Índice
- A questão do rastreamento em massa e os malefícios populacionais: sobrediagnóstico e sobretratamento – 1
- A questão da importância da decisão compartilhada e da longitudinalidade: observância aos Princípios da APS – 7
- Diagnóstico precoce X diagnóstico oportuno e o uso de recursos mais efetivo: APS como coordenadora e gestora do cuidado – 7
- Proposta de Intervenção: o pensar na integralidade da Saúde da Mulher – 9
A questão do rastreamento em massa e os malefícios populacionais: sobrediagnóstico e sobretratamento
O receio da população em geral de adoecer é um conceito que por muito tempo moldou o modo de fazer saúde, e que em determinados momentos da história da humanidade foi o grande impulsionador pela busca da extensão da vida, e diminuição do sofrimento. Iona Heath, médica de família inglesa, membro do Conselho da Organização Mundial de Médicos de Família (WONCA), descreve [11] esse fenômeno:
“Aliviar o sofrimento é um imperativo moral infindável, mas a obsessão contemporânea pela manutenção da saúde faz parte da persistente e recorrente ilusão do sonho humano de controlar o futuro. A atual manifestação desse sonho é mediada pela ciência, cujo novo Santo Graal é
uma vida longa e sem sofrimento, que termina na velhice extrema, com rápido declínio e morte, também milagrosamente sem sofrimento.”
Ao longo das últimas décadas, a Medicina avançou muito em termos de tecnologia disponível para diagnóstico e tratamento. Junto com ela, a sociedade foi se modificando, a sensação do tempo foi encurtando (por conta da velocidade em que dispomos de informações), gerando cada vez mais uma sensação de que podemos ter resultados eficazes cada vez mais rápidos (aumentando, portanto, a efetividade).
Porém, à medida que o tempo passou, nesse cenário montado cresceu o impacto da Indústria Farmacêutica na tomada de decisão tanto do paciente quanto do médico, moldando a forma como pensamos ser saudáveis: exames mais tecnológicos, diagnósticos cada vez mais cedo, medicamentos
cada vez mais novos.
Uma busca cada vez maior por controle (social e cultural) em processo inerentes à vida humana: o adoecer e o morrer, criando expectativas por vezes irreais sobre qualidade de vida ou postergação da terminalidade da vida.
Convém lembrar que os avanços médicos de maneira geral trouxeram grandes avanços e melhoraram a qualidade de vida, como a medicação para aliviar a asma, cirurgia para remover a catarata, tratamento dentário e monitoramento de pacientes com diabetes.
Porém, a partir do momento em que determinadas intervenções não gerem aumento de quantidade ou qualidade de vida, conclui-se que as mesmas não somente são desnecessárias, como podem ser prejudiciais, se tornando muitas vezes paradoxal tecer esforços para realizá-las.
Em 2015, a terceira maior causa de morte em geral na população estadounidense (quase meio milhão de pessoas) foi associada aos excessos das intervenções em saúde, por conta da geração do desejo insaciável pelo consumo de serviços de saúde e uma mudança paradigmática no que se entende por reais necessidades individuais em saúde.
Por isso, não há dúvidas, como Gérvas diz em seu livro “São e Salvo: e Livre de Intervenções Médicas Desnecessárias” [1], que a “assistência em saúde é um fator de risco, e sua utilização requer cautela, para casos de verdadeira necessidade”.
Tendo em vista a alta mortalidade feminina por câncer de mama e câncer de colo de útero alta na população em geral, responsável por grande parte das mortes por causas neoplásicas específicas nessa população, gerou-se, inadvertidamente, a ideia de que “melhor prevenir que remediar”.
Em algumas circunstâncias, é possível que a propagação dessa ideia possa até ter sido gerada por movimentos promotores de doença, com fins lucrativos (como é o caso da indústria farmacêutica), num processo conhecido como Disease Mongering, algo conhecido e reconhecido na literatura mundial, culminando na geração de livros sobre o colesterol, por exemplo, e outros em diversos outro temas. Um deles que descreve muito essa relação é o livro de Peter Gøtzsche, médico dinamarquês, pesquisador, e ex-presidente da Cochrane [6].
Alguns pontos são relevantes aqui. A ausência de evidência de benefícios não pode ser considerada evidência de ausência de malefícios, além da possibilidade de que agindo assim – tentando acertar pelo excesso – somos levados a deixar de lado outros aspectos pertinentes ao âmbito de nossas ações como promotores de saúde que são os possíveis malefícios que as práticas que estimulamos possam trazer a população em geral.
Citando nosso Caderno De Atenção Básica nº29, rastreamento é definido como a “realização de testes ou exames diagnósticos em populações ou pessoas assintomáticas, com o objetivo de possibilitar o diagnóstico e tratamento oportunos, reduzindo assim a morbidade e mortalidade da doença rastreada”.
Porém, caso esta alteração, por vezes por conta dos avanços das técnicas, seja visto a nível histológico, e não clínico, não gerando portanto adoecimento e na maior parte das vezes sem gerar qualquer tipo de dano (ou por não ter letalidade, ou por ser algo que seria resolvido espontaneamente pela própria biologia humana), não teria razão de ser diagnosticada (a não ser que se mudasse prognóstico).
Ou seja, é um tipo de informação que não traz verdadeira relevância, podendo gerar o que é conhecido como SOBREDIAGNÓSTICO.
Em situações como estas (sobrediagnóstico) a possibilidade de incorrer em riscos aumenta por que o sobrediagnóstico determina condutas que podem gerar malefícios importantes. O que ocorre, nesse caso, é o resultado do sobrediagnóstico em andamento: o sobretratamento.
À medida que sobrediagnosticamos, damos para muitas pessoas o rótulo de “doentes” e aumentamos em muito a prevalência dessa condição na população em geral. Este processo não necessariamente significa que a doença em si aumentou, mas os critérios para se realizar esse determinado diagnóstico flexibilizaram-se, aumentando o número de “doentes”.
Hoje, no mundo inteiro, as epidemias dos “sobreviventes ao câncer1” têm crescido exponencialmente não por que sobreviveram, mas por que muitos estão sabendo que estão com alguma alteração que eventualmente não geraria maiores problemas para a vida do indivíduo.
Ou seja: os diagnósticos gerados para essas pessoas não incorreram em ganho de sobrevida, de alguma maneira, aumentando, por isso, em muito a sua prevalência na população em geral. Muitos movimentos são gerados, campanhas, manifestos, e, com elas, a sensação de estar “doente” desnecessariamente e todas as questões emocionais envolvidas, para o indivíduo e sua família.
É o caso por exemplo do próprio câncer de próstata, que cada vez mais se percebe que a letalidade (pessoas que morreram por conta do câncer) não é tão alta quanto se imaginava.
Alguns estudos com autópsia mostraram que grande parte da parcela masculina que faleceu por causas diversas tinham alterações histológicas na próstata, algumas que poderiam ser categorizadas como “câncer”, mas que não tiveram relação direta em nada com sua morte.
Alguns estudos chegam a estimar que 70% dos homens acima dos 70 anos assintomáticos têm algum tipo de alteração prostática, sendo que desses 95% do total têm uma evolução benigna que não traz malefícios à vida do mesmo. [8,9]
1 Nota do autor: “Sobreviventes ao Câncer” é um termo hoje em dia utilizado muito na literatura em Overdiagnosis que se refere àquelas pessoas que de alguma forma foram diagnosticadas com uma alteração neoplásica mas que essa por não ter levado-a à morte, pressupõem se, na cultura popular, que foi por conta dos tratamentos ou prevenção, quando as evidências já demonstram que não existe relação causal direta. Mesmo com uma alteração visível em algum exame, ou o mesmo se deu como falso-positivo (e o tratamento não modificou em nada), ou a alteração se resolveria espontaneamente (como acontece em nosso corpo o tempo todo), ou essa alteração não reflete redução de sobrevida, ou o próprio tratamento não traz ganhos em sobrevida (em alguns casos até gerando malefícios, caracterizado como sobretratamento).
Para o câncer de mama, a estratégia recomendada pelo Ministério da Saúde no Brasil é a de oferecer a realização de mamografia a cada dois anos, mesmo reconhecendo que a evidência que sustenta esta recomendação é fraca, e que “os possíveis benefícios e danos provavelmente são semelhantes” para a faixa etária entre 50 e 59 anos e “os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos” apenas na população entre 60 e 69 anos.
É necessário realizar 2000 mamografias em mulheres no público-alvo para que uma dessas mulheres tenha sua vida salva pelo rastreamento, segundo as Diretrizes do INCA/MS [4].
Outro dado importante provém da Cochrane, uma importante fonte de evidências científicas médicas no mundo.
Em 2013, na metanálise abaixo transformada em infográfico, demonstrou uma redução relativa de 5 para 4 mortes em 1.000 (o que de maneira relativa é uma redução de 20%, número até expressivo dependendo da forma como é colocado, mas que na verdade nada mais é que de forma absoluta uma redução de 1 mulher em mil, ou seja, 0,1%), e, mesmo assim, não modificou mortalidade por câncer em geral.
Além disso, trouxe entre os malefícios em torno de 100 falsos positivos (exames positivos que não traduzem em câncer propriamente dito), que acabam gerando angústia e ansiedade na mulher com um exame alterado sem informação específica sobre como lidar com essa situação.
Outro dado importante demonstrado foi que 5 casos em mil pessoas chegaram a perder suas mamas, ou passaram por radio/quimioterapia desnecessariamente (por que não mudou mortalidade de maneira geral) por alterações encontradas nos exames que não necessariamente iriam gerar algum tipo de dano àquelas pessoas.
Com relação ao câncer de colo de útero, para se entender a questão do exame em si, Gérvas [1] nos mostra o quanto que a própria classificação do exame pode gerar confusão e erros por desinterpretações, e informações erradas dadas dentro do consultório:
A displasia leve (LSIL, anteriormente conhecida como NICl) é totalmente irrelevante, uma variação do normal, não patológica, é uma demonstração de infecção viral que se resolve por conta própria. A HSIL, ou displasia de alto grau, agrupa as anteriores NIC 2 (displasia moderada) e NIC 3 (displasia grave e carcinoma in situ), A primeira, NIC 2, é uma displasia que em até 40% dos casos cura espontaneamente. Em algumas ocasiões, alguns carcinomas in situ podem não progredir para invasivos. De qualquer forma, ao diagnosticar-se juntos NIC 2 e NIC 3 se mesclam displasias de prognósticos muitodiferentes.
Além disso, descreve o quanto que a mortalidade por este tipo de câncer está intimamente relacionada ao status socioeconômico da mulher, gerando mortalidade maior em mulheres pobres; e um índice de falso positivo maior em mulheres das classes média e alta. Ou seja: “a mortalidade para as pobres, a ansiedade e outros efeitos adversos (como sobretratamento, sejam conizações e até histerectomias) para as ricas” pode ser hoje vista como outra onda de “doentes não-doentes”.
A literatura médica ainda carece de estudos epidemiológicos concretos sobre o rastreamento por colpocitológico – o que , por si só, levando em conta o princípio de que ausência de evidência não é evidência de ausência (nesse caso de malefício) não sustenta o argumento do rastreamento em massa [10].
Um estudo abaixo publicado no European Journal of Public Health mostra que da mesma forma que o câncer de mama, o rastreamento com colpocitológico não somente não mudou mortalidade por cânceres em geral na população (e apenas 3 mortes por câncer de colo de útero em 100.000, equivalente a 0,003%), como gerou, em 100mil mulheres rastreadas, um quantitativo de 4.950 mulheres (4,95%), ou seja, 1.600 vezes mais mulheres (que as que preveniu-se morte) sofreram algum tipo de dano por conta da classificação errada como sendo alto risco; ou incorretamente diagnosticada, levando a repetições desnecessárias de testes, acompanhamentos semestrais desnecessários, cirurgias como conização desnecessárias (as quais podem afetar futuras gravidezes), e impacto psicológico relevante.
A questão da importância da decisão compartilhada e da longitudinalidade: observância aos Princípios da APS
Quando falamos de decisão compartilhada, a Atenção Primária à Saúde pressupõe que cada indivíduo é único e deve ser visto nas suas nuances individuais, com tratamentos qualificados para sua realidade, levando em conta as variáveis não somente dele, mas do meio onde vive e da família onde está inserido.
Dessa forma, quem é o melhor expert de sua saúde se não o próprio paciente? Com o paciente a frente de seu cuidado, não apenas descentralizamos nosso foco das doenças, como nos tornamos mais eficazes, ajudando-os a compreenderem, com as informações corretas, qual a melhor decisão para si.
Para tal, um conceito de suma importância é o POEM, ou Patient Oriented Evidence That Matters: quais são as evidências que importam para o cuidado individual daquele paciente? Como traduzir aquilo que temos na literatura médica para a linguagem clara e fácil da população em geral?
Diagnóstico precoce (Rastreamento) X diagnóstico oportuno e o uso de recursos mais efetivo: APS como coordenadora e gestora do cuidado
No tópico acima, utilizamos uma forma de olhar que a Equipe de Saúde da Família necessita fazer uso que é o foco no paciente.
Porém, entendendo que somos coordenadores do cuidado não só dele, mas do Sistema como um todo (uma vez que cada vez mais está demonstrado o quanto que o foco na Atenção Primária produz um sistema mais equânime, como descrito no Relatório Mundial de 2008 da Organização Mundial de Saúde), precisamos também ter uma visão balanceada com a visão do todo.
Dessa forma, espera-se que um certo orçamento financeiro para realizar determinadas atividades populacionais em saúde seja melhor implementado e atinja resultados mais satisfatórios quando regulado com a centralidade na Atenção Primária.
Para melhor entendimento dessa relação, foi publicado na década de 90 no British Medical Journal uma fábula d´O Guardião e o Mago, com o intuito de dramatizar a relação entre os serviços de saúde, seus vários níveis de atenção, a repercussão de suas ações, e sua relação com o próprio gestor central (normalmente, nosso governo, independente da esfera a qual se espera analisar); e foi transformado em animação em vídeo, podendo ser visitada através do seguinte link: https://youtu.be/Z2lR2WKmlf4
Dessa forma, se conseguirmos melhorar a forma de fazer diagnóstico, minimizando erros que podem ser custosos ao sistema de saúde, e deixando as oportunidades abertas e disponíveis para aquelas pessoas que realmente precisam (as que são analisadas serem de maior risco de adoecer, ou mesmo com sintomatologia inicial que precisam de resolução mais rápida e, portanto, com melhoria dos indicadores de saúde), poderemos atingir nosso objetivo final com melhor efetividade.
A isso podemos considerar uma reversão da Lei dos Cuidados Inversos, definida como, basicamente, o oposto da Equidade, quando acabamos dando mais subsídio e suporte para quem precisa menos. Equidade pressupõe tratarmos os desiguais de forma desigual, e assim, estimular o melhor uso dos recursos em saúde.
Entendendo as Equipes de Saúde da Família como filtros, ou como gatekeepers, como a literatura descreve, há um melhor gerenciamento de risco e vigilância dos casos que realmente necessitam de determinado rastreamento no tempo correto, além de encaminhamento em momento oportuno (e não precocemente), em momento ótimo, para realização de tratamentos necessários.
Conhecendo o corpo de mulheres em idade fértil, e aquelas com maior risco de adoecer (comorbidades), além de saber dentre essas aquelas que já realizaram (seja por comunicação com os serviços de patologia com os resultados de antemão, seja por vigilância na própria equipe por listas), a Equipe localiza, propõe e incentiva a realização do colpocitológico e da mamografia, revertendo a Lei dos Cuidados Inversos (que seria aplicada nos casos de rastreamento em massa, inadvertidamente, sabendo que quem normalmente atinge os serviços são as mesmas pessoas que normalmente buscam o serviço – em alguns casos na literatura, nem 30% da população total adscrita é responsável pela pressão assistencial).
Espera-se que esse seja algo que possa ser feito ao longo de um tempo grande, vislumbrando uma mudança não a curto (1 mês), mas a longo prazo, dentro dos 4 princípios principais da Atenção Primária (Primeiro Contato, Longitudinalidade, Integralidade e Coordenação do Cuidado).
Proposta de Intervenção: o pensar na integralidade da Saúde da Mulher
Levar em conta um dos princípios acima descrito, e levando em conta o quanto que o rastreamento em massa e indiscriminadamente pode ser prejudicial a população em geral, faz-se necessário repensarmos nossas estratégias de intervenção em Saúde da Mulher.
Assim como hoje já se está mais bem estabelecido que a Saúde do Homem não se resume à próstata (inclusive tendo em vista que seu rastreamento não se faz necessário), o mesmo devemos trabalhar com a Saúde da Mulher, não fragmentando em linhas de cuidado (focado em doenças), mas pensando em um manejo integral, traduzindo esse conhecimento para a equipe que cuida dessas mulheres, e das próprias, solidificando a sua tomada de decisão, e fazendo o sistema funcionar de uma maneira mais fluida, em longo prazo.
Armando Norman, médico de família brasileiro, ex-Coordenador do Programa de Residência em MFC do Rio de Janeiro, reflete [12] sobre isso em uma de suas publicações também:
Portanto, na operacionalização dos serviços da APS/ESF, a promoção da saúde não deveria estar conceitualmente dissociadadas ações assistenciais e/ou dos cuidados realizados pelosprofissionais das equipes da ESF, pois a legitimidade destes e da própria APS/ESF consolida-se socialmente ao oferecer cuidado efetivo diante do sofrimento dosindivíduos.
Portanto, diante de tudo o que expõe-se, precisamos entender que a prevenção é importante, desde que realizada sem ser sobreposta ao atendimento acessível e em tempo oportuno a quem precisa; e de maneira organizada e orientada, cientes, tanto profissionais de saúde quanto pacientes, dos riscos e benefícios de cada intervenção.
Diagnóstico oportuno (diagnosticar dentro de um período ótimo para um tratamento efetivo) se torna mais importante que diagnóstico precoce, o qual pode ser importante fator gerador de sobrediagnóstico e consequentemente sobretratamento.
O infográfico (Fact Box) abaixo é um dos exemplos, construído pelo Harding Center for Rick Litteracy, que traduz de maneira gráfica informações precisas para nossos pacientes.
Considerando a necessidade de ampliar a oferta de diagnóstico oportuno, com o intuito de encaminhamentos precisos daquelas que realmente terão algum tipo de benefício considerado seu risco individualizado, a estratégia de rastreamento precisa ser implementada não como somente algo separado, mas embutido na consulta de saúde da mulher de maneira geral, além de vigilância daquelas com alteração do exame e direcionamento em tempo otimizado para serviços especializados para manejo das alterações.
O papel dos Agentes Comunitários de Saúde, na Atenção Primária, nesse ponto se torna essencial.
O alto índice de absenteísmo das mulheres agendadas para realização de exame preventivo, por exemplo, demonstra que o mesmo precisa fazer sentido para elas, e aqui mais uma vez se levanta a necessidade de não somente orientação dos métodos de prevenção, mas a realização dos mesmos em momentos oportunos quando a mulher busca o serviço de saúde espontaneamente, aumentando a resolutividade.
Outra maneira de se ampliar o cuidado integral de quem realmente precisa (estratégia de alto risco, e não populacional), é a criação e manejo dentro de listas das mulheres que possuem um risco maior não só de adoecer (probabilidade pré-teste maior), mas de ter um prognóstico ruim, como:
a. Mulheres com sintomatologia inicial ginecológica ou mamária
b. Gestantes (para o papanicolau)
c. Presença de comorbidades
d. Presença de alto risco para desenvolver câncer de mama:
i. Mulheres com mutação ou com parentes de 1º grau (lado materno ou paterno) com mutação comprovada dos genes BRCA 1/2, ou com síndromes genéticas como Li-Fraumeni, Cowden e outras: rastreamento com MMG a partir dos 30 anos
ii. Rastreamento anual com MMG iniciando 10 anos antes da idade do diagnóstico do parente mais jovem, porém não antes dos 30 anos, se:
- História familiar de pelo menos um familiar de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama em idade < 50 anos; ou
2. Pelo menos um familiar de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama bilateral; ou
3. Pelo menos um familiar de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de ovário, em qualquer faixa etária; ou
4. Homens, em qualquer grau de parentesco, com diagnóstico de câncer de mama.
iii. Rastreamento anual com MMG se:
- Mulheres com história pessoal de câncer de mama invasor ou hiperplasia lobular atípica, carcinoma lobular in situ, hiperplasia ductal ou lobular atípica, atipia epitelial plana ou carcinoma ductal in situ.
e. Mulheres vivendo com o HIV
f. Beneficiárias de programas de transferência de renda
Espera-se que o momento do Outubro Rosa nos faça refletir em mais do que diagnosticar doenças e diminuir mortes, mas cuidar de maneira ampla de nossa população, da melhor maneira possível.
Bibliografia
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- Outros artigos compilados na pasta do GoogleDrive: https://bit.ly/3lZUiNb
- Vídeos Recomendados:
a. H. Gilbert Welch: Overdiagnosed – Making People Sick in the Pursuit of Health – https://youtu.be/C-DnznA0m9k
b. H Gilbert Welch – The Two Most Misleading Numbers in Medicine – https://youtu.be/rcHQElKhWFc
c. Why your doctor needs your help to battle over-treatment | Christer Mjåset | TEDxOslo – https://youtu.be/1J32o1zQbas
d. Lazris & Rifkin’s Risk-Benefit Characterization Theater –https://youtu.be/UZlY6Q4m-MM
e. Do More Screening Tests Lead to Better Health? Choosing Wisely – https://youtu.be/8c7qTsVVxXw
f. Risco e Prevenção – Armando Norman – https://youtu.be/xGvRUomb58M
“O remédio mais usado em Medicina é o próprio médico, o qual como os
demais medicamentos precisa ser conhecido em sua posologia, efeitos
colaterais e toxicidade.”
Balint, 1975
“… Manterei a minha vida e a minha arte com pureza e santidade; qualquer
que seja a casa em que penetre, entrarei nela para beneficiar o doente;
evitarei qualquer ato voluntário de maldade ou corrupção…”
Juramento de Hipócrates