Nós sabemos que os neurotransmissores são muito importantes em diversas funções tanto do sistema nervoso central, incluindo o cérebro, como do sistema nervoso periférico.
E, por isso, temos vários posts sobre neurotransmissores, como: dopamina, noradrenalina e serotonina.
ADRENALINA!! Ao que essa palavra te remete? A emoção, sensação de medo, perigo? Você já deve ter dito algo como: “esse momento foi adrenalina pura…”
Ou um momento de intensa atividade física?
Ou a palavra ADRENALINA te remete ao hormônio existente em nosso organismo?
Ou, ainda, a um medicamento utilizado em certas condições clínicas?
Ficou confuso? Pensou em tudo isso? Sem problemas!! Na verdade, que ótimo, pois tudo isso está interligado. É sobre o porquê dessa ligação que nós vamos conversar hoje!!
O que é a adrenalina?
Também conhecida como epinefrina, esta é uma substância importantíssima para o nosso organismo – uma catecolamina, que pode ser classificada tanto como hormônio quanto como um neurotransmissor devido às funções que desempenha.
Essa substância é produzida na glândula adrenal (ou suprarrenal, por conta da sua localização sobre os polos superiores dos rins), especificamente na medula da adrenal, a partir da modificação de um aminoácido (a tirosina). A produção de adrenalina corresponde a 80% da produção da medula da adrenal.
Um dos motivos de a produção da adrenalina ocorrer na medula da glândula adrenal é que a enzima feniletanolamina N-metiltransferase (FNMT), que catalisa a conversão de noradrenalina em epinefrina, está presente justamente nesse local.
A epinefrina, como a maioria dos mecanismos de nosso organismo, é liberada mediante um estímulo, e o estímulo necessário é alguma situação que represente perigo ao indivíduo.
Esse estímulo tem tudo a ver com a necessidade de adrenalina neste momento, já que suas funções, como veremos a seguir, são essenciais em uma resposta frente a situações de perigo.
Para que serve a adrenalina?
Você está fazendo uma caminhada e, de repente, se depara com uma onça. O que você pensa? “Já era!!!”.. Instantaneamente, você fica taquicárdico, taquipneico, a boca fica “seca”, você começa a suar, enfim, muito pavor!!
Como falamos anteriormente, existe um estímulo, e o estímulo, nesse caso, foi se deparar com uma onça, pelo risco físico que isso representa. Esse estímulo rapidamente estimula a medula da glândula adrenal a liberar adrenalina na circulação. E, assim, todas essas modificações ocorrem pela ação da epinefrina.
E por que ela faz isso? Não é à toa!! Essas modificações citadas aqui, dentre várias outras que conversaremos, ocorrem para te preparar para uma fuga.
Por exemplo, a taquicardia auxilia no aumento do débito cardíaco e a taquipneia faz com que uma maior quantidade de oxigênio seja inspirado para manter a oxigenação dos tecidos, que estão sob uma demanda maior.
“Mas eu nunca vou encontrar uma onça…”. Tudo bem, temos outro exemplo: você está andando pela rua e, de repente, é parado e descobre que está sendo vítima de um assalto. Qual a reação do organismo? A mesma!
E, agora, um exemplo “bom”. Você nunca saltou de paraquedas e hoje será o seu primeiro salto. O seu corpo entenderá o salto como um perigo, e as reações também serão as mesmas dos casos anteriores.
Acho que você já entendeu que não tem como fugir, em vários momentos você tem uma resposta mediada pela adrenalina!
Adrenalina e o Sistema Nervoso Autônomo Simpático
Nosso sistema nervoso possui uma divisão especial, que é o sistema nervoso autônomo, simpático ou parassimpático. O sistema simpático é o que tem íntima relação com a epinefrina.
Todos os exemplos anteriores são exemplos da ação da adrenalina, liberada em determinas situações, e que realiza ações simpaticomiméticas.
Liberação de adrenalina na circulação sanguínea
Como já dito, ela é liberada por células da medula adrenal na circulação sanguínea e, assim, chega aos diferentes órgãos e realiza suas funções simpaticomiméticas. Essas ações, portanto, mimetizam a ação do sistema nervoso autônomo simpático, que pode ser estimulado diretamente por fibras simpáticas que liberam noradrenalina.
O que você precisa gravar aqui é que a adrenalina desempenha uma função paralela à estimulação do sistema nervoso simpático!
“Então, ela faz apenas uma ação paralela?” Apenas, não… essa ação paralela é importantíssima, pois um sistema funciona como adjuvante ou substituto do outro.
Além disso, após ser liberada na circulação, a ação dessa substância dura mais tempo do que a estimulação simpática direta.
Veremos mais à frente algumas funções em que a adrenalina possui uma ação mais potente do que a estimulação direta (por meio da noradrenalina).
Término da ação da adrenalina
A epinefrina circulante, como conversamos anteriormente, demora mais tempo para ser metabolizada (1 a 3 minutos), sendo, então, capturada pelo transportador extraneuronal de monoaminas (EMT), presente na membrana célula do músculo liso, músculo cardíaco e endotélio.
Após ser capturada, ela é metabolizada, e as principais responsáveis pela metabolização, finalizando o efeito da adrenalina, são as enzimas monoamino-oxidase (MAO), que estão presentes em terminações nervosas, fígado e epitélio intestinal, e a catecol-O-metil transferase (COMT), presente principalmente na medula adrenal e em diversos tecidos.
A metabolização é realizada pela MAO e pela COMT, e, então, liberam-se os metabólitos pela urina, sendo que o mais encontrado é o ácido vanilmandélico (VMA), que, em certas situações, é dosado na urina para avaliar as concentrações de monoaminas.
Um exemplo são os casos de hipertensão secundária, em que se suspeita de feocromocitoma (um tumor de tecido cromafim que aumenta a secreção de epinefrina) e, então, dosa-se o VMA para mensurar quais são as concentrações de adrenalina que foram liberadas.
Funções desempenhadas pela adrenalina
Ao ser liberada na corrente sanguínea, essa substância atua em vários receptores adrenérgicos – α1, α2, β1 e β2, presentes nos órgãos efetores. Uma vez que esses receptores se encontram em diferentes órgãos, também serão diferentes as ações desempenhadas em cada um deles.
Atuação da adrenalina no receptor α1
O receptor está presente em vários locais em nosso organismo: vasos sanguíneos, sistema gastrointestinal, sistema urinário, globo ocular, sistema respiratório e em várias glândulas.
Um efeito muito importante é o nos vasos sanguíneos. A adrenalina, ao se ligar a esse receptor, acoplado à proteína Gq, estimula uma cascata, que resulta em aumento de cálcio e o resultado é a vasoconstricção.
E qual a importância clínica? Aumento da pressão arterial! A vasoconstricção aumenta a resistência vascular periférica (RVP) e, com isso, aumenta a pressão arterial (PA= DC x RVP). Além disso, a atuação nesse receptor promove o aumento do retorno venoso, por realizar a contração dos vasos venosos.
Mas é importante salientar uma coisa: a adrenalina realiza essas ações de maneira menos potente, ou seja, ocorre vasoconstrição e aumento da PA, mas em graus menores se comparado à noradrenalina, por exemplo.
Em condições como choque hipovolêmico com RVP baixa, aminas vasopressoras são utilizadas com o intuito de aumentar a RVP e, assim, aumentar a PA.
Porém, essa substância não é o padrão ouro, pois existem outras com maior ação nesses receptores, sendo a noradrenalina muito utilizada, por exemplo, como já conversamos.
Outro efeito nesse receptor se dá no globo ocular. Uma das ações da estimulação do α1 é o aumento de cálcio, levando à contração do músculo radial da íris e, assim, promovendo midríase, ou seja, promove dilatação da pupila. Isso ocorre fisiologicamente em uma situação de estresse ou fuga, a fim de aumentar o campo de visão.
O trato gastrointestinal também possui receptores α1 , e a ação das catecolaminas nesse local é promover contração dos esfíncteres, e, dessa forma, reduz o esvaziamento do TGI, pois, uma vez que os esfíncteres se fecham, o conteúdo presente no TGI não consegue passar.
No sistema urinário, a ativação dos receptores promove também a contração de esfíncter, mas dessa vez é o esfíncter da bexiga, além da contração do ureter. O que acontece? Reduz a micção.
Os receptores também estão presentes no sistema respiratório, onde sua ação é reduzir a secreção brônquica. Ou seja, aumenta a passagem de ar.
Atua também em de algumas glândulas, levando à formação de uma secreção mais concentrada, e não podemos nos esquecer também que a vasoconstricção, gerada pela ação da adrenalina nos vasos sanguíneos, pode reduzir a secreção das glândulas em geral.
As glândulas sudoríparas, por exemplo, são estimuladas a produzirem suor, porém é um suor ‘diferente’: é chamado de suor adrenérgico, por ser mais viscoso, odorífero e frio, devido à vasoconstricção, além de ser localizado preferencialmente em extremidades, como na face, axilas, mãos, pés e região inguinal.
As glândulas salivares também são ativadas, produzindo uma saliva mais espessa, provocando a sensação de boca seca. As glândulas apócrinas da axila também são estimuladas, produzindo uma secreção espessa e odorífera.
Há também a contração pilomotora.
E um efeito que talvez você nem imagine que as catecolaminas podem desempenhar atuando em é a ejaculação. Isso mesmo!! A próstata, os ductos deferentes e as vesículas seminais possuem receptores α1, e, ao serem ativados, promovem contração de tais estruturas, e, assim o sêmen é propelido, levando à ejaculação.
Adrenalina atuando em receptores β1
Os receptores β1 estão presentes em alguns importantes órgãos do nosso organismo. Esses receptores são acoplados à proteína Gs, que ativa adenilciclase e leva ao aumento de AMPc.
A epinefrina aumenta a atividade global do coração, aumentando a frequência cardíaca e a força de contração. O coração possui receptores β1 tanto no miocárdio contrátil quanto no miocárdio especializado.
Ao se ligar, uma série de efeitos cardíacos podem acontecer. Um desses efeitos, como dito, é o aumento da força de contração, ou seja, aumento do inotropismo. Como há também o aumento da frequência cardíaca, o coração se contrai mais vezes por minuto, bombeando mais sangue, e aumenta, assim, o débito cardíaco (DC = VS x FC).
Há aumento também da condução pelo sistema especializado, como o nó sinusal e o nó atrioventricular. Tudo isso aumenta a função de bomba do coração, sendo essencial para uma resposta frente a um perigo ou para uma corrida, por exemplo.
Com todo esse aumento de frequência cardíaca, da condução e do inotropismo, há um grande potencial de ocorrerem arritmias. E não podemos nos esquecer de que, uma vez que a frequência cardíaca e o débito cardíaco aumentaram, há aumento também da pressão arterial (PA = DC x RVP).
E aqui devemos salientar uma peculiaridade da ação da adrenalina: ela possui um efeito mais potente sobre os receptores beta, inclusive o β1. Então, essa ação no coração é importantíssima (entendeu por que são importantes as duas ações – da estimulação direta do sistema simpático e da liberação de adrenalina?!!!).
Com isso, além de aumentar a função cardíaca, ela pode promover um importante aumento da pressão arterial, e, assim, voltamos a um efeito anterior, em que eu disse que a ação vasoconstrictora é fraca, e, com isso, o aumento da pressão arterial também seria em menor grau.
Porém, como vimos agora, ela não só interfere na vasoconstricção, mas também – e principalmente -, no aumento do débito cardíaco.
Outro local de ação são os rins, especificamente no aparelho justaglomerular. Esse aparelho situa-se no polo vascular do corpúsculo renal. Ele é composto por arteríolas aferentes, arteríolas eferentes, células da mácula densa (monitoram as concentrações de Na+ e Cl–), células justaglomerulares (secretam renina) e células mesangiais extraglomerulares.
Quando ela se liga ao receptor β1 , leva ao aumento da secreção de renina. E qual é a ação da renina? Ativar o SRAA (Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona). A renina é convertida em angiotensina I que, por sua vez, é convertida em angiotensina II, que promove vasoconstricção e, com isso, aumenta a pressão arterial.
Além disso, a angiotensina II é convertida em aldosterona, que aumenta a absorção de Na+ e H2O e secreta K+. Ou seja, aumenta o volume, contribuindo também para o aumento da pressão arterial.
E um outro efeito em β1 é a redução da motilidade gastrointestinal, reduzindo a peristalse.
Adrenalina atuando em receptores β2
Essa substância também pode atuar em receptores β2, ativando a proteína Gs.
Aqui, nós temos outra função importantíssima, pois a noradrenalina não possui afinidade com esses receptores, ou seja, a protagonista aqui é a adrenalina.
Um dos efeitos nesses receptores é a ativação do β2 nos vasos sanguíneos. E o que acontece? Vasodilatação. Agora você pode estar pensando: “mas você não disse que a ação é de vasoconstricção?” Sim!! O que acontece é que são os receptores β2 que predominam nessa localização. Assim, esse efeito vasodilatador em β2 ocorre raramente.
Outra musculatura que possui receptores β2 é a lisa bronquiolar, que, ao promover relaxamento, causa broncodilatação, a fim de aumentar o fluxo de ar.
A ação β2 também relaxa a musculatura lisa uterina. Relaxa a musculatura da bexiga (músculo detrusor) e, com isso, aumenta a capacidade de volume da bexiga, reduzindo a vontade de ir ao banheiro.
Alguns efeitos metabólicos também poder ser notados na ativação adrenérgica β2 , como o aumento da liberação de insulina.
O globo ocular também possui receptores β2 que, ao serem ativados, relaxam o músculo ciliar, promovendo acomodação da visão a distância.
Ela também atua nos receptores β2 e desempenha um papel muito importante no fígado, como o aumento da glicogenólise e gliconeogênese.
E, agora, um efeito muito importante, que se dá na terminação nervosa pré-sináptica: quando a adrenalina se liga ao β2, é a modulação positiva da liberação de noradrenalina pela terminação, ou seja, aumenta a liberação de NOR, que vai desempenhar todos os seus efeitos simpáticos sistemicamente nos receptores que falamos anteriormente (α1, α2 e β1).
Adrenalina atuando em receptores β3
Além de tantas ações, já vistas, a adrenalina atua também em β3, estimulando a lipólise.
Principais diferenças entre adrenalina e noradrenalina
Vimos, então, as inúmeras ações adrenalina e não se esqueça, principalmente, das diferenças que ela apresenta em relação à noradrenalina.
- Ação vasoconstrictora fraca ao atuar em receptores α1
- Ação mais intensa nos receptores beta adrenérgicos
- Aumento do metabolismo geral
Usos clínicos da adrenalina
A epinefrina pode ser utilizada em algumas situações. Uma delas é a parada cardíaca, pois lembre-se que a sua nos receptores cardíacos é mais intensa. Ela desempenha papel importante, levando ao aumento da pressão de perfusão e melhorando o fluxo cerebral e coronariano.
Outra ação se dá em reações de hipersensibilidade aguda, como a anafilaxia. Em quadros de choque anafilático, ocorre hipotensão severa, edema de glote, urticária e angioedema. Nesses quadros, a adrenalina é padrão ouro.
E a adrenalina ainda pode ser utilizada associada a anestésicos locais, a fim de aumentar a duração da ação do anestésico.
Adrenalina e ciclo sono-vigília
A adrenalina é uma das monoaminas que compõem o sistema monoaminérgico ativador ascendente, relacionado à vigília.
Leia também: Melatonina e o ciclo sono-vigília
Além de toda essa ação fisiológica, a adrenalina também pode ser utilizada para controle de algumas condições clínicas, onde ela pode ser essencial.
Por hoje, é isso pessoa, bons estudos e até a próxima!!