Muito se fala sobre o uso dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e seus potenciais riscos para o sistema renal e cardíaco, aumentando os níveis pressóricos e eventos cardiovasculares. No entanto, quais são seus reais riscos para o coração?
Por se tratar de uma das classes de fármaco mais utilizada no Brasil e no mundo, é de suma importância avaliar seus potenciais riscos e efeitos adversos.
Os AINEs estão diretamente associados com o aumento de mortalidade. Um estudo de veteranos americanos acima de 65 anos observou uma mortalidade aumentada com o uso de antiinflamatórios (Wolfe et al).
Bom, vamos esclarecer a primeira dúvida! É conhecido que, sim, os AINEs aumentam o risco cardiovascular (ao decorrer do artigo vamos abordar quais). Além disso, seus efeitos gastrointestinais adversos, principalmente relacionados a sangramento, figuram entre a terceira maior causa de mortalidade.
Inclusive, o Jaleko conta com uma videoaula para completar o seu conhecimento sobre os efeitos colaterais dos anti-inflamatórios não esteroidais.
Por outro lado, a eficácia na analgesia, além da capacidade de modificar a progressão de algumas doenças reumáticas devem ser considerados. Com isso, a decisão do uso ou não destas drogas deve ser compartilhada entre médico e paciente, avaliando o risco e benefício.
RESUMINDO O MECANISMO DOS AINEs:
Basicamente, eles inibem as cicloxigenases (COX – que podem ser classificadas em 1, 2 ou 3, de acordo com o seu sítio de ligação e características estruturais). Essas proteínas são catalisadoras na formação de prostaglandinas, que são proteínas inflamatórias.
No endotélio, aparentemente, a mais expressa é a COX-2. Outro dado interessante é que esta parece estar aumentada em pacientes com aterosclerose grave (Oates JA, et al).
No rim, um dos efeitos das prostaglandinas é antagonizar os efeitos da angiotensina II, ou seja, reduzem a elevação da pressão arterial decorrente do sistema renina-angiotensina. Com o uso de AINEs, há menor produção de prostaglandinas e, portanto, daí vem o efeito de aumento da pressão arterial provocado por esses fármacos.
OS RISCOS CARDIOVASCULARES:
Os prostanoides (prostaciclinas, tromboxano A2, prostaglandinas D2, E2 e F2) influenciam o sistema cardiovascular. Especialmente a prostaglandina I2 (PGI2) e o tromboxano A2 (TXA2) regulam a interação entre vasos e plaquetas.
A PGI2 interage com alguns receptores plaquetários, antagonizando sua ação agregante, induzida por TXA2. Com isso, inibidores da COX-2, inibindo a ação da PGI2, permitem a produção de TXA2 intacta, desequilibrando essa relação e favorecendo eventos trombóticos.
Outro dado já explicado é que o uso de AINE eleva a pressão arterial. Além disso, há aumento na incidência de insuficiência cardíaca (IC) nos pacientes que realizam uso dessas medicações, quando comparadas a placebo.
Uma metanálise publicada em 2011 (Trelle S, et al) analisou 116.429 pacientes em 31 estudos envolvendo o uso de AINEs inibidores seletivos da COX2, AINEs tradicionais e placebo.
No primeiro grupo, houve maior risco de infarto agudo do miocárdio. O ibuprofeno esteve associado com maior risco de acidente vascular cerebral.
A conclusão desse estudo é que em relação aos danos cardiovasculares, há pouca evidência de que qualquer uma das drogas analisadas (naproxeno, ibuprofeno, diclofenaco, rofecoxibe, celecoxibe, lumiracoxibe) seja segura.
Grosser realizou uma comparação biológica entre alguns inibidores de COX-1 e COX-2. O uso destes últimos induziu uma redução na produção de PGI2, o que possibilita, a princípio, maior produção de TXA2, aumentando o risco de trombose cardiovascular.
No entanto, não existem trabalhos com força estatística suficiente para permitir uma clara certeza do perfil seguro, ou não, dos riscos cardiovasculares dos AINEs.
Um estudo populacional de coorte ocorrido na Dinamarca avaliou 99.187 pacientes, internados por infarto agudo do miocárdio e que sobreviveram após 30 dias dos eventos. Desses, 44% dos pacientes receberam pelo menos uma prescrição de AINE (Oslem AM, et al).
É VERDADE QUE O NAPROXENO É UM DOS AINES MAIS SEGUROS QUANTO AOS EVENTOS CARDIOVASCULARES?
Nos dados atuais, podemos dizer que sim! O menor risco cardiovascular do naproxeno, observado em alguns estudos, aparentemente se deve a sua ação parecida com a do AAS, inibindo sustentadamente a síntese de tromboxano A2 plaquetário e, então, bloqueando suas ações de estimulação da agregação plaquetária, vasoconstricção e adesão leucocitária.
AINE TÓPICO X AINE SISTÊMICO:
O uso de AINE tópico não está associado ao aumento do risco cardiovascular (nem gastrointestinal), e muitas vezes é uma estratégia negligenciada.
Uma metanálise comparando o uso de AINE tópico com o sistêmico em pacientes com osteoartrite revelou efeito analgésico semelhante (mesmo em grandes articulações), sem identificar os efeitos adversos cardiovasculares nem gastrintestinais.
No entanto, a duração do efeito analgésico do uso tópico foi semelhante ao sistêmico apenas nas primeiras duas semanas de uso, perdendo eficácia posteriormente (Lin J, et al e Moore Ra, et al).
COMO TENTAR AMENIZAR OS RISCOS EM PACIENTES COM INDICAÇÃO DE USO DE AINES?
Bom, podemos sugerir algumas estratégias:
– Considerar o uso de analgésicos como primeira linha (ao invés de AINE, se a indicação for apenas analgesia);
– Considerar o uso de AINEs tópicos por até 2 semanas antes dos sistêmicos;
– Usar sempre a menor dose necessária e pelo menor tempo possível;
– Evitar o uso de AINE nos pacientes com evento cardiovascular há menos de 5 anos. Naqueles que possuem mais de 5 anos, se realmente necessário, dar preferência ao uso de naproxeno;
OS AINES SÓ APRESENTAM RISCO AO SISTEMA CARDIOVASCULAR?
Não! Como já mencionado anteriormente, também aumentam o risco de lesão renal. Além disso, temos como outros efeitos adversos: hepatoxicidade, reações de hipersensibilidade, intercorrências gastrointestinais (ex.: sangramento).
O QUE PODEMOS TIRAR DE CONCLUSÃO SOBRE O USO DE AINES E OS RISCOS CARDIOVASCULARES?
Aparentemente, o maior risco cardiovascular em relação aos AINES está no uso sistêmico dos inibidores da COX-2 (embora ainda necessitemos de mais estudos sobre o assunto).
Em linhas gerais, o naproxeno parece ser o AINE mais seguro nos pacientes cardiopatas.
Devemos sempre lembrar que esta classe de medicações possui efeitos benéficos importantes em diversos âmbitos da medicina, porém devendo sempre se pesar o risco benefício da sua utilização, e de forma individualizada.