Na semiologia, aprendemos inúmeros sinais importantes para a prática clínica, porém, nem sempre conseguimos entender o motivo pelo qual estamos “decorando” e, por fim, há confusão dos nomes e de suas respectivas manobras.
Que tal conhecermos um pouco mais sobre os sinais de Kernig e Brudzinski?
Por que eu preciso saber desses sinais?
O primeiro argumento é que a meningite é uma doença grave, e pode ser muito grave mesmo, e pode afetar adultos e crianças, inclusive recém- nascidos.
A doença pode ser causada por vírus, bactérias, fungos ou parasitas.
A meningite bacteriana, em particular, pode ser fatal ou causar sérias sequelas especialmente quando há demora no diagnóstico.
Os tipos mais comuns de bactérias que podem causar a doença são Neisseria meningitidis (responsável pela Meningite Meningocócica), Haemophilus influenzae tipo b e Streptococcus pneumoniae (pneumococo).
Asilos, creches, residentes da mesma casa, dormitórios de escolas, centros de cuidados de idosos e escolas são sítios comuns de surtos, visto que a transmissão dá-se de pessoa por pessoa, por via respiratória, através de gotículas e secreções do nariz e garganta ao tossir, falar, ou espirrar, havendo necessidade de contato íntimo e prolongado.
Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia, no Brasil, nos últimos anos, os coeficientes de incidência têm se mantido estáveis com aproximadamente 1,8 casos para cada 100.000 habitantes.
No entanto, devido à grande proporção de meningites identificadas sem identificação do agente etiológico, isso pode subestimar a incidência real.
A doença pode ocorrer em qualquer período do ano: no inverno as meningite bacterianas têm a maior incidência; já no verão, por sua vez, as assépticas têm maior incidência.
Um pouco de história da Medicina…
Vladimir Mikhailovich Kernig, nascido na Letônia, em 1840, foi um neurologista e professor de Medicina, na Rússia de 1890, até a primeira guerra mundial.
O sinal de Kernig foi descrito pela primeira vez no ano de 1882, em um jornal semanal de Medicina, na cidade de São Petesburgo.
O médico observou que muitos pacientes com meningite tinham restrição à extensão passiva da perna devido à espasmos dos músculos isquiotibiais, e, diferentemente de como a manobra é executada atualmente, ele a executava com o paciente sentado.
O aparecimento de resistência ou dor durante a extensão da perna do paciente em um ângulo menor que 135° configura um sinal de Kernig positivo, no entanto, em sua publicação original, o médico não considerou dor como um componente importante durante o exame..
Já Josef Brudzinski, nascido em 1874, na Polônia, foi um pediatra que também estudou em Universidade Russa, porém, foi no seu país natal que atuou ativamente como líder em comunidades políticas e médicas.
Além de ter sido responsável por reerguer o Hospital da Universidade de Varsóvia após a ocupação alemã durante a Primeira Guerra Mundial e tornar-se diretor da instituição em 1915, também publicou o primeiro jornal de Pediatria em Varsóvia.
MANOBRA DE BRUDZINSKI
- Posicionar o paciente em decúbito dorsal e membros estendidos.
- Repousar uma das mãos no tórax do paciente e, com outra colocada na região occipital, executar uma flexão forçada.
Quando positivo, observa-se que o paciente flete os membros inferiores involuntariamente, podendo haver expressão de dor na face do paciente.
MANOBRA DE KERNIG
- Posicionar o paciente em decúbito dorsal
- Promover flexão da coxa sobre o quadril, em ângulo de 90°, e em seguida promover a extensão da perna sobre a coxa.
Quando positivo, observa-se que o paciente tenta interromper o movimento ao sentir dor.
Atenção: o sinal presente bilateralmente sugere irritação meníngea. Se unilateral, pode indicar doença radicular.
Relembrando conceitos…
Sensibilidade é a probabilidade de um indivíduo avaliado e doente de ter seu teste alterado (positivo).
Especificidade é a probabilidade de um indivíduo avaliado e normal ter seu teste normal (negativo)
Limitações e utilidade diagnóstica
É importante frisar que Brudzinski, um pediatra, e Kernig, um neurologista professor universitário, preferencialmente coletaram suas evidências ao examinar crianças em idade escolar e mais novas com meningite tuberculosa.
Enquanto que a maioria dos casos de meningite ocorre em crianças com menos de 2 anos, com pico de incidência ocorrendo de 3 a 8 meses de idade, posteriormente, relatou-se que os sinais e a rigidez de nuca não são precisos ao diagnosticar meningite em crianças com menos de 6 meses.
Em sua publicação original, Brudzinski reportou que a sensibilidade dos sinais de Kernig e Brudzinski eram, respectivamente, 97% e 57%.
Desde então, popularizou-se o uso das manobras e, ainda que, ao longo de 100 anos, não tenha tido uma avaliação quanto sua utilidade diagnóstica, apenas a partir de 1991 que os estudos mais relevantes sobre o assunto feitos, ainda que poucos, começaram a servir como base para os estudos realizados atualmente.
Uma revisão sistemática feito pelo departamento de neurologia da Universidade de Tohoku, no Japão, avaliou estudos sobre a sensibilidade e especificidade dos sinais meníngeos em pacientes com meningite nos últimos 27 anos.
Constatou-se o sinal de Kernig com sensibilidade de 22.9% (17.9%-28.0%) e especificidade de 91.2% (88.8%-93.6%), enquanto que o sinal de Brudzinski com sensibilidade de 27.5% (21.5%-33.4%) e especificidade de 88.8% (85.8%-91.7%).
Outra questão dá-se pela relação entre mecanismos que geram os sinais meníngeos baseados na inflamação das meninges e raízes de nervos, além da gravidade da inflamação que ocorre na meningite causada pelo Mycobacterium tuberculosis e Streptococcus pneumoniae (patógenos mais comuns na época de Kernig e Brudzinski), resultaria em maior sensibilidade dos sinais.
Por outro lado, Thomas et al mostrou que a sensibilidade dos sinais não são positivamente associados com a gravidade da doença em pacientes com inflamação meníngea moderada ou evidência microbiológica de infecção do sistema nervoso central.
Os sinais também possuem limitações relacionadas à população geriátrica, de acordo com estudo de Puxty et al, o sinal de Kernig mostrou-se positivo em 12% e Brudzinski 8% em uma população geriátrica sem meningite.
Nesse contexto, percebe-se a necessidade de mais estudos para que seja elucidada a sensibilidade dos sinais meníngeos em alguns grupos com meningite, assim como determinar se há uma relação positiva entre a sensibilidade e gravidade da doença
Conclusão
Diante do conhecimento das manobras, sinais e histórico, tendemos a negligenciar ou subestimar contribuições de médicos do passado que, com pouca tecnologia e sem laboratórios sofisticados a seu dispor, construíram fundamentos da clínica médica por meio da ênfase na história clínica do paciente e do exame físico.
Ainda que segundo estudos das últimas três décadas tenham relatado que os sinais de Kernig e Brudinski tenham baixa sensibilidade, porém alta especificidade para o diagnóstico de meningite bacteriana, eles têm contribuído para a construção de scores que incorporam sinais meníngeos e sintomas, trabalhando juntos para um padrão de tratamento ao determinar a necessidade de punção lombar e antibioticoterapia empírica.
Muito bom o texto! Parabéns!