Você certamente já conhece as drogas vasoativas (fármacos que agem de forma rápida e intensa no sistema cardiovascular), sabe as principais características de cada uma delas e como elas interagem com cada subtipo de receptor adrenérgico. Afinal, nós conversamos sobre isso aqui.
Mas, se fosse para viver de teoria, você teria feito… alguma outra coisa que não medicina.
No mundo real, quando estiver diante de um paciente hemodinamicamente instável, você não vai ouvir seu preceptor perguntar por que aquela é a droga de escolha naquele caso específico, qual é seu efeito colateral mais comum e com qual receptor ela interage de forma mais intensa. Nada disso. Na verdade, o que você vai ouvir é a equipe multiprofissional perguntar qual diluição você quer, qual será a dose inicial e quando você vai passar o acesso central.
Saber princípios de farmacologia e fisiopatologia é fundamental, mas está longe de ser suficiente. Por isso, resumimos aqui — em um texto que cabe no seu bolso — as principais informações que você precisa ter na ponta da língua quando estiver prescrevendo drogas vasoativas no mundo real.
Princípios universais
É claro que cada droga vasoativa tem modos de diluição, doses usuais e indicações diferentes, mas todas elas compartilham alguns princípios que devem ser levados em conta sempre, independentemente de qual droga você está usando.
Comece devagar
Apesar de sua prescrição ser bastante difundida, há poucos estudos científicos robustos para guiar o uso dos inotrópicos e vasopressores, o que faz com que seu uso na prática seja mais guiado pela experiência do médico. No mundo real, as diluições, as doses iniciais, os incrementos de dose, as doses máximas e a decisão de associar duas ou mais drogas vasoativas variam bastante entre cada serviço e profissional.
Por isso, a regra de bolso é: comece devagar. Mesmo com drogas como a dopamina, que tem efeitos diferentes em doses diferentes, o recomendado é começar com doses mínimas e aumentar ou diminuir de acordo com a resposta do paciente.
Se for errar, erre para menos. E corrija rápido.
Dilua
Em geral, as drogas vasoativas devem ser diluídas antes de serem administradas. Normalmente, cada serviço tem uma diluição padrão, que deve ser respeitada, por motivos de segurança: o resto da equipe estará acostumada a usar cada droga naquela diluição, e mudar isso constantemente pode gerar confusão desnecessária, colocando o paciente em risco de subdose ou sobredose — o que pode ser catastrófico no caso das drogas vasoativas.
Classicamente, os inotrópicos são diluídos em soro glicosado, apesar de estudos mais recentes demonstrarem que essas drogas são tão estáveis em solução salina a 0,9% (soro fisiológico) quanto são em solução glicosada.
Retire
Na maioria dos casos, as drogas vasoativas devem ser vistas como soluções extremas e pontuais. Seu objetivo é manter o paciente vivo e bem enquanto a causa básica de seu problema de saúde é corrigida.
Ou seja, vasopressores e inotrópicos não são como antibióticos, que são mantidos mesmo depois que a febre passa. Tão logo os alvos terapêuticos sejam atingidos, o ideal é retirar a droga prontamente (prontamente, mas aos poucos).
Isso, claro, caso o paciente mantenha dados vitais aceitáveis sem a droga. Para isso, na maioria dos casos, é necessário (e de extrema importância) fazer a ressuscitação volêmica do paciente antes e durante a terapia vasoativa.
Os objetivos da intervenção no choque hemodinâmico são diferentes para cada paciente, dependendo da causa do choque, da perfusão periférica, das comorbidades do paciente, da pressão arterial de base etc., mas uma pressão arterial média de 65 mmHg é um bom alvo genérico para guiar sua terapia vasoativa em boa parte dos casos de choque que você verá na prática clínica.
Prefira um acesso central
Como regra geral, drogas vasoativas são administradas através de um cateter venoso central.
Acessos centrais são classicamente preferíveis por vários motivos:
- cateteres periféricos apresentam maior risco de extravasamento da droga, o que pode causar isquemia e necrose no tecido adjacente — hoje em dia, debate-se se o risco (pequeno) de complicações graves decorrentes do extravasamento justifica o uso de cateteres centrais em todos os pacientes que precisam de drogas vasoativas;
- acessos centrais são mais confiáveis: podem ser usados por mais tempo, com menos risco de perda do acesso;
- cateteres centrais fazem menos flebite.
Por outro lado, cateteres centrais também têm desvantagens: apresentam maior risco de infecção grave e sua inserção é complexa, demorada e sujeita a complicações graves, como pneumotórax e perda do fio guia no interior do paciente. Ultimamente, estudos mais novos têm advogado o uso de acessos periféricos para infusão dessas drogas.
A regra de bolso é:
- quando um paciente precisa de drogas vasoativas, ele precisa de um acesso venoso central;
- não atrase o início dos inotrópicos e vasopressores pela falta do cateter central — eles podem ser administrados em veia periférica por até 72 horas;
- drogas vasoativas em veias periféricas requerem contínua monitorização do acesso e pausa imediata da infusão se for notado extravasamento.
Noradrenalina
Indicações
A noradrenalina é não só a droga vasoativa de escolha na sepse, mas também uma das drogas de primeira linha no choque indiferenciado, junto com a dopamina.
Apresentação
A norepinefrina geralmente vem em ampolas de 4 mL, na concentração de 1 mg/mL. Cada ampola contém 4 mg da droga.
Diluição
Quanto à diluição, o Uptodate recomenda uma ou duas ampolas (4 ou 8 mg) de noradrenalina em 246 (ou 242) mL de soro fisiológico ou soro glicosado 5% (16-32 mg/L), mas concentrações de até 128 mg/L são costumeiramente recomendadas, inclusive no Brasil. No meu serviço, usamos quatro ampolas (16 mg) em 84 mL de soro glicosado 5%, gerando uma solução ainda mais concentrada (160 mg/L).
Ou seja, não existe uma diluição padrão universal. Mas leve como regra de bolso:
- descubra a concentração padrão do serviço e use-a;
- se não conseguir descobrir, dilua duas ou quatro ampolas de norepinefrina (8-16 mg) em 242 ou 234 mL de soro glicosado 5%;
- apesar da noradrenalina ser estável em solução salina, a maioria dos serviços costuma usar soro glicosado mesmo — não brigue por causa disso.
Dosagem
É sensato (e alinhado à literatura sobre o tema) iniciar a noradrenalina a 300 mcg/hora (5 mcg/min) ou algo próximo disso, e aumentar (ou diminuir) a dose a partir daí.
No caso do meu serviço, onde diluímos 4 ampolas de noradrenalina em 84 mL de soro glicosado, obtendo 160 ml/L (160 mcg/mL), isso significa começar a infusão a 1,5 ou 2 mL/h.
Caso a diluição seja de 4 ampolas em 234 mL de soro (64 mL/L, ou 64 mcg/mL), é razoável iniciar a 4 ou 5 mL/h.
Para ajuste de dose, a literatura recomenda aumentar ou diminuir em blocos 0,02 mcg por quilo de peso corporal por minuto, o que dá mais ou menos 1 ou 2 mcg por minuto — ou seja, 60-120 mcg/hora. Isso dá 1 ou 2 mL/h na concentração de 64 mcg/mL.
Ou seja, regra de bolso para uma solução de 4 ampolas de noradrenalina em 234 mL de soro glicosado (64 mcg/mL):
- comece a 5 mL/h;
- aumente ou diminua 1 ou 2 mL/h e observe a resposta (espere 2-4 minutos);
- para uma solução mais concentrada (128 ou até 160 mcg/mL), divida esses valores pela metade.
Adrenalina
Indicações
A adrenalina pode ser usada de diversas formas, de acordo com o objetivo: como colírio para induzir midríase, em bólus endovenoso durante uma parada cardíaca, ou em bomba de infusão contínua como agente adjuvante em choques hemodinâmicos de diversas etiologias (de modo semelhante à noradrenalina).
É a droga de escolha no choque anafilático e na parada cardíaca, e droga de segunda linha no choque séptico refratário à noradrenalina ou dopamina.
Apresentação
A adrenalina (epinefrina) geralmente vem em ampolas de 1 mL, na concentração de 1 mg/mL. Cada ampola contém 1 mg da droga.
Diluição
No caso do uso em bomba de infusão contínua, o Uptodate recomenda três diluições para adultos:
- uma ampola (1 mg) em 250 mL de soro fisiológico ou glicosado a 5% (4 mcg/mL);
- quatro ampolas em 250 mL (16 mcg/mL);
- uma ampola em 1000 mL (1 mcg/mL).
No meu serviço, novamente, usamos uma solução mais concentrada: duas ampolas em 98 mL, o que dá 20 mcg/mL na solução final. Há colegas que fazem até 12 ampolas em 238 mL de glicose 5%, gerando uma solução com 48 mcg de adrenalina por mL.
A adrenalina também é usada para fazer “push doses” no caso de hipotensão grave que precisa ser rapidamente controlada ou de hipotensão de curta duração associada a sedação e pós-intubação. Eu faço 1 mg em 20 mL de solução, o que dá 50 mcg/mL: uma concentração acima do ideal, mas ainda aceitável. Você pode fazer 1 mL dessa solução a cada 2-5 minutos, de acordo com a necessidade.
Acredite, push doses de adrenalina são miraculosas quando a “medicina de rua” pega seu conhecimento teórico de calças curtas: serviços de cidades pequenas sem noradrenalina em estoque, falta extrema de recursos humanos para preparo das drogas, bombas de infusão contínua com noradrenalina que simplesmente param de funcionar, e por aí vai. Você sente o pulso do paciente ficar mais forte segundos após aplicar a seringa.
A regra de bolso da adrenalina é:
- se possível, use a concentração padrão do serviço;
- se não souber a diluição padrão, dilua uma ou duas ampolas de epinefrina (1-2 mg) em 100 mL de soro glicosado 5% (concentração final: 10-20 mcg/mL);
- novamente, você pode diluir em soro fisiológico, mas é mais usual utilizar o soro glicosado.
E a regra de bolso da adrenalina push dose:
- uma ampola em 19 mL de qualquer coisa (glicose 5%, solução salina, água destilada etc.) — concentração: 50 mcg/mL;
- 1 mL da solução a cada 2-5 minutos, sempre com monitorização contínua.
Dosagem
Novamente, o mais sensato é começar devagar, e aumentar a dose incrementalmente se necessário (de olho no alvo terapêutico, que pode ser uma pressão arterial média de 65 mmHg, por exemplo).
Um regime já descrito na literatura seria iniciar com 3 mcg/min (180 mcg/h), o que daria:
- 45 mL/h da solução a 4 mcg/mL (uma ampola para 250);
- aproximadamente 11 mL/h da solução a 16 mcg/mL (quatro ampolas para 250);
- 9 mL/h da solução a 20 mcg/mL (duas ampolas para 100).
E a partir disso, aumentar a dose em blocos de 3 mcg/min (180 mcg/h).
Dá para perceber que fazer isso com uma solução a 4 mcg/mL seria inviável: você precisaria infundir 3240 mL em 24 horas só de solução de adrenalina para manter uma dose de 9 mcg/min. Em um paciente de terapia intensiva, que também tem sedativos e outras drogas em bomba de infusão, isso seria o mesmo que condená-lo à congestão pulmonar ou à falência renal.
Então a regra de bolso para uma solução a 20 mcg/mL (duas ampolas para 100):
- iniciar a 10 mL/h;
- aumentar ou reduzir aos poucos (5-10 mL/h) de acordo com a resposta do paciente.
Não menos importante, a regra de bolso da adrenalina no choque anafilático:
- 0,5 mL de adrenalina 1 mg/mL por via intramuscular (ou subcutânea) — repetir a cada 5 minutos, se necessário.
Finalmente, a regra de bolso da adrenalina na parada cardiorrespiratória:
- 1 mg (1 ml puro com push logo após, ou diluído para 10 mL) a cada 3 minutos (endovenoso);
- começar o mais rápido possível, se ritmo não chocável;
- começar após o segundo choque, se ritmo chocável.
Dopamina
Indicações
A dopamina é historicamente indicada no tratamento do choque cardiogênico, mas também pode ser usada no choque indiferenciado e até na sepse — apesar de a noradrenalina se solidificar cada dia mais como primeira escolha nesse caso. Hoje em dia, raramente a dopamina será a primeira opção no choque, já que trabalhos recentes demonstraram maior mortalidade e risco de arritmias em comparação com outras drogas.
Apresentação
A dopamina costuma se apresentar em ampolas de 5 mL, na concentração de 40 mg/mL. Cada ampola contém 200 mg da droga.
Diluição
O Uptodate recomenda que se dilua uma ou duas ampolas de dopamina (400-800 mg) em 250 mL de solução com soro fisiológico ou glicosado. A concentração final é de 1600-3200 mcg/mL.
Regra de bolso: uma ampola em 245 mL de soro glicosado a 5%.
Dosagem
Como já falamos, um dos princípios teóricos da dopamina como droga vasoativa é a mudança de seu perfil de ligação aos receptores adrenérgicos e de seus efeitos fisiológicos dependente da dose. Apesar disso, não se recomenda que se inicie a infusão de dopamina em doses altas, mesmo que o objetivo seja chegar a essas doses. Aqui, também vale o princípio prático: comece devagar.
É razoável iniciar a dopamina a 1-3 mcg/kg/min, o que dá cerca de 80-250 mcg/min para um adulto médio, o que dá 4800-15000 mcg/h.
Regra geral: em uma solução a 1600 mcg/mL (uma ampola para 250), você pode iniciar a infusão a 3-10 mL/h.
Dobutamina
Indicações
A dobutamina é usada classicamente no choque cardiogênico, ainda que pesquisadores tenham questionado seu efeito sobre a mortalidade desses pacientes em tempos mais recentes.
Ela também é indicada no choque séptico com componente cardiogênico ou sinais persistentes de má perfusão periférica a despeito da terapia inicial, apesar de seu uso nessas condições ser criticado por parte dos intensivistas.
Apresentação
A dopamina aparece em ampolas de 20 mL, na concentração de 12,5 mg/mL. Cada ampola contém 250 mg da droga.
Diluição
A dobutamina pode ser diluída com uma ampola em 230 mL de soro fisiológico (concentração final: 1000 mcg/mL). No meu serviço, costumamos utilizar uma solução concentrada, diluindo 4 ampolas em 170 mL de soro glicosado (concentração final: 4000 mcg/mL).
Assim como os outros inotrópicos que discutimos, a dobutamina pode ser diluída em solução fisiológica ou em soro glicosado. Dê preferência ao solvente que o serviço está acostumado a usar.
Dosagem
Recomenda-se iniciar a dobutamina no choque cardiogênico a 1 mcg/kg/min, o que dá cerca de 4800 mcg/h para um adulto médio. Isso significa 5 mL/h da solução a 1000 mcg/ml.
Como combinamos que vamos pecar pela cautela (e não pelo excesso), a regra de bolso fica sendo:
- 1 ampola de dobutamina em 230 mL de solução glicosada ou salina (concentração final: 1000 mcg/mL);
- iniciar a 5 mL/h;
- ajustar conforme necessário até chegar a 25-100 mL/h.