Você já se perguntou como foi descoberta a aspirina (AAS)? Um dos medicamentos mais conhecidos e utilizados no mundo, com diversas ações e de suma importância. Como ocorreu o início do uso dessa substância? Vocês sabiam que foi proveniente de um vegetal? Foi utilizada desde o início para o que a gente conhece hoje? Isso tudo e muito mais vamos descobrir em mais um artigo da “História da Medicina”. Antes de começar deixa eu comentar uma coisinha: eu estou usando a palavra “descoberta”, mas no geral especialistas em história da ciência preferem falar “construção do conhecimento”. Eles têm razão, mais que uma descoberta é algo que vai sendo construído aos poucos. Bem, vamos ver como foi isso…
UMA PEQUENA CONTEXTUALIZAÇÃO:
Ao longo da história muitas civilizações utilizaram o salgueiro para aliviar a dor. Somente em 1800, os cientistas foram capazes de isolar o princípio ativo – que provavelmente era responsável pelo alívio do desconforto álgico – e começar a estudá-lo. Após algumas experiências, um pó branco isolado começou a ser estudado e daria origem futuramente à aspirina, o medicamento mais utilizado no mundo.
Uma das principais buscas da Medicina, e é assim até hoje, é o controle da dor. A busca por uma medicação eficaz para o controle álgico é tão antiga quanto a própria civilização humana.
Os antigos egípcios usavam extrato de salgueiro para aliviar dores e sofrimentos, enquanto o grego Hipócrates recomendava e prescrevia chá de folha de salgueiro às gestantes para aliviar a dor do parto. Aproximadamente dois mil anos depois, em 1750, Edward Stone, clérigo inglês, conduziu um estudo de 5 anos que foi capaz de demonstrar que a casca seca em pó do salgueiro ajudava para curar a febre. Em 1763, a Royal Society publicou seus resultados, alavancando o interesse dos cientistas e médicos no potencial analgésico do salgueiro.
No século XIX, esse envolvimento cresceria ainda mais com a ciência se tornando algo mais profissional e objetiva e menos filosófica, com grande foco na descoberta de medicações para benefício da humanidade.
OS PRIMEIROS EXPERIMENTOS OFICIAIS COM AAS:
Em 1828, Joseph Buchner, um professor de farmácia da Universidade de Munich, extraiu uma pequena quantidade de composto de casca de salgueiro e “batizou” de salicina. No ano seguinte a este fato, o químico francês Henri Le Roux refinou o processo e teve como resultado um cristal do mesmo composto. Praticamente na mesma época, o farmacêutico suíço Johann Pagenstecher também encontrou o mesmo produto. No entanto, somente em 1853 que o químico francês Charles Frédéric Gerhardt fez a descoberta que abriu o caminho para a produção em massa da medicação em questão.
A salicina, da forma que é encontrada no salgueiro, possui um efeito suave na dor. Dessa forma, Gerhardt extraiu um derivado mais potente desse produto, chamado de ácido salicílico, e foi capaz de elaborar uma fórmula molecular, que permitiu a produção em laboratório, em concentrações muito maiores do que a encontrada nas plantas. E aí surgiu um problema! Apesar de ser muito mais eficaz no alívio da dor, há efeitos adversos importantes para o estômago, sendo capaz de causar náuseas, hemorragia, diarreia, necessitando de um certo “tamponamento” a fim de evitar esses efeitos.
O DECORRER DO TRABALHO DE GERHARDT:
No decorrer de seu trabalho, Gerhardt optou por misturar cloreto de acetila com ácido salicílico a fim de reduzir os efeitos colaterais desse último. Com o produto encontrado, criou-se pela primeira vez uma forma rudimentar de ácido acetilsalicílico. Na ocasião, Gerhardt não se demonstrou muito interessado em levar adiante sua descoberta, enquanto outros cientistas se animaram e o fizeram.
Duas décadas depois, em 1876, a revista médica “The Lancet” publicou os resultados do primeiro ensaio clínico com a salicina. Thomas Maclagan, médico escocês, foi capaz de concluir que um grupo de pacientes com doenças reumáticas apresentou redução da febre e da artrite após tomar o composto químico. Sendo assim, Maclagan escolheu utilizar salicina ao invés do ácido salicílico mais porque era mais inócuo ao estômago.
UM POUCO MAIS SOBRE CHARLES FRÉDÉRIC GERHARDT, QUE SUBESTIMOU ONDE PODERIA CHEGAR COM SUA DESCOBERTA DA ASPIRINA:
Nascido em Estrasburgo, na França, Charles Gerhardt se interessou pela química desde muito jovem. O pai de Charles era dono de uma produção de chumbo, porém possuía pouco conhecimento científico dos processos de sua fábrica. Com isso, Gerhardt foi enviado para estudar química na Politécnica de Karlsruhe, na Alemanha. Nos últimos anos de estudo, Charles também frequentou a Universidade de Giessen, na Alemanha, e a Universidade de Paris, onde se beneficiou do melhor ensino de química disponível em ambos os países.
O químico dedicou sua carreira à pesquisa de simplificações das fórmulas usadas na química, mas seu maior sucesso foi a síntese de anidridos de ácido, que acabou levando à descoberta da aspirina (mesmo que ele não tivesse valorizado na época. Que tristeza!).
OS PASSOS FINAIS DA DESCOBERTA DA ASPIRINA:
Durante muito tempo o uso ficou limitado pelos intensos efeitos adversos da droga. Quem foi capaz de criar um produto mais adequado e eficaz para a utilização em massa foi Felix Hoffmann, funcionário da fabricante de corantes Friedrich Bayer e Co, na Alemanha. O pai de Felix sofria de doenças reumatológicas (provavelmente artrite reumatoide), e incentivou o filho a desenvolver uma medicação analgésica e que fosse menos irritante ao sistema gástrico do que os produtos já existentes à base de ácido salicílico. Hoffmann e alguns colegas que trabalhavam na Bayer desenvolveram com sucesso uma forma eficaz e facilmente sintetizada de ácido acetilsalicílico, que era mais tênue ao estômago do que o ácido salicílico. Em 1897, foi produzida a primeira amostra. A Bayer patenteou a invenção e começou a distribuir o medicamento sob a marca “Aspirin” em 1899.
A DROGA “MARAVILHOSA” E O DOMÍNIO DA ASPIRINA:
Após a Bayer ter patenteado o medicamento, os primeiros 50 anos da droga foi um grande sucesso. A aspirina dominou o mercado como o analgésico mais vendido no mundo (ainda é muito utilizado em território norteamericano como tal).
Já em 1970, pesquisadores médicos descobriram uma nova aplicação surpreendente para o AAS.
A GRANDE REVIRAVOLTA:
A partir de 1970, iniciaram as descobertas da propriedade antiplaquetária do AAS, o que contribuiria, e muito, para a terapia utilizada nas síndromes coronarianas agudas, nos pacientes com doença aterosclerótica e profilaxia secundária e por aí vai. Isso ainda faz com que a aspirina seja uma das medicações mais comercializadas no mundo.
OUTRO PAPEL IMPORTANTE:
Um uso importante na prática médica do AAS é no contexto de pericardite aguda. É uma das drogas de escolha no tratamento desses pacientes.
UMA HISTÓRIA E TANTO:
Certamente, Hoffmann nunca iria imaginar que, mais de um século após sua descoberta, a aspirina se tornaria uma droga “milagrosa” com várias indicações de uso, capaz de salvar muitas vidas.