O linfedema nada mais é do que o aumento do volume de uma topografia / segmento do corpo, consequente de um distúrbio do sistema linfático de drenagem local. Esse assunto tem grande importância por ser um diagnóstico diferencial de edemas de membros (principalmente membros inferiores) e por ter um tratamento de difícil manejo que, muitas vezes, coloca o médico em situação complicada. Nesse artigo, vamos tentar simplificar um pouco o tema, passando desde suas causas até seu tratamento, tentando dar algumas dicas para o cuidado do seu paciente que se apresenta com linfedema.
QUAIS SÃO AS POSSÍVEIS CAUSAS?
O linfedema pode ser classificado em primário e secundário. Primário quando é proveniente de alguma alteração congênita, por exemplo. Geralmente, não possui outro fator desencadeante e costuma se apresentar logo na infância (apesar de existirem casos com início de apresentação na idade adulta). Já o secundário, por sua vez, pode ser consequência de múltiplas situações, bem como: pós cirurgia, pós radioterapia, obstrução do sistema linfático, trauma, filariose, infecções locais como celulite e erisipela).
No mundo, a causa mais comum de linfedema é a filariose. Se separarmos em países desenvolvidos e em desenvolvimentos, os primeiros possuem como principais causas a neoplasia e seus tratamentos (ex.: radioterapia).
. Neoplasia:
A causa neoplásica mais comum de linfedema é o câncer de mama. A neoplasia pode causar o quadro de diferentes formas:
– Obstrução direta dos vasos linfáticos;
– Infiltração dos vasos linfáticos;
– Linfadenectomia como tratamento associado em alguns casos;
– Irradiação local de alguns linfonodos em radioterapia;
– Efeito adverso de algumas medicações;
. Infecção:
Uma causa importante nos países em desenvolvimento, principalmente em áreas tropicais e subtropicais. Nesses lugares, alguns parasitas são capazes de causar obstrução dos vasos linfáticos, sendo a principal culpada a filariose.
Além disso, infecções recorrentes de pele, como celulite e erisipela, podem complicar com quadro crônico de linfedema.
. Desordens inflamatórias:
Artrite, sarcoidose e outras doenças inflamatórias podem causar linfedema. O mecanismo associado ainda não é bem explicado.
. Obesidade:
É um fator de risco independente para o desenvolvimento do linfedema. A obesidade mórbida está associada com uma entidade conhecida como linfedema maciço localizado. Esta, geralmente, se apresenta como lesão indolor, crônica, em topografia de coxas. A obesidade grau 3 também é muito associada com desenvolvimento do acometimento dos membros inferiores.
EXISTEM FATORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DE LINFEDEMA?
Sim! Muitos deles já citados como causas:
– Síndromes genéticas;
– Neoplasia e seus tratamentos;
– Idoso;
– Obesidade;
– Doenças autoimunes;
QUEM É O PACIENTE COM LINFEDEMA?
Geralmente, esses pacientes apresentam acometimento dos membros inferiores (80% dos casos de linfedema), sendo unilateral em 2/3 dos casos. As mulheres sofrem mais desse problema do que os homens.
Para se ter a ideia, há estatísticas que afirma que 25% das mulheres submetidas a tratamento para câncer de mama desenvolverão linfedema de membro inferior em algum momento da vida (podendo surgir meses até anos após o tratamento).
QUAL A CLÍNICA DESSES PACIENTES?
A história do doente é de suma importância aqui. Isso pode contribuir muito para que consigamos diferenciar de outros tipos de edema, avaliar as possíveis causas e fatores precipitantes. Na anamnese, investigar história familiar, idade de aparecimento, viagens recentes (para pensarmos em filaríose – no Brasil, as principais áreas são região metropolitana de Recife, e desembocadura do Rio Amazonas), história prévia de infecções cutâneas, precedente de neoplasia, desnutrição.
O início do linfedema costuma ser insidioso. Em geral, não causa dor, mas pode trazer sensação de peso (e realmente, já que o volume se encontra aumentado). Dependendo da causa, pode se apresentar de forma unilateral (2/3 dos casos) ou bilateral. O edema normalmente se inicia nas porções distais do membro, progredindo de forma proximal.
O exame físico deve incluir avaliação da pele, do sistema vascular, além de palpação das cadeias linfonodais. Usualmente, o edema presente é não depressível devido à fibrose dos tecidos (por isso, o paciente não apresenta aquele sinal clássico – Godet ou Cacifo).
Nos quadros crônicos, é comum encontrarmos uma pele espessa, rugosa, podendo apresentar fissuras com drenagem de linfa aparente. O sinal de Stemmer é um marcador. O que é isso? Quando o examinador não é capaz de pinçar a pele no dorso do 2º pododáctilo entre seu polegar e indicador.
Outro achados possíveis ao exame físico são: hiperemia, eczema, ulceração, vesículas linfáticas, alteração da cor das unhas (amareladas), assimetria de membros, dermatite e pele com aspecto de casca de laranja (peau d’orange).
Se a suspeita for de linfedema primário, é importante investigar estigmas de anomalias congênitas como: Síndrome de Turner, Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber, Síndrome de Noonan. Essas síndromes podem apresentar baixa estatura, hemangiomas e “peito de escudo”, respectivamente.
RELAÇÃO COM INFECÇÃO
Como foi dito nesse mesmo artigo, infecções de pele recorrentes podem culminar em surgimento de linfedema. No entanto, a relação entre as duas entidades não para por aí!
No tópico anterior, foi destacado que o linfedema, por si só, pode criar portas de entrada na pele. Com isso, infecções secundárias são frequentes nesses pacientes, culminando em piora do edema e maior suscetibilidade a novas infecções (criando assim um ciclo vicioso). Micoses interdigitais e fissuras na pele são as principais portas de entrada para essas infecções.
E O DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico é realizado, basicamente, através do que já foi mencionado aqui, história clínica e exame físico. Obviamente, em alguns contextos específicos, exames complementares podem ser utilizados para pesquisa de possíveis causas e diagnósticos diferenciais.
QUAIS SÃO OS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS?
Aqui serão citados os mais importantes:
– Insuficiência venosa crônica: um dos principais diagnósticos diferenciais. Esta entidade costuma apresentar veias varicosas no membro acometido, alteração de cor da pele na topografia afetada e alívio dos sinais/sintomas com elevação do membro afetado (o que não ocorre no linfedema);
– Trombose venosa: é comum a presença de dor, alteração de cor do membro afetado (eritema). Geralmente possui um início abrupto;
– Síndrome pós trombótica;
– Hipertrofia;
– Lipedema;
– Mixedema;
– Tumor
E OS EXAMES COMPLEMENTARES QUE POSSO UTILIZAR?
A linfocintilografia é o padrão ouro para o estudo do sistema linfático. É realizada através de injeção subcutânea de Tc-99m entre o 1º e o 2º pododáctilos. Após essa injeção, são aferidos tempo e concentração do fármaco nas principais cadeias linfonodais: joelho, inguinal e axilar.
A ultrassonografia com modo Doppler venoso é muito importante para avaliar a hipótese de diagnósticos diferenciais como trombose venosa, síndrome pós flebítica e varizes.
A tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética são métodos capazes de demonstrar espessamento da pele e aumento do tecido subcutâneo (imagens em “favos de mel”). São exames mais úteis para avaliação após tratamento.
Em casos de suspeita de filariose, podemos realizar a pesquisa da microfilária no sangue periférico.
FINALMENTE, VAMOS FALAR DO TRATAMENTO!
Antes de mais nada, devemos ressaltar que o tratamento do linfedema é multidisciplinar e tem como principais objetivos: redução ou não progressão do tamanho do membro afetado, alívio de sintomas e prevenção de infecções secundárias de pele. Quanto mais precoce o início do tratamento, melhor a chance de bons resultados.
A evolução do linfedema sem acompanhamento e sem tratamento adequado, leva a uma condição crônica de ciclo de infecções recorrentes, com piora do edema e mais lesão do sistema linfático. Com isso, há piora de funcionalidade do paciente e de sua qualidade de vida. Essa cronicidade pode levar a quadros mais drásticos, como a malignização do linfedema em linfangiossarcoma.
Bom, para tentarmos evitar essas tragédias, vamos lá!
Para redução do volume do membro (e alívio dos sintomas em até 60% dos casos), medidas como elevação dos membros inferiores, uso de dispositivos para compressão elástica são estratégias interessantes.
Nos casos que se apresentam com dor (principalmente aqueles associados com neoplasia de mama), o exercício é o único tratamento comprovadamente eficaz para a melhora do quadro.
Hidratação da pele, higienização dos pés, secando bem a região interdigital, visam evitar lesões secundárias e micoses.
As infecções secundárias devem ser tratadas com antibióticos e/ou antifúngicos a depender do agente etiológico. Após surtos de infecção, recomenda-se a utilização de penicilina benzatina (1.200.000 UI, IM, a cada 21 dias) durante um período de 6 meses.
POSSO REALIZAR DRENAGEM LINFÁTICA PARA MELHORA DO LINFEDEMA?
Segundo a literatura médica, não! Não há estudos suficientes que comprovem o benefício da drenagem linfática manual no contexto do linfedema. Pelo contrário, por opinião de especialistas, a “drenagem linfática” é contraindicada na maioria dos casos. Por exemplo, em linfedema que tem como causa uma neoplasia, há teorias que alegam possibilidade de maior distribuição de células tumorais pelo uso da técnica de drenagem linfática manual.
O assunto ainda necessita de maiores estudos, mas a recomendação na literatura médica é de não indicar tal técnica de forma difusa, sendo necessário avaliar caso a caso.
E O TRATAMENTO CIRÚRGICO?
Bom, atualmente, o tratamento cirúrgico é exceção no contexto do linfedema, a não ser nos casos de linfedema penoescrotal (neste, é tratamento de escolha).
De forma geral, as outras indicações para o manejo cirúrgico são: lesões primárias localizadas, falha na conduta conservadora, extravasamento de linfa dentro de outras cavidades do corpo, órgãos ou para o meio externo (em grande volume), celulite recorrente, limitação acentuada da funcionalidade do paciente, deformidade e desfiguração importante, dor refratária, diminuição drástica da qualidade de vida com acometimento psicológico e emocional.
Apenas para se ter em mente, as técnicas cirúrgicas utilizadas atualmente são: técnicas fisiológicas (principalmente os bypass), onde se tenta drenar a linfa do local acometido para uma topografia funcionante. Podem ser bypass linfático-linfático, linfovenoso, anastomose linfáticovenular, e outros mais raros.
Há também as técnicas conhecidas como redutoras: excisão direta e lipossucção.
ESTE É UM TEMA QUE NOS DEPARAMOS MUITO NA PRÁTICA MÉDICA E, DIVERSAS VEZES, NÃO SABEMOS COMO CONDUZIR, ENCARAMOS COMO UMA “CAUSA PERDIDA” E ENCAMINHAMOS PARA O ESPECIALISTA. NO ENTANTO, APÓS LER ESTE ARTIGO, ALGUMAS MEDIDAS PODEM SER ADOTADAS PARA ATENUAR E MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA DO SEU DOENTE DESDE O INÍCIO.