Afinal, o que é amenorreia primária?
A amenorreia é definida como a ausência de sangramento menstrual, podendo ser primária ou secundária. Ela pode ocorrer de forma fisiológica nas seguintes situações:
1) No período pré-puberal;
2) Na gestação;
3) Na lactação;
4) No período pós-menopausa.
Para ser considerada AMENORREIA PRIMÁRIA, o quadro deve se encaixar em uma das seguintes situações:
– Situação 1 = Ausência de menstruação aos 14 anos e ausência de caracteres sexuais secundários*;
– Situação 2 = Ausência de menstruação aos 16 anos com desenvolvimento normal dos caracteres sexuais secundários* (menarca atrasada);
*Caracteres sexuais secundários: Desenvolvimento mamário, presença de pelos axilares e pelos púbicos.
Ou seja, a amenorreia primária nada mais é do que a ausência de sangramento menstrual numa menina que já deveria estar menstruando…
Como a amenorreia primária se relaciona com o Eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovário?
O hipotálamo é responsável pelo controle do ciclo menstrual, por meio da liberação de Hormônio Liberador de Gonadotrofinas (GnRH) de forma pulsátil pelo núcleo arqueado. O GnRH vai agir na hipófise anterior (Adeno-hipófise), fazendo com que ela sintetize e libere as gonadotrofinas (Hormônio Folículo Estimulante ou FSH e Hormônio Luteinizante ou LH).
Essas gonadotrofinas, por sua vez, vão agir no ovário, estimulando a produção de estrogênio e progesterona e possibilitando o crescimento folicular e amadurecimento oocitário, permitindo que ocorra a ovulação.
Já os hormônios ovarianos vão agir no endométrio, causando modificações proliferativas e secretoras para que o embrião possa se implantar, caso ocorra a concepção. Se não houver a concepção, a secreção de estrogênio e progesterona vai diminuindo e o endométrio descama, levando ao sangramento menstrual (sangramento de privação).
E como é realizado o diagnóstico de amenorreia primária?
O diagnóstico de amenorreia primária, que pode ser por causas anatômicas ou funcionais, é direcionado a partir da anamnese e do exame físico.
Entre as principais causas de amenorreia primária, temos:
1) Causas Hipotalâmicas (Compartimento IV):
– Puberdade Tardia;
– Obesidade (Síndrome de Fröhlich)
– Síndrome de Kallman
– Neoplasia e infecções
– Radioterapias
– Estresse
– Estado nutricional (anorexia)
2) Causa Hipofisárias (Compartimento III):
– Tumores
– Radioterapia
– Síndrome de Sheehan
3) Causas Ovarianas (Compartimento II)
– Diginesia ou agenesia gonadal
– Quimio ou radioterapia
– Ooferite auto-imune
– Síndrome de Savage
4) Causas relacionadas ao corpo do útero (Compartimento I)
– Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser
5) Causas relacionadas ao colo do útero (Compartimento I)
– Agenesia
6) Causas relacionada à vagina (Compartimento I)
– Presença de septo transverso
– Agenesia de vagina
7) Causa relacionadas ao hímen (Compartimento I)
– Hímen imperfurado
Outras causas:
– Relacionadas à tireóide: Doença de Cushing, hipotireoidismo e hipertioreoidismo;
– Relacionadas à suprarrenal: Hiperplasia Congênita de Adrenal, Doença de Addison e Neoplasias;
O que deve ser abordado no exame clínico para guiar o diagnóstico?
Na ANAMNESE, é importante abordar:
1) Dor cíclica em baixo ventre;
2) Mastalgia;
3) Início da vida sexual (sempre importante excluir gestação);
4) Distúrbios alimentares (anorexia, por exemplo);
5) Excesso de atividade física;
6) Traumas;
7) Cirurgias prévias;
8) Radioterapia e Quimioterapia;
9) Histórico familiar;
No EXAME FÍSICO, é importante identificar:
1) Presença de caracteres sexuais secundários (sinalizam um eixo hipotálamo-hipófise-ovário funcionante);
– Se a paciente não tiver desenvolvido caracteres sexuais secundários, o problema pode ser central ou periférico e a DOSAGEM DE FSH deverá ser solicitada para se obter o diagnóstico diferencial;
2) Desenvolvimento pôndero-estrutural;
3) Pesquisa de anomalias genitais;
4) Pesquisa de nódulos inguinais;
5) Pesquisa de acne e hirsutismo (fala a favor de hiperandrogenismo);
6) Pesquisa de estrias (fala a favor de hipercortisolismo);
7) Pesquisa de acanthosis nigricans (fala a favor de diabetes);
8) Pesquisa de galactorreia (fala a favor de hiperprolactinemia);
9) Análise do trofismo da região genital, volume uterino, ovariano e comprimento da vagina;
O que fazer se for uma amenorreia sem caracteres sexuais secundários?
Diante de um quadro de amenorreia em uma paciente de 14 anos com ausência de caracteres sexuais secundários, deve-se solicitar as DOSAGENS DE FSH E LH, além de TSH e prolactina (quando estão alterados, possuem efeitos supressores sobre as gonadotrofinas). A dosagem de androgênios deve ser solicitada para verificação de insensibilidade periférica aos androgênios (diagnóstico de Síndrome de Morris).
Se a dosagem de FSH está baixa (FSH<5U/L), nós temos um HIPOgonadismo HIPOgonadotrófico, ou seja, o problema só pode estar no hipotálamo (compartimento IV) ou na hipófise (compartimento III).
Para descobrir se o problema está na hipófise ou no hipotálamo, faz-se o TESTE DO GnRH, que consiste em administrar por via venosa 100 mg de GnRH e, em seguida, dosar FSH e LH basais, em amostras de sangue coletadas de 30 em 30 minutos, durante 2 horas.
Se os níveis de FSH e LH aumentarem, confirma-se ORIGEM HIPOTALÂMICA.
Se os níveis de FSH e LH não aumentarem, confirma-se ORIGEM HIPOFISÁRIA, devendo ser solicitada uma RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DE SELA TÚRCICA para completar a investigação.
A Síndrome de Kallman é um distúrbio em que ocorrem pulsos inadequados de GnRH, causando um hipogonadismo hipogonadotrófico, com FSH baixo ou no limite inferior da normalidade, associada a cegueira para cores e anosmia.
Se a dosagem de FSH vier alta (FSH>20U/L) , nós temos um HIPOgonadismo HIPERgonadotrófico, sugerindo uma possível causa ovariana (compartimento II).
Para descobrir se o problema é mesmo no ovário, deve-se solicitar o CARIÓTIPO, para fazer diagnóstico diferencial entre síndrome de Turner (cariótipo 45X0 ou mosaico 46XX/45X0) que é a causa mais comum de amenorreia primária com hipogonadismo hipergonadotrofico e outras síndromes.
Se o cariótipo vier normal, devemos direcionar o diagnóstico para Síndrome de Savage, uma doença na qual as gônadas estão normais, porém resistentes à ação de gonadotrofinas.
E se for uma amenorreia primária com caracteres sexuais secundários?
Se uma paciente apresenta caracteres sexuais secundários normais e não apresentar a menarca até os 16 anos, ela deverá ser investigada e essa investigação deverá englobar todo o eixo (vagina, útero, ovário, hipófise e hipotálamo).
Sempre deve-se excluir a possibilidade de gestação. Após um exame físico detalhado, deve-se solicitar uma ULTRASSONOGRAFIA PÉLVICA, para investigar possíveis alterações anatômicas.
Se você encontrou uma alteração estrutural uterina no exame físico ou no exame de imagem (ausência de útero e vagina), o próximo passo é solicitar o CARIÓTIPO para que se faça o diagnóstico diferencial entre Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (46 XX) e Síndrome de Morris ou Insensibilidade aos Androgênios (46 XY).
Calma! Nós já vamos falar sobre cada uma dessas doenças e você vai ver que, apesar do nome complicado, elas não são bichos de sete cabeças…
Se você realizou o exame físico e não encontrou alterações e o exame de imagem também não tem alterações, o próximo passo é realizar o TESTE DA PROGESTERONA. Se este der positivo, podemos excluir alterações anatômicas e devemos guiar o diagnóstico para anovulação por imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário. Se o teste der negativo, deve-se avaliar a paciente para ausência de endométrio e defeitos no trajeto do trato genital.
Agora, o próximo passo é a realização do TESTE DO ESTROGNÊNIO/PROGESTERONA, sabendo que, se não houver sangramento após administração de estrogênio e progesterona, a causa está relacionada à obstrução do trato de fluxo (endométrio ausente ou irresponsivo, hímen imperfurado ou septo vaginal transverso).
Afinal, como é feito o teste da progesterona?
O teste da progesterona serve para avaliar o status estrogênico e o trato de saída.
Os dois métodos utilizados de realização deste teste são:
1) Acetato de Medroxiprogesterona 10 mg/dia por 5 a 7 dias OU
2) Progesterona micronizada oral 200 mg/dia por 5 a 7 dias
O teste é considerado positivo se houver sangramento ao final.
Ele deve ser interpretado assim: houve uma anovulação (devido a progesterona baixa), mas existe estrogênio endógeno, o endométrio está responsivo e não existe alteração anatômica que impeça a saída do fluxo menstrual.
E quanto ao teste do estrogênio/progesterona?
O teste do estrogênio/progesterona, por sua vez, avalia a resposta endometrial e o trato de saída diante de um teste da progesterona negativo.
O método para realizar este teste é o seguinte:
– (Estrogênio conjugado 1,25 mg/dia ou Estradiol 2mg/dia por 21 dias) + (Acetato de Medroxiprogesterona 10 mg/dia somente nos últimos 5 a 7 dias)
O teste é considerado positivo se houver sangramento e isso exclui causas uterinas e vaginais.
Qual é o tratamento das amenorreias primárias?
É importante ter em mente que o tratamento das amenorreias levará em conta o diagnóstico etiológico, porém o apoio psicológico se faz sempre necessário, principalmente naquelas mulheres que possuem alterações anatômicas ou genéticas.
Nos casos de amenorreia sem o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, a terapia com reposição hormonal deverá ser iniciada quando paciente tiver, no mínimo, 12 anos de idade óssea e idade cronológica próxima aos 14 anos. O tratamento hormonal será feito durante 6 meses, através do uso de baixas doses de estrogênio e, posteriormente, uso de anticoncepcional oral de baixa dose.
Já no casos das amenorreias por causa anatômicas, o tratamento cirúrgico será específico para cada quadro, como construção de neovagina, correção de hímen imperfurado ou do septo vaginal transverso.
E aquelas síndromes com nomes complicados?
Para falar das síndromes com nomes complicados, QUE CAEM (E MUITO) EM PROVAS DE RESIDÊNCIA… Vamos agrupá-las de acordo com o compartimento afetado (se houver)…
HIPOTALÂMICAS
1) Síndrome de Kallman
Ocorre por uma falha da migração das células neuronais olfatória e das células produtoras de GnRH. O quadro clínico é de:
– Amenorreia Primária;
– Infantilismo sexual;
– Anosmia ou Hiposmia;
– Pode haver cegueira para cores.
Os níveis de gonadotrofinas são baixos e os ovários são pequenos. O tratamento é feito com GnRH exógeno.
HIPOFISÁRIAS
1) Síndrome de Sheehan
Ocorre devido a uma complicação obstétrica que cursa com necrose hipofisária pós-parto. Uma de suas principais características é a Agalactia.
OVÁRIOS
1) Síndrome de Savage
É uma entidade rara, que tem como característica a ausência ou resistência dos receptores ovarianos à ação das gonadotrofinas.
Pode ser uma causa de amenorreia primária ou secundária, pois existem os folículos, porém eles são resistentes à ação das gonadotrofinas (FSH e LH).
2) Síndrome de Turner
É a causa mais comum de disginesia gonadal e seu diagnóstico definitivo é realizado através do cariótipo 45X0 ou mosaico 45X0/46XX. É caracterizada por infantilismo sexual e FSH alto. É considerada uma diginesia gonadossomática, pois possui anomalias somáticas como implantação baixa das orelhas, pescoço alada, tórax em escudo, hipertelorismo mamário, retardo do crescimento, cúbito valgo e anomalias cardiovasculares associadas.
UTEROVAGINAIS
1) Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser
É uma agenesia ou disgenesia da porção mulleriana da vagina e do útero, em que a paciente não vai apresentar genitália interna, porém os caracteres sexuais estão preservados e os hormônios também. Suas principais características são vagina curta, útero ausente, cariótipo 46XX e, geralmente, ela se manifesta como uma dispareunia (devido à vagina curta) e uma amenorreia primária. A pilificação corporal é normal e o tratamento deve ser feito com vaginoplastia.
2) Síndrome de Asherman
É um quadro de amenorreia causado por lesão endometrial devido a procedimentos invasivos como curetagem ou trauma e infecções. Com isso, a mulher para de menstruar devido às sinéquias (aderências fibrosas) que se formam na sua parede uterina. O diagnóstico é feito com histeroscopia.