Como todos nós sabemos, a Endocardite Infecciosa (EI) é uma situação na qual o reconhecimento deve ser precoce para o início do tratamento adequado, devido suas taxas de complicações e sua importante morbimortalidade.
A apresentação da EI abrange um vasto espectro de sinais e sintomas, e é influenciada por múltiplos fatores.
Que fatores são esses?
– Virulência do microorganismo envolvido e a persistência (ou não) da bacteremia;
– Presença ou ausência de destruição valvar com suas conseqüências hemodinâmicas;
– Extensão da infecção;
– Ocorrência de embolização séptica;
– Consequências de complexos imunes circulantes e fatores imunopatológicos.
A HISTÓRIA CLÍNICA:
A história clínica da EI tem grande variação de acordo com o agente causal, a presença ou não de cardiomiopatia prévia, a forma de apresentação, e se a doença está se estabelecendo sobre algum “device” protético ou não.
A infecção pode se apresentar de forma aguda, com características de septicemia e febre alta, ou de modo mais crônico ou subagudo, com sintomas inespecíficos (astenia, “mal estar”, emagrecimento), e febre mais baixa e recorrente.
Mais de 90% dos pacientes se apresenta com febre, calafrios, hiporexia e perda de peso. Sopros cardíacos ocorrem em 85% dos pacientes, verificando também sopro novo em até 50% dos indivíduos. Fenômenos vasculares e imunológicos como hemorragias ungueais, manchas de Roth e glomerulonefrite são comuns.
Abaixo estarão listados alguns sintomas e achados dos exames físicos, de acordo com sua prevalência estimada:
SINTOMA | PREVALÊNCIA |
Febre | 80-95% |
Calafrios | 40-70% |
Astenia | 40-50% |
“Mal estar” | 20-40% |
Sudorese | 20-40% |
Anorexia / Hiporexia | 20-40% |
Cefaleia | 20-40% |
Dispneia | 20-40% |
Tosse | 20-30% |
Emagrecimento | 20-30% |
Mialgia/artralgia | 10-30% |
Acidente vascular cerebral | 10-20% |
Confusão mental | 10-20% |
Náuseas/Vômitos | 10-20% |
Edemas | 5-15% |
Dor torácica | 5-15% |
Dor abdominal | 5-15% |
Hemoptise | 5-10% |
Lombalgia | 5-10% |
SINAL | PREVALÊNCIA |
Febre | 80-90% |
Sopro cardíaco | 75-85% |
Sopro novo | 10-50% |
Alterações em sopro já existente | 20-40% |
Esplenomegalia | 10-40% |
Petéquias/Hemorragia conjuntival | 10-40% |
Hemorragias subungueais | 5-15% |
Lesões de Janeway | 5-10% |
Nódulos de Osler | 3-10% |
Manchas de Roth | 2-10% |
E OS ACHADOS LABORATORIAIS?
Como a endocardite infecciosa abrange um processo infeccioso, em associação com consequências inflamatórias e imunes, qualquer achado laboratorial visto nessas situações independentemente também pode ser verificado na EI.
Portanto, é comum encontrarmos:
. leucocitose (com desvio à esquerda);
. leucopenia;
. aumento de proteína C reativa;
. aumento de procalcitonina;
. aumento de creatinina;
. trombocitopenia;
. hiperbilirrubinemia;
. hipocomplementenemia
É importante lembrar que nenhum desses achados laboratoriais é específico para o diagnóstico de EI.
EXAMES DE IMAGEM:
Os exames de imagem e, principalmente o ECOcardiograma, são pedras fundamental no diagnóstico, prognóstico e acompanhamento do tratamento da endocardite infecciosa.
. ECOcardiograma: tanto o transtorácico (ECOTT), quanto o transesofágico (ECOTE), são essenciais para diagnóstico, programação de tratamento e acompanhamento desses pacientes. Assim que se é suspeitado de EI, deve-se lançar mão primeiramente de um ECOTT como exame de primeira linha (IB). Em caso de resultado negativo e manutenção de alta suspeita do diagnóstico, o ECOTT deve ser realizado. Este último também está indicado quando há hipótese de complicações (vegetações não determinadas pelo ECOTT, abscessos, entre outras) ou durante cirurgias (quando necessárias).
Três achados dependentes do ECOcardiograma são considerados como critério maior (serão explicados detalhadamente em outro tópico do artigo): vegetação, pseudoaneurisma ou abscesso, nova disfunção valvar.
Só para dados de comparação, a sensibilidade para diagnóstico de vegetação no ECOTT é de 50-70%, enquanto no ECOTE se aproxima de 92-96%. A especificidade é de 90% para os dois métodos.
Casos de falso negativos podem ocorrer e, por isso, as imagens realizadas devem ser interpretadas com cuidado por profissionais com experiência no método, levando-se em consideração a história e o quadro clínico do paciente. Em casos em que a suspeita de EI é elevada e a imagem ecocardiográfica foi negativa para o diagnóstico, o método deve ser repetido dentro de 5-7 dias. É mandatório a realização de novas imagens, por ECOcardiografia, para monitorar o sucesso do tratamento ou surgimento de complicações.
O Ecocardiograma, em associação com técnica 3D, vem se tornando cada vez mais presente na prática médica. No que diz respeito à endocardite, tem grande acurácia para o diagnóstico de vegetações, no cálculo específico da extensão da lesão, estruturas acometidas e planejamento cirúrgico.
. Tomografia Computadorizada (TC): como guia prático, o papel da TC fica reservado principalmente para a detecção de possíveis complicações da EI, como embolização séptica para o sistema nervoso central, hemorragia subaracnoide ou intraparenquimatosa (associadas com aneurisma micótico) ou outros órgãos como abscessos hepáticos, renais e esplênicos. Apesar da menor acurácia da TC quando comparada à Ressonância Nuclear Magnética, o menor custo, maior facilidade, a possibilidade de realizar o exame em pacientes menos estáveis, esse exame ainda possui papel importante na EI.
. Ressonância Nuclear Magnética (RNM): como possui uma sensibilidade maior do que a TC, a RNM seria o exame de escolha quando o objetivo é avaliar complicações no SNC. Encontrar lesões no sistema nervoso central interfere tanto no prognóstico do paciente, quanto no planejamento terapêutico (podendo, em alguns casos, ser a indicação de cirurgia cardíaca).
Além disso, o achado de lesões em SNC não visualizadas anteriormente pode constituir um critério menor para o diagnóstico (esclarecido em tópicos futuros).
QUAL O PAPEL ATUAL DA MEDICINA NUCLEAR NA ENDOCARDITE INFECCIOSA?
Atualmente, o PET-CT é um método suplementar importante para aqueles casos em que há a suspeita de endocardite infecciosa e o diagnóstico não está tão claro.
Uma previsão futura é que o exame também poderá ser utilizado como acompanhamento da resposta ao tratamento proposto. No entanto, mais dados ainda são necessários para uma generalização desta recomendação.
HEMOCULTURAS:
Todos nós sabemos (ou vamos saber agora) que, junto com o ECOcardiograma, a hemocultura é um pilar fundamental para o diagnóstico de EI. Tem como principal objetivo a identificação do agente causal e testar o perfil de susceptibilidade aos antimicrobianos.
A recomendação é que, pelo menos, três sets sejam coletados, com intervalo de, no mínimo, 30 minutos, com volume de 10 mL de sangue cada set. O material deve ser incubado para teste tanto de microorganismos aeróbios quanto anaeróbios. A sensibilidade da cultura é muito maior quando a amostra é coletada antes do início do antibiótico.
Quando um microorganismo é identificado, orienta-se que novas culturas sejam realizadas dentro de 48-72 horas para checar a efetividade do tratamento.
As hemoculturas também entram nos critérios diagnósticos de endocardite infecciosa.
E NOS CASOS DE HEMOCULTURAS NEGATIVAS?
Referimos à endocardite infecciosa com hemoculturas negativas àquelas situações nas quais o agente causal não cresceu nos métodos usuais de cultura. Isso pode ocorrer em aproximadamente 31% dos casos de EI.
Essas situações acontecem em condições como: administração de antibiótico antes das culturas; quando o agente etiológico é um fungo ou uma bactéria de crescimento mais fastidioso (principalmente as com metabolismo intracelular). Para a identificação destes patógenos, meios e técnicas específicas devem ser utilizados, e o crescimento é muito mais lento. Se disponível, devemos realizar testes sorológicos para Coxiella burnetti, Bartonella spp., Aspergillus spp, Mycoplasma pneumonia, Brucella spp. e Legionella pneumophila. Outros agentes a se pesquisar são Candida spp. e Aspergillus spp.
Para fazer um vínculo mental de como tentar diagnosticar agentes específicos, vamos verificar a tabela abaixo:
Patógeno | Procedimento Diagnóstico |
Brucella spp. | Hemoculturas,sorologia, imunohistologia, PCR |
Coxiella burnetti | Sorologia, cultura tecidual, imunohistoquímica, PCR |
Bartonella spp. | Hemoculturas, sorologia, imunohistoquímica, PCR |
Tropheryma whipplei | Histologia, PCR |
Mycoplasma spp. | Sorologia, culturas, imunohistoquímica, PCR |
Legionella spp. | Hemoculturas, sorologia, imunohistoquímica, PCR |
Fungos | Hemoculturas, sorologias, PCR |
Quando todos os testes microbiológicos são negativos, o diagnóstico de Endocardite de causa não infecciosa deve ser considerado, e também exames complementares como pesquisa de anticorpos antinucleares e pesquisa de síndrome de anticorpo antifosfolipídeo.
FINALMENTE, QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS?
O critério mais reconhecido e mais recomendado para a utilização a fim de diagnóstico da Endocardite Infecciosa é o Critério de Duke modificado. Esse critério é baseado em achados clínicos, ecocardiográficos e microbiológicos (como hemoculturas e sorologias). Possui uma sensibilidade de aproximadamente 80%.
Entretanto, os critérios de Duke modificados demonstram acurácia diagnóstica ainda menor naqueles casos de endocardite associada à prótese valvar, marcapasso, CDI, casos nos quais a ecocardiografia é normal, ou inconclusiva, em aproximadamente 30% dos casos. Nessa situação específica, estudos recentes vêm demonstrando que os métodos mais novos como TC, RNM e PET-CT com leucócitos marcados podem ser importantes para a melhora da sensibilidade.
Usando os critérios de Duke, poderemos classificar o diagnóstico em:
Endocardite Infecciosa Definitiva: 2 critérios maiores ou 1 critério maior + 3 critérios menores ou 5 critérios menores;
Endocardite Infecciosa Possível/Provável: 1 critério maior + 1 critério menor ou 3 critérios menores.
E quais são os critérios?
CRITÉRIO MAIOR |
1. Hemoculturas positivas para EI a) Microorganismos típicos compatíveis com EI em 2 hemoculturas diferentes: . Streptococcus viridans, Streptococcus gallolyticus (Streptococcus bovis), grupo HACEK, Staphylococcus aureus OU . Enterococos adquiridos na comunidade, na ausência de um foco primário OU b) Microorganismos compatíveis com EI em hemoculturas persistentemente positivas: . Pelo menos 2 hemoculturas positivas coletadas com > 12h de diferença OU . Todas de 3 ou a maioria de 4 amostras (sendo a primeira e a última coletada com, no mínimo, 1 hora de diferença) OU Uma única amostra positiva para Coxiella burnettiou anticorpos IgG com títulos > 1:800 H |
2. Imagem positiva para EI a) ECOcardiograma positivo para EI: . Vegetação; . Abscesso, pseudoaneurisma, fístula intracardíaca; . Perfuração valvar ou aneurisma; . Nova deiscência de prótese valvar. b) Atividade anormal no sítio de implante de prótese valvar detectado por F-FDG PET/CT (somente se a prótese tiver sido implantada há mais de 3 meses) ou leucócitos radiomarcados no SPECT/CT. c) Lesões paravalvares definitivas visualizadas em TC cardíaca. |
CRITÉRIO MENOR |
1) Condições cardíacas predisponentes ou uso de drogas injetáveis; 2) Febre definida como temperatura > 38ºC; 3) Fenômenos vasculares (incluindo os detectados apenas por exames de imagem): embolia arterial, infartos pulmonares sépticos, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragia conjuntival, e lesões de Janeway; 4) Fenômenos imunológicos: glomerulonefrite; nódulos de Osler; manchas de Roth; Fator Reumatoide; 5) Evidências microbiológicas: hemocultura positiva não preenchendo critério maior ou evidência sorológica de infecção ativa por organismo consistente com EI. |
Leia também: https://academic.oup.com/eurheartj/article/36/44/3075/2293384#108779576