES?”
Em alguns casos, a doença pode evoluir com acometimento do sistema nervoso central (principalmente meningite e encefalite), além de estar relacionada com casos raros de Guillain-Barré. Em 60% dos casos de caxumba, pode ocorrer meningite assintomática. Os quadros de acometimento meníngeo com sintomas (cefaleia intensa, rigidez de nuca, febre) são observados em 15% dos casos, principalmente em indivíduos do sexo masculino, possuindo evolução favorável sem deixar sequelas. Já a encefalite, que possui gravidade mais acentuada, podendo levar a óbito, encontra-se na taxa de acometimento de 1 para cada 50.000 casos.
A caxumba pode levar à surdez transitória ou permanente em 1 para cada 20.000 casos, sendo comumente de início súbito e unilateral.
Há também relatos de acometimento cardiovascular, sendo a miocardite a principal manifestação desse sistema. Pode ocorrer em 15% dos casos e, mesmo que potencialmente grave, não costuma evoluir de forma desfavorável, geralmente sendo detectada apenas por alterações eletrocardiográficas.
Por último, o pâncreas também pode ser afetado nos pacientes com infecção pelo vírus da caxumba. A forma de manifestação é através de pancreatite aguda, podendo abranger adultos e crianças. O curso clínico é tipicamente benigno, resolvendo-se com conduta conservadora.
Laboratorialmente, assim como em outras infecções virais, podemos flagrar plaquetopenia. Apesar disso, é muito incomum encontrarmos manifestações hemorrágicas nos pacientes infectados pelo vírus da caxumba.
“SEMPRE ME PERGUNTAM SE A CAXUMBA PODE DESCER! O QUE SERIA ISSO?”
Uma parcela dos casos pode desenvolver orquite (acometimento dos testículos) ou ooforite (dos ovários). Por isso, como conhecimento popular, é muito comum ouvirmos termos como: “A caxumba desceu”; “Cuidado! Caxumba pode descer!”.
A orquite pode acometer 20-50% dos casos e, mesmo que possa causar algum grau de atrofia testicular, raramente se associa com infertilidade. Da mesma forma, a ooforite não está relacionada com infertilidade feminina e acomete ainda menos os doentes, com números próximos a 5% dos casos da doença nas mulheres.
COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico, na maioria das vezes, é clínico. Ou seja, associamos quadro típico da doença com história relevante de exposição ao vírus (principalmente indivíduos não imunes) e suspeitamos da infecção.
No entanto, existem formas de se realizar o diagnóstico específico (embora muitas vezes não tão disponíveis na nossa realidade). Em pacientes que se manifestam com parotidite (ou qualquer outra glândula salivar acometida), pode-se lançar mão de teste laboratoriais. O diagnóstico é confirmado com um ou mais dos achados:
– Detecção do RNA viral por técnica de transcriptase reversa e PCR por meio de coleta de material de swab oral ou coleta sanguínea – a mesma espécie também pode ser utilizada para cultura viral;
– Positividade para anticorpo anti-IgM específica do vírus (geralmente permanece positivo por 4 semanas e pode ser negativo até 5 dias do início dos sintomas).
Na suspeita de acometimento meníngeo, o líquor (LCR) deve ser coletado e os testes acima também podem ser aplicados. O padrão celular e bioquímico do LCR será compatível com o de qualquer outra meningite viral.
QUAL O POSSÍVEL PERIGO PARA AS GESTANTES?
Durante a gravidez, notadamente no primeiro trimestre, a infecção pelo vírus da caxumba pode resultar em aborto espontâneo. No entanto, não existem evidências tão claras sobre a possibilidade de acarretar má formação congênita.
EXISTEM POSSÍVEIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS?
Entre os diagnósticos diferenciais se encontram, principalmente, outras causas de parotidite (bacteriana, outras causas virais, cálculo de glândulas salivares, tumor de glândula salivar, Síndrome de Sjögren, sarcoidose) e qualquer outra infecção viral (dengue, sarampo, rubéola, varicela, entre outras).
COMO TRATAR?
Não há tratamento específico (como várias outras doenças virais). A utilização de analgésicos e antitérmicos podem ser utilizados para controle de dor e febre, caso necessário.
Como em outras infecções de etiologia viral, medicações que contenham ácido acetilsalicílico ou outros anti-inflamatórios não esteroidais devem ser evitadas pelo maior risco de sangramento e, nas crianças, pelo risco de Síndrome de Reye.
O repouso deve ser recomendado até a resolução do período da febre; evitar contato (pelo risco de contágio), utilizar máscaras quando em ambientes fechados – lembrando que a transmissão se dá por gotículas e não aerossol; compressas frias podem ser utilizadas na topografia das parótidas na tentativa de reduzir a sensação álgica; o uso de suporte para os testículos pode ser útil em casos de orquite.
Sobre a alimentação, recomenda-se dieta com alimentos mais pastosos ou líquidos, evitando alimentos sólidos por possibilidade de aumento da dor à mastigação. Além disso, alimentos que estimulem a salivação como doces e frutas cítricas devem ser evitados.
“TUDO BEM! JÁ ENTENDI COMO A DOENÇA SE MANIFESTA, COMO DIAGNOSTICAR, COMO TRATAR… AGORA, GUILHERME, ALGO QUE NÃO SAI DA MINHA CABEÇA: SE TEMOS UMA BOA TAXA VACINAL CONTRA CAXUMBA NO BRASIL, COMO AINDA PODEM OCORRER SURTOS FREQUENTES EM NOSSO PAÍS E NO MUNDO INTEIRO?”
Bom, essa possível “desproteção” ocorre porque a vacina por si só tem uma eficácia menor contra a caxumba em comparação às outras doenças para a qual é utilizada. Além disso, sua eficácia também tende a diminuir com o tempo. Os números de proteção são de 60% para quem utilizou apenas uma dose da vacina e 80% para quem realizou as duas doses recomendadas.
Uma outra explicação (ainda não totalmente comprovada) para esses surtos em populações vacinadas é a possibilidade do vírus causador da doença poder sofrer mutações, formando cepas que não são evitadas pela vacina.
OK! ESTAMOS FALANDO O TEMPO INTEIRO DE VACINA, MAS QUEM DEVE SER VACINADO? QUANDO DEVE SER VACINADO? QUANTAS VEZES?
A vacinação é a medida de proteção mais importante contra caxumba, embora os dados possam divergir sobre a taxa de proteção para os indivíduos vacinados corretamente: 80-96%. A vacina é produzida através do vírus vivo atenuado e, geralmente, produzida na forma de tríplice viral ou tetra viral (também pode se apresentar como vacina específica contra caxumba somente). A primeira é contra sarampo, caxumba e rubéola. A segunda é para todas essas citadas, adicionando-se proteção contra varicela.
No calendário vacinal brasileiro, as vacinas utilizadas rotineiramente são a tríplice e tetra viral, que é indicada para todo indivíduo acima dos 12 meses, sendo necessárias duas doses da vacina, com intervalo mínimo de 1 mês entre as aplicações. A recomendação atual do Ministério da Saúde é de vacinação com a tríplice viral aos 12 meses e tetra viral aos 15 meses.
A vacina começa a ter efeito protetor a partir de 15 dias após sua aplicação. É disponibilizada gratuitamente na rede pública de saúde. Alguns planos de saúde também cobrem a vacinação em locais privados.
Os pacientes que já manifestaram a doença em algum período da vida não possuem indicação de vacinação, já que a imunidade é considerada permanente (tanto por meio da vacina quanto pela própria doença).
INDIVÍDUOS ADULTOS DEVEM SER VACINADOS?
Nos casos em que se é desconhecida a situação da carteira vacinal ou em que sabidamente são indivíduos não vacinados, estes devem receber as duas doses da vacina (respeitando o intervalo mínimo de 1 mês entre uma e outra).
Indivíduos não vacinados e que foram expostos a contato íntimo com doentes ou situações de risco também devem receber a vacina.
QUAIS AS CONTRAINDICAÇÕES DA VACINA?
As contraindicações citadas a seguir sempre devem ser levadas em consideração de acordo com o risco x benefício de cada paciente junto ao seu médico. No entanto, são elas: gestantes, imunodeprimidos, pacientes que estejam em vigência de algum quadro infeccioso.
Conteúdo excelente e muito bom! Se alguém quiser saber mais sobre o assunto e complementar esta leitura: https://blog.vitta.com.br/2020/09/16/sintomas-da-caxumba-saiba-identificar-a-doenca/
Obrigado pelos elogios, Nathalia! Agradecemos também pela sugestão.