Os carbapenêmicos são fármacos antimicrobianos da classe dos β-lactâmicos, a qual também pertencem as penicilinas, as cefalosporinas e os monobactâmicos, porém com espectro de ação significativamente mais amplo que esses outros. São drogas relativamente seguras e utilizadas com muita frequência para o tratamento de pacientes em terapia intensiva, sendo praticamente reservados para uso nesse contexto.
Se você já deu algum plantão em CTI, muito provavelmente já viu um paciente com esquema empírico ou específico envolvendo um carbapenêmico. Mas você sabe como essas drogas funcionam? Conhece os seus mecanismos de ação sobre as bactérias? Gostaria de saber contra quais espécies bacterianas são eficazes e contra quais não são? Então fica ligado e vamos aprender o que torna essa classe tão especial.
Estrutura e mecanismo de ação
Assim como os outros β-lactâmicos, os carbapenêmicos têm, em sua estrutura, um anel β-lactâmico que lhes confere a capacidade de se ligar às proteínas de ligação da penicilina (PBPs), que são enzimas que catalisam a construção das cadeias dissacarídicas, que, por sua vez, compõem a camada de peptideoglicana, componente principal da parede celular da maioria das bactérias. Dessa forma, ao se ligar às PBPs, os carbapenêmicos inibem a síntese de parede celular, o que desencadeia a morte da bactéria. Por este motivo, os β-lactâmicos são classificados como bactericidas.
Os carbapenêmicos diferem das outras drogas com mecanismo de ação semelhante pois apresentam resistência à maioria das β-lactamases, que são enzimas que hidrolisam o anel β-lactâmico do fármaco, inativando sua ação bactericida. Entretanto, essa característica não os protege de todas as β-lactamases, como veremos mais adiante.
Farmacocinética
Os carbapenêmicos não são absorvidos por via oral, sendo a via de administração de escolha a intravenosa. Seu tempo de meia-vida é de cerca de 1h e a dosagem inicial depende de qual representante da classe for escolhido para a terapêutica, conforme demonstrado na tabela abaixo. Como os carbapenêmicos apresentam excreção por via renal, é necessário o ajuste das doses em pacientes com insuficiência renal.
Droga | Dosagem padrão |
Meropenem | 1g IV 8/8h |
Imipenem | 500mg IV 6/6h ou 1g IV 8/8h |
Ertapenem | 1g IV/IM 24/24h |
Existem evidências que mostram benefício do uso do Meropenem em infusão prolongada, ao longo de 3h, por exemplo, ou mesmo em bomba de infusão, em comparação com a administração de 8/8h. Isso não é uma possibilidade com o Imipenem, pois, como veremos adiante, ele deve ser combinado com uma outra substância, que é instável no sangue, de modo que não pode ser feito em infusão prolongada ou bomba de infusão.
Efeitos Adversos
Apesar de não implicarem em elevado grau de toxicidade, diferente de outras classes de drogas usadas em terapia intensiva, os carbapenêmicos não estão isentos de efeitos adversos, sendo necessária cautela na sua administração.
A alergenicidade cruzada em pacientes com alergia às penicilinas não está bem estabelecida, porém estima-se que até 11% dos pacientes com histórico de alergia à penicilina, sem teste cutâneo confirmatório, apresentem também reações com carbapenêmicos. Por outro lado, naqueles com história de alergia, em que foi realizado o teste cutâneo confirmatório, a administração de carbapenêmico não resultou em reação em 99%.
As convulsões podem ser causadas por praticamente qualquer β-lactâmico em altas concentrações, porém o risco é um pouco maior com os carbapenêmicos, sendo o imipenem o mais frequentemente envolvido. O mecanismo é a redução do limiar convulsivo, ou seja, a quantidade de estímulo para desencadear uma convulsão se torna menor com o uso da droga. Portanto, pacientes com lesões no sistema nervoso central, o que já predispõe as convulsões, são os de maior risco para esse efeito adverso.
Espectro de Ação
O espectro de ação dos carbapenêmicos é extremamente amplo, abrangendo Gram positivos e negativos, sendo, porém, mais eficazes contra Gram negativos.
Dos Gram positivos, têm ação apenas contra Staphylococcus sp. e Streptococcus sp. sensíveis, ou seja, MRSA (S. aureus resistente à meticilina/oxacilina) estão de fora, assim como os Enterococcus sp., sejam VRE (Enterococcus sp. resistentes à vancomicina) ou não.
Dos Gram negativos, têm ação contra praticamente todas as enterobactérias (Escherichia coli, Klebsiella sp., Proteus sp., Providencia sp.), boa parte dos bacilos gram negativos não enterobactérias (Neisseria sp., Haemophilus influenzae), boa parte dos bacilos gram negativos não fermentadores (Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii) e anaeróbios (Bacteroides sp., Fusobacterium sp.).
Um grande diferencial é a eficácia contra gram negativos produtores de β-lactamases de espectro estendido (ESBL), que inativam todos os outros β-lactâmicos.
Por outro lado, são resistentes aos carbapenêmicos as enterobactérias produtoras de carbapenemases (ERC), que são β-lactamases capazes de inativar os carbapenêmicos (como a famosa KPC), as produtoras de metalo-β-lactamases (MBL), a maior parte das cepas de Burkholderia cepacia, e todas as cepas de Stenotrophomonas maltophilia, que é naturalmente resistente a todos os carbapenêmicos.
É importante ressaltar que, apesar de o espectro ser muito semelhante entre todos os representantes da classe, existem algumas diferenças. O Ertapenem não apresenta atividade contra nenhuma cepa de P. aeruginosa ou A. baumannii. O imipenem tem melhor atividade in vitro contra gram positivos que o meropenem, que tem melhor atividade in vitro contra gram negativos, porém essa diferença não é tão perceptível in vivo.
A tabela abaixo resume o espectro de ação dos principais representantes dos carbapenêmicos.
Os Carbapenêmicos
São 3 os principais representantes da classe dos carbapenêmicos, já mencionados anteriormente: Meropenem, Imipenem e Ertapenem.
O Meropenem é o principal dentre eles e o que tem aplicabilidade discretamente maior na prática, especialmente porque é mais seguro que o Imipenem em pacientes neurológicos, e porque tem espectro maior que o Ertapenem. Seu uso está indicado para infecções de diferentes sítios, incluindo trato gastrointestinal, pele, sistema nervoso central e sangue, entre outros, por patógenos conhecidos resistentes a outros antibióticos ou em terapia empírica, muitas vezes associado à Vancomicina (que cobre Gram positivos), para tratamento de pacientes sépticos em CTI, sem resultados de culturas.
O Imipenem tem espectro de ação quase idêntico ao Meropenem e com indicações semelhantes (exceto infecções do SNC), porém difere dele essencialmente pelo fato de ser degradado pela enzima dehidropeptidase, no túbulo contorcido proximal dos néfrons, sendo necessária sua administração conjunta a um inibidor dessa enzima, normalmente a Cilastatina. Dessa forma, o Imipenem que usamos na prática normalmente é, na verdade, Imipenem-Cilastatina. A Cilastatina é instável na circulação sanguínea, por isso a formulação de Imipenem-Cilastatina não pode ser usada em infusão prolongada ou bomba de infusão.
O Ertapenem, além de não ter atividade contra P. aeruginosa e A. baumannii também não ultrapassa a barreira hemato encefálica, sendo ineficaz em infecções do sistema nervoso central. Seu uso é reservado para infecções fora do SNC que não sejam por esses 2 patógenos, pois assim evita-se a pressão seletiva de cepas resistentes ao meropenem ou imipenem, e se preserva mais a flora bacteriana residente. Diferentemente dos outros dois, existe a formulação de Ertapenem para uso intramuscular.
Outros carbapenêmicos
Meropenem, Imipenem e Ertapenem são os antibióticos dessa classe que você provavelmente vai encontrar no seu dia a dia, porém eles não são os únicos.
O Doripenem foi inicialmente desenvolvido como uma alternativa para tratamento de cepas de Pseudomonas aeruginosa resistentes ao Meropenem e ao Imipenem, porém sua segurança para uso ainda está em fase de validação. Devido a isso, seu uso para tratamento de pneumonia ainda não foi aprovado pelo FDA e não podem ser usadas doses maiores que 500mg de 8/8h. Seu espectro de ação é basicamente o mesmo que o dos demais.
O Meropenem-Vaborbactam é a combinação do Meropenem com um inibidor de β-lactamases de classe A e C, que incluem as carbapenemases séricas (como KPC), mas não as metalo-β-lactamases (MBL). Com a adição do Vaborbactam, o Meropenem passa a ter ação contra os ERC, especialmente Klebsiella sp. e E. coli produtoras de KPC. Vale ressaltar que essa combinação não aumenta a eficácia dos carbapenêmicos contra P. aeruginosa, A. baumannii e S. maltophilia, nem contra enterobactérias produtoras de MBL. Como é uma droga nova, seu uso só foi aprovado pelo FDA para maiores de 18 anos.
Vale lembrar que para o tratamento das enterobactérias resistentes aos carbapenêmicos (ERC) existem como opções, também, Polimixina B, Tigeciclina, Aminoglicosídeos (algumas cepas são sensíveis) e Ceftazidima-Avibactam, com uso mais bem estabelecido que o Meropenem-Vaborbactam e disponíveis no Brasil.
A Tigeciclina, porém, tem um grande fator limitante a seu uso, que é a má penetração em fluidos, como sangue e urina, sendo ruim para tratar infecções urinárias (sítio muito comum para infecções por enterobactérias), ou bacteremia, mas sendo boa para tratar infecções abdominais e de partes moles.
A Plazomicina e a Eravaciclina, que ainda não são disponíveis em território nacional, também podem ser usadas para tratar ERC.
Combinações
Os carbapenêmicos são muito usados em combinação com outros antibióticos a fim de obter efeito sinérgico, ou seja, uma situação na qual a combinação das duas drogas gera um efeito maior do que o que obteriam individualmente.
Um grande exemplo disso é a manutenção do Meropenem, por exemplo, quando é iniciada uma outra droga para tratar ERC, como Polimixina B ou Amicacina. A Polimixina B, especificamente, tem um efeito detergente sobre a membrana celular das bactérias, o que aumenta a sua permeabilidade e permite que o Meropenem atinja seu alvo antes de ser inativado pela carbapenemase. Ou seja, a combinação Meropenem + Polimixina B restaura, em parte, a sensibilidade da bactéria ao carbapenêmico, sendo preferível, na maioria dos casos, do que a monoterapia com Polimixina B, inclusive, com redução da mortalidade.
Outra situação em que se mantém o carbapenêmico diante da presença de ERC é quando o paciente é colonizado por outro agente diferente daquele ERC alvo, de modo que o Meropenem funciona contra esse agente, enquanto a Polimixina ou Amicacina combatem o ERC.
O Ertapenem tem maior afinidade pelas enzimas inativadoras de carbapenêmicos, de modo que pode ser usado em combinação com outro carbapenêmico com a função de “agente suicida”, sendo mais rapidamente inativado, preservando a atividade do outro.
Conclusão
Como se pode perceber, os carbapenêmicos são importantes aliados no nosso arsenal antimicrobiológico para o combate de patógenos resistentes, sendo muito usados em terapia intensiva.
É fundamental ressaltar, por outro lado, que o uso de qualquer antimicrobiano deve ser racional, dando-se preferência, sempre que possível, a drogas com espectro de ação mais restrito,que sejam eficazes contra os patógenos responsáveis pela infecção, a fim de evitar seleção de cepas resistentes, como as produtoras de KPC e MBL. A triste realidade de muitos centros é a não-atenção a esse princípio, e criação de infecções quase intratáveis ou que demandem a combinação de antimicrobianos mais tóxicos ao paciente, o que prolonga o tempo de internação e aumenta mortalidade.
Por isso, lembre-se: com antibiótico não se brinca. Prescreva somente o necessário.
Perfeito.
Disse tudo, de maneira resumida e didática.
Nosso objetivo é esse!