O termo “Cão-Terapeuta” soa familiar para você?
Bom… Muitos já ouviram falar que o cachorro é o melhor amigo do homem, não é mesmo? Essa história começou há mais de 15 mil anos atrás, quando de lobos selvagens os cães começaram a ser domesticados e acompanhar os humanos a todos os cantos do planeta.
Há outros relatos ainda que há cerca de 400 mil anos, um dos ancestrais do ser humano, o Homo erectus, caçava filhotes de lobos, porém nem todos serviam de alimentos, e aqueles que sobreviviam acabavam sendo criados por seus caçadores, sendo um possível início de convívio.
Com o passar do tempo, o lobo, considerado cão primitivo, e com a mudança dos hábitos alimentares do ancestral humano, a confiança entre as espécies cresceu.
Aos poucos, o animal foi domesticado e ganhou utilidade para defesa e auxílio na caça realizada pelos hominídeos. Atualmente, o cão, além de possuir funções muitas vezes de trabalho, também é integrante da família.
Todos também já ouviram alguma história de cachorros que não abandonam seus donos de jeito algum, que os protegem, que sofrem quando estão distantes, ou seja, uma verdadeira relação de amor e amizade.
Nesse artigo vamos destacar alguns fatos históricos e atuais sobre a importância dos cachorros na Medicina.
“Aaahhh pronto! Agora o Guilherme enlouqueceu de vez! Criando artigo no blog para falar de cachorros e Medicina!? O que tem a ver uma coisa com a outra!?”. Pessoal, Medicina também é cultura!
Neste artigo, vou dar exemplos de como os cachorros contribuíram e contribuem para a nossa arte.
Exemplos como cachorros que salvaram uma população inteira norteamericana de uma epidemia de difteria, outros que contribuem para o tratamento da depressão, aumento de expectativa de vida e por aí vai.
Vamos nessa então!
OS CACHORROS QUE SALVARAM UMA CIDADE INTEIRA DE UMA EPIDEMIA DE DIFTERIA:
Essa história que vou contar para vocês, embora alguns já devam conhecer, poderia ser muito bem um conto qualquer ou até um filme (embora tenha se tornado posteriormente – falaremos disso depois), mas isso de fato ocorreu.
Na década de 1920, no pico do inverno (um dos invernos mais ferozes das últimas décadas da época), em uma diminuta cidade chamada “Nome” no Alasca, cercada por um mar congelado e um deserto de neve, uma doença mortal, à época, assolava a população, principalmente as crianças.
Essa doença era a difteria (a principal vacina contra essa doença foi criada na década de 1930, sendo utilizada em ampla escala há pouco mais de 40 anos). Hoje é uma doença que não valorizamos muito, exatamente pelo sucesso do plano de imunização.
– Uma pausa rápida antes de continuarmos a história de Nome, para falar um pouco da doença que a acometeu em 1925:
A difteria (ou “crupe”) é uma doença de curso agudo causada pela toxina de uma bactéria, a Corynebacterium diphtheriae, podendo ser grave e potencialmente fatal. A transmissão ocorre de pessoa a pessoa, através de gotículas ou contato com secreções respiratórias contendo o bacilo (mais raramente através de secreção de lesões cutâneas).
Essa transmissão pode ocorrer mesmo através de portadores assintomáticos ou indiretamente por objetos que tenham sido contaminados com as secreções mencionadas. A incidência de transmissão aumenta nos meses frios e, principalmente, em ambientes fechados, devido à aglomeração.
Nas pessoas susceptíveis, ou seja, aquelas não vacinadas, a doença cursa nos primeiros dias com uma lesão extensa através de uma pseudomembrana branco-acinzentada na orofaringe (amígdalas, palato, faringe e laringe), e pode evoluir com insuficiência respiratória ao decorrer da doença.
Outro acometimento possível é o cardíaco, podendo cursas com arritmias e miocardiopatia, neurológico com paralisia de nervos e insuficiência renal.
Em geral, a doença compromete o estado geral do paciente e apresenta sinais sistêmicos como febre, astenia e palidez cutânea. Em casos mais graves pode haver edema importante da região cervical, linfonodomegalia da região e insuficiência respiratória por obstrução mecânica de via respiratória alta.
– Retornando à nossa história… “…cercada de um mar congelado e um deserto de neve, uma doença mortal, à época, assolava a população…”
Algumas crianças já haviam evoluído a óbito pela doença, os contágios aumentavam (imaginem vocês, uma cidade isolada, em um inverno rigoroso, em uma época em que as medidas de higiene não eram tão evoluídas e conhecidas, as pessoas aglomeradas para fugir do frio, com uma epidemia de uma doença de transmissão por gotículas…), e a única esperança era conseguir medicamentos e soro contra a doença que se encontravam em uma outra cidade, a centenas de quilômetros de distância, tendo que passar por montanhas, lagos congelados e com a previsão de uma tempestade de neve a chegar…
A cidade de Nome se situa no alto da costa oeste do Alasca, no meio do Mar de Bering, mais perto da Sibéria do que da maior cidade do Alasca (Anchorage). Portanto, um cenário de pesadelo para o que a região passou em 1925.
Na época, com a morte de algumas crianças, o médico da cidade na época, Curtis Welch, havia implementado uma quarentena na pequena cidade a fim de diminuir o contágio. Ele enviou um pedido para Anchorage solicitando o envio de unidades de antitoxina afirmando que “uma epidemia de difteria é quase inevitável”.
As autoridades da região se reuniram para planejar como conseguir essas unidades de antitoxina. Nas condições climáticas da época, o transporte por meios convencionais seria lento demais ou até mesmo impossível (a doença assolaria a cidade antes).
O porto da região estava congelado, avião não poderia decolar com a incapacidade de aterrissar. Eram aproximadamente 1080 quilômetros entre Nome e a estação ferroviária de Nenana (algo que os correios levavam aproximadamente um mês para atravessar, em condições normais, na época).
Foi aí que as autoridades decidiram arriscar algo totalmente fora do tradicional, apostar todas as fichas em um homem criador de cães e campeão das corridas de trenó da região, chamado Leonhard Seppala (parece história inventada, mas não é!).
Seppala era um norueguês que havia viajado para o Alasca à procura de ouro. Com algumas desilusões e sem muito sucesso na missão inicial, começou a trabalhar por conta própria transportando mercadorias e passageiros entre os campos através de trenós puxados por cães.
Como atividade paralela, participava de corridas de trenós, e era o mais famoso da época na região. Seus trenós eram puxados por cães como os Malamutes do Alasca, Huskys Siberianos (principalmente).
Na noite de 24 de janeiro de 1925, as autoridades decidiram e convocaram Seppala para liderar o que ficaria conhecido como “A Grande Corrida do Soro” ou “A Grande Corrida de Misericórdia”.
Por ser algo impossível a ser realizado por apenas um homem e uma equipe de cães, ficou decidido que, para percorrer os aproximadamente 2 mil quilômetros (ida e volta) para buscar os únicos frascos de antitoxina diftérica do Alasca, seria realizado como um grande revezamento de equipes de cães de trenós de Nenana até Nome.
O percurso realizado por Seppala seria o mais perigoso e traiçoeiro, com um cachorro líder, “Togo”, que já possuía 12 anos (embora fosse um cão impressionante e extremamente habilidoso para tal função, já se tratava de uma idade perigosa para tal tarefa).
Seppala partiu no dia 27 de janeiro. Durante o percurso, as temperaturas estavam perto dos 35 graus negativos, com ventos potentes, o homem e sua equipe foram forçados a parar na cidade de Golovin (ainda faltando pouco mais de 100 quilômetros para retornar à Nome – detalhe que Togo e seus companheiros caninos já haviam percorrido 420).
Faltando aproximadamente 45 quilômetros, Gunner Kaasen e sua equipe de 13 cães (liderada pelo cachorro Balto) assumiram e chegaram até Nome com a antitoxina (após esse feito receberam os principais créditos, com uma estátua de Balto como homenagem até hoje no Central Park em Nova York – o que, convenhamos, apesar de um grande feito, é uma grande injustiça com Seppala e Togo que realizaram a tarefa mais difícil – que foram reconhecidos de forma heroica há pouco tempo).
A viagem total demorou cinco dias e meio, um recorde mundial. Na época, o feito foi considerado um fenômeno e noticiado através da rádio. Em Nome, acredita-se que evoluíram a óbito cinco pessoas, embora o número de mortes fora da cidade não tenha sido registrado.
Acredita-se que um mal muito maior foi evitado com o grande feito desses homens e cães, que arriscaram as suas próprias vidas em prol da população. Esse é um grande exemplo de contribuição desses animais à medicina.
A fama de Togo e a sua raça (os huskys siberianos) remontam a uma era do Alasca em que os cães de trenó eram fundamentais para a sobrevivência dos humanos na natureza.
Além disso, a “Corrida do Soro” também impulsionou a necessidade e importância da vacinação contra difteria.
OUTRAS FUNÇÕES “CANINAS” NO SUPORTE E TRATAMENTO:
Como já mencionado, os cachorros (e muitos outros animais de estimação) são grandes fontes de companhia e alegria para um lar, além de poderem oferecer um importante suporte psicológico quando o ser humano passa por algum momento difícil da vida.
Os cães podem ser utilizados em diversos aspectos para contribuir no tratamento ou na reabilitação de doenças físicas e/ou psicológicas.
Já é comprovado que pacientes com diagnóstico de neoplasia, quando possuem a companhia de um cãozinho, reduzem os sentimentos de solidão e o risco de transtorno depressivo (deve-se lembrar que pacientes com algum grau de imunodepressão possuem cuidados especiais para conviver com “pets” como vacinação, vermifugação e cuidados gerais em dia.
Os pacientes devem evitar lambidas em áreas de feridas ou mucosas, cateteres, dispositivos invasivos, entre outros cuidados).
CÃO GUIA:
Esse é um dos exemplos mais clássicos, não é mesmo? Aqueles cachorros que são treinados para literalmente guiar os seus donos, por alguma necessidade física especial. Esses animais são adestrados para guiarem os donos nas ruas, em viagens e em tarefas do dia a dia.
Uma das suas principais funções é no auxílio de pacientes com deficiência visual.
DETECTANDO HIPOGLICEMIA:
Os cães podem ser grandes parceiros de pacientes com o diagnóstico de diabetes. Se treinados, são capazes de alertar sobre quadros iminentes de hipoglicemia. Eles podem emitir algum sinal, como deitar, rolar, latir, colocar a pata sobre o ombro do dono, quando percebem que essa situação está prestes a ocorrer.
Isso é possível pela grande capacidade olfativa dos cães. Durante a crise de hipoglicemia, a respiração humana produz de forma aumentada o isopreno, que pode ser detectado pelos animais.
Obviamente é importante nunca superestimarmos as habilidades dos animais, devendo manter todos os cuidados já existentes e comprovados pela medicina.
DETECÇÃO DE DOENÇAS:
Cada vez mais estudos, em diversas partes do mundo, estão sendo desenvolvidos para comprovar que os cães podem ser capazes de detectar algumas enfermidades, como neoplasias, capacidade de prever uma crise convulsiva naqueles pacientes com diagnóstico de epilepsia, entre outros diagnósticos.
CÃES “TERAPEUTAS” e a Terapia Assistida por Animais:
Em algumas instituições de saúde os cachorros possuem o cargo de cães “terapeutas”, baseado em algo conhecido como “Terapia Assistida por Animais”. Diversos hospitais utilizam essa ferramenta, permitindo visitas caninas, com o objetivo de criar laços afetivos entre paciente e animal como parte integrante do processo de recuperação da pessoa enferma.
Trata-se de uma relação cada vez mais estudada nas últimas décadas e que apresenta influência positiva na recuperação dos doentes.
Já é comprovado que os bichos podem ajudar na produção e secreção de endorfina, serotonina e na redução das taxas de cortisol.
Obviamente que os animais, para serem liberados à visita hospitalar, devem passar por uma avaliação criteriosa de comportamento, exames médicos veterinários, dentre outras comprovações de saúde.
A COMPANHIA DE CÃES AUMENTA A EXPECTATIVA DE VIDA DAS PESSOAS?
Já existem alguns dados na literatura médica alegando que ter um companheiro canino pode aumentar a expectativa de vida de uma pessoa. Uma das principais pesquisas foi uma pesquisa sueca, expositiva, que avaliou 3,4 milhões de pessoas, e afirmou que os proprietários de cães tiveram menor risco de morte.
Esses pacientes foram acompanhados, através de seus prontuários, durante 12 anos. Durante esse período, os donos de cachorro tiveram menos doenças e houve menor número de mortes nesse grupo. Esse efeito “protetor” dos cães foi ainda mais evidente naquelas pessoas que viviam sozinhas. Pessoas que vivem sozinhas estão mais sujeitas à depressão, ansiedade e doenças cardiovasculares. Durante os anos de estudo, aparentemente ter um cão reduziu em 33% o risco de morte daqueles indivíduos que vivem sozinhos.
UM TÓPICO QUE FOGE DO “COMUM”, MAS QUE PODE SER BASTANTE ÚTIL:
Como mencionado, o artigo visava aumentar nossa cultura geral e abrir os olhos para algo diferente que, obviamente, não substitui nossas terapias tradicionais, mas que podem servir como inspiração para perspectivas futuras e uma ferramenta a mais para o cuidado dos nossos pacientes, familiares e até nós mesmos!