A dispneia é, sem dúvidas, um dos termos mais usados no dia a dia do médico. E, em relação ao aluno de Medicina, é uma das palavras mais usadas, não apenas durante as aulas teóricas, mas também ao longo de todo o treinamento prático. Vamos fazer um teste: tente lembrar quantas vezes você já escutou esse termo sendo empregado por algum colega e/ ou professor. Consegue fazer alguma estimativa?
Bem, provavelmente você não consegue nem estimar, por terem sido inúmeras vezes, não é mesmo? Diante disso, que tal conversarmos um pouco sobre essa figura famosa na Medicina, a ilustríssima dispneia? Vamos lá?
O que é a dispneia?
A dispneia é um termo que designa, em outras palavras, “desconforto respiratório” e consiste em um sintoma comum e que afeta milhões de pacientes, o que por si só já justifica o fato de empregarmos esse termo “milhões de vezes” ao longo do exercício da nossa profissão. No entanto, é preciso que tenhamos em mente que o desconforto respiratório não é patognomônico de nenhuma condição.
Muito pelo contrário, quando falamos em dispneia, estamos mencionando uma manifestação que pode ser decorrente de diversos distúrbios distintos e não apenas uma manifestação primária de doença pulmonar. Isso mesmo, a dispneia pode, por exemplo, apresentar-se em decorrência de isquemia ou de disfunção miocárdica, bem como de outras condições, como anemia, distúrbios neuromusculares, obesidade ou falta de condicionamento físico. Neste artigo, buscamos dar uma visão geral de dispneia, indo de sua definição e significado, até a fisiopatologia. Vamos nessa?
A definição de dispneia
Segundo a “American Thoracic Society”, a dispneia pode ser definida como um termo usado para caracterizar uma experiência subjetiva de desconforto respiratório, que é composta de sensações qualitativamente distintas, que variam em intensidade. Nesse contexto, considera-se que a experiência deriva de interações entre múltiplos fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais, e pode induzir efeitos fisiológicos e respostas comportamentais secundárias.
Ainda, a dispneia pode ser classificada em aguda ou crônica. Nesse caso, ela é considerada aguda, quando se desenvolve ao longo de horas ou dias, e é classificada como crônica, quando se estende por mais de quatro a oito semanas. Além disso, é importante mencionar também que alguns pacientes apresentam agravamento agudo da falta de ar crônica, que pode ser causada por um novo problema ou agravamento da doença de base (por exemplo, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca).
E como podemos fazer para relacionar a dispneia a algum diagnóstico mais preciso? A importância de escutar…
Embora existam diversos detalhes que podem ser extraídos ao longo de uma consulta e que auxiliam no diagnóstico, de antemão devemos fazer uma ressalva. Não podemos deixar de destacar a importância de uma história bem colhida com o paciente.
Isso porque a linguagem usada pelo doente, e a forma com a qual ele descreve o seu desconforto respiratório, são sempre singulares e dão diversas dicas acerca do real problema que está por trás da dispneia. Afinal, esse sintoma representa um número de sensações qualitativamente distintas e, nesse caso, as palavras utilizadas pelos que o sentem, para descrever como percebem a dispneia, podem fornecer informações sobre a fisiopatologia subjacente da doença.
Fisiopatologia? Sim, isso mesmo! Nada melhor para compreendermos o tema do que falar sobre fisiopatologia da dispneia! Vamos por partes para entender melhor sobre o assunto?
Fisiopatologia
A maioria dos pacientes com desconforto respiratório pode ser categorizada em dois grupos: dispneia relacionada ao sistema respiratório ou dispneia relacionada ao sistema cardiovascular. Sendo assim, a dispneia do sistema respiratório inclui desconforto relacionado aos distúrbios do controle central, da bomba ventilatória e do trocador de gases, enquanto a dispneia do sistema cardiovascular inclui doenças cardíacas – como, por exemplo, isquemia aguda, disfunção sistólica, valvopatia, doença do pericárdio- anemia e falta de condicionamento físico.
No entanto, temos que estar sempre atentos para a possibilidade de associação entre mais de um processo. Sim, isso mesmo: mais de um processo pode estar ativo em um determinado paciente, e a fisiologia básica da dispneia nem sempre adere a essa estrutura. Por exemplo, a estimulação de receptores pulmonares pode resultar de inflamação intersticial (sistema respiratório) ou edema intersticial (sistema cardiovascular).
1.Quanto ao sistema respiratório…
O sistema respiratório é projetado para possibilitar o transporte de ar da atmosfera em direção aos alvéolos, onde a captação de oxigênio no sangue e a eliminação de dióxido de carbono ocorre por difusão através da membrana alvéolo- capilar. Dessa maneira, o dióxido de carbono é, então, removido dos pulmões. Pera aí, né, isso provavelmente você já sabe bem. Conteúdo muito básico…
Sendo assim, o nosso foco aqui é outro. Isso porque vários componentes devem estar funcionando sem problemas, para que todo esse processo de transporte de ar, de captação de oxigênio e de eliminação de dióxido de carbono ocorra. Caso contrário, na vigência de distúrbios em qualquer uma dessas etapas, pode surgir a famosa dispneia. Vamos entender então cada um dos elementos envolvidos e como uma alteração em algum desses quesitos pode levar ao desconforto respiratório?
1.1 O Controlador respiratório
O “controlador respiratório” determina a frequência e profundidade da respiração, através de sinais eferentes enviados para os músculos ventilatórios. Nesse sentido, os fatores que estimulam os centros respiratórios no tronco cerebral levam a um aumento da ventilação e do desconforto respiratório em uma variedade de situações. E o que são/ podem ser esses estímulos?
Esses estímulos são frequentemente secundários a desarranjos em outras partes do sistema, tais como a vigência hipóxia ou de hipercapnia, devido aos distúrbios de ventilação / perfusão, ou, ainda, à estimulação de receptores pulmonares, como ocorre com inflamação intersticial ou edema. Além disso, não podemos deixar de mencionar outros fatores possíveis, algumas drogas – como a aspirina, quando administrada em dose tóxica -, bem como o aumento dos níveis de progesterona, em condições como a gestação e a vigência de cetoacidose diabética. Na realidade, esses fatores têm o potencial de produzir dispneia através de efeitos centrais, independentemente de problemas relacionados ao processo de ventilação ou no trocador de gases.
Tipicamente, a dispneia, associada à estimulação do controlador respiratório, é descrita como uma sensação de “desejo ou necessidade de respirar”. Até certo ponto, o padrão respiratório também pode refletir o que se presume serem tentativas, do controlador, de reduzir o desconforto respiratório. Assim, pacientes com obstrução grave ao fluxo aéreo geralmente adaptam um padrão respiratório relativamente lento, para minimizar as pressões pleurais, necessárias para superar a resistência das vias aéreas. Alternativamente, pacientes com fibrose intersticial ou cifoescoliose, e redução da complacência pulmonar ou da parede torácica, têm um padrão característico de respiração rápida e superficial, que minimiza o trabalho necessário para expandir o tórax.
Para pacientes com doença pulmonar restritiva, a adoção de padrões respiratórios com aumento ou diminuição do volume corrente, a partir do volume corrente médio de repouso, resulta em aumento da dispneia. Respirando com um padrão rápido e superficial, o paciente experimenta um aumento na relação entre espaço morto e volume corrente (já que o espaço morto anatômico é relativamente fixo), o que leva a uma necessidade de maior ventilação total (daí o aumento da frequência respiratória). Com isso, ocorre aumento da carga de trabalho respiratória e pode contribuir para o desenvolvimento de hipercapnia. Em contraste, um aumento no volume corrente requer um aumento significativo no trabalho respiratório, devido à rigidez do pulmão. Como a maioria dos pacientes com doença pulmonar restritiva tende a usar um padrão de respiração rápido e superficial, concluímos que esse padrão, em relação às alternativas, deve produzir menos dispneia.
E durante o exercício físico? Por que algumas pessoas referem dispneia e em que sentido o controlador respiratório está envolvido?
Boa pergunta! Quando o controlador respiratório é estimulado (por exemplo, enquanto se realiza algum exercício físico), a obstrução ao fluxo de ar pode aumentar a sensação de dispneia. Além disso, o aumento da frequência respiratória, durante o exercício no contexto de limitação do fluxo expiratório, pode levar ao aprisionamento de ar induzido pelo exercício, um processo conhecido como hiperinsuflação dinâmica.
Nesse sentido, a hiperinsuflação dinâmica está associada à uma reserva inspiratória reduzida e dispneia aumentada. Para aqueles nos quais a hiperinsuflação é substancial, de tal forma que a capacidade inspiratória em repouso, ou durante o exercício, é limitada pela capacidade pulmonar total, a dispneia é ainda mais exacerbada, e os pacientes também podem se queixar da incapacidade de respirar profundamente.
1.2 A Bomba Ventilatória
A “bomba de ventilação” compreende os músculos ventilatórios, os nervos periféricos, que transmitem sinais a partir do controlador, os ossos da parede torácica aos quais os músculos respiratórios estão conectados, a pleura que transforma o movimento da parede torácica para pressão negativa dentro do tórax, e as vias aéreas que servem como um canal para o fluxo de gás da atmosfera para os alvéolos e vice-versa. Os distúrbios mais comuns da bomba ventilatória resultam em uma sensação de aumento do “trabalho respiratório”.
Por exemplo, a fraqueza neuromuscular (como ocorre na miastenia gravis, na síndrome de Guillain-Barré, dentre outras condições) leva a uma situação na qual o paciente deve exercer um esforço inspiratório máximo para produzir uma pressão pleural negativa normal. Além disso, pacientes com complacência reduzida da parede torácica (por exemplo, cifoescoliose) ou pulmões (por exemplo, fibrose intersticial) devem realizar mais trabalho do que o normal para levar o ar para os pulmões.
A doença pulmonar obstrutiva está associada ao aumento da resistência ao fluxo e, em pacientes com hiperinsuflação significativa, quando a hiperinsuflação resulta em um volume inspiratório final que se aproxima da capacidade pulmonar total, os pacientes, frequentemente, se queixam da incapacidade de obter uma respiração mais profunda e satisfatória. Uma sensação de aperto no peito também pode estar presente em pacientes nos quais a broncoconstrição aguda é a causa da obstrução ao fluxo aéreo.
1.3 Permutador de gases
O “trocador de gases” é composto pelos alvéolos e pelos capilares pulmonares, através dos quais o oxigênio e o dióxido de carbono se difundem. A maioria dos distúrbios cardiopulmonares comuns que levam à dispneia estão associados a algum distúrbio do trocador de gases, devido à destruição da membrana difusora (como por exemplo no enfisema e na fibrose pulmonar) ou à adição de fluido ou material inflamatório nos pulmões, de tal forma que a ventilação é reduzida regionalmente.
Em menor grau, a distância para a difusão também pode contribuir nessas condições ou nos capilares pulmonares dilatados observados em alguns pacientes com síndrome hepatopulmonar. Doenças que afetam o trocador de gases são tipicamente caracterizadas por hipoxemia, seja em repouso ou com exercício, e por hipercapnia crônica em casos mais graves. Essas anormalidades nas trocas gasosas estimulam os centros respiratórios no tronco encefálico e levam a uma sensação de “fome aérea” ou a um impulso crescente de respirar.
- Cardiovascular
O sistema cardiovascular é projetado para movimentar o sangue oxigenado dos pulmões para os tecidos metabolicamente ativos, e, então, transportar o dióxido de carbono dos tecidos de volta para os pulmões. Para que este sistema funcione de maneira ideal e evite o desconforto respiratório, deve-se ter uma bomba que funcione sem gerar altas pressões capilares pulmonares. Também deve haver hemoglobina suficiente para transportar oxigênio e enzimas apropriadas para utilizar o oxigênio nos tecidos. E o que ocorre quando algo não funciona de forma habitual? Pois bem, nesses casos, lá vem ela, a famosa dispneia…
- Insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica que pode resultar de qualquer distúrbio cardíaco estrutural ou funcional, que prejudique a capacidade do (s) ventrículo (s) de encher ou de expulsar sangue. Os sintomas de insuficiência cardíaca se enquadram em duas grandes classes: as decorrentes de uma redução do débito cardíaco – caracterizadas geralmente por fadiga, fraqueza – e aquelas devidas ao aumento da pressão venosa pulmonar ou sistêmica e acúmulo de líquido – representadas pela dispneia, pelo edema, pela congestão hepática e ascite.
Quando a insuficiência cardíaca causa um aumento na pressão venosa pulmonar, pode levar à dispneia, seja pela produção de hipoxemia ou pela estimulação de receptores vasculares e / ou intersticiais pulmonares (por exemplo, receptores-J não-mielinizados, também denominados fibras C). Dentre as causas de insuficiência cardíaca, estão incluídas a disfunção sistólica ventricular, disfunção diastólica ventricular e doença valvular. No entanto, vale ressaltar que o tamponamento cardíaco também pode levar à dispneia, aumentando as pressões vasculares pulmonares.
- Anemia
A anemia pode prejudicar gravemente o fornecimento de oxigênio, porque a maior parte do oxigênio transportado no sangue é ligada à hemoglobina. No entanto, o mecanismo exato pelo qual a anemia produz dispneia não é conhecido. Na medida em que o pH local das células metabolicamente ativas diminui devido à incapacidade de sustentar o metabolismo aeróbico, pode haver estimulação de receptores específicos, que se acredita estarem localizados nos músculos e que respondem a essas mudanças no microambiente celular do organismo. A anemia também leva ao aumento do débito cardíaco, o que pode exigir volume ventricular esquerdo elevado e pressões vasculares pulmonares elevadas. No entanto, a qualidade da dispneia costuma ser bem diferente nessas duas situações clínicas.
- Falta de condicionamento físico
Não é incomum vermos indivíduos que se queixam de desconforto respiratório quando se envolvem em atividade física vigorosa, mesmo na presença de um sistema cardiovascular e respiratório normal e de um hematócrito normal. Por outro lado, pessoas com um preparo físico melhor (ou, como falamos popularmente, pessoas que estão “mais em forma”) tendem a sentir menos desconforto quando diante de uma carga maior trabalho/ esforço.
Nesse sentido, a aptidão cardiovascular é determinada pela capacidade de o coração em aumentar o débito cardíaco máximo e pela capacidade de os músculos periféricos de utilizar eficientemente o oxigênio para o metabolismo aeróbico. Em contraste, um estilo de vida sedentário reduz o condicionamento físico e pode levar à dispneia, geralmente com a realização de tarefas aparentemente triviais.
Além disso, não podemos deixar de mencionar o quão comum é recebermos pacientes com doença cardiopulmonar crônica que assumem um estilo de vida sedentário, em um esforço para evitar o desconforto respiratório. No entanto, essa postura, na realidade, pode se tornar um grande problema. Isso porque o resultado final do sedentarismo, em um período de meses a anos, é que o indivíduo piora o próprio condicionamento físico progressivamente (isto é, reduz o débito cardíaco máximo, reduz a densidade capilar nos músculos e reduz a capacidade mitocondrial de sustentar o metabolismo aeróbico) e pode ser mais limitado pela baixa aptidão cardiovascular do que pela doença subjacente. A dispneia devido ao descondicionamento é tipicamente descrita como “respiração pesada” ou uma sensação de “respirar mais”.
E aí, conseguiu entender tudo? Espero que tenham gostado! Continue acompanhando o blog, explore ao máximo! Estamos sempre com conteúdo novo para auxiliar na sua formação e na compreensão de diversos temas. Vem pro Jaleko!